Glenn Greenwald

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100 milhões de brasileiros estão sem WhatsApp graças a um juiz estadual

É impressionante assistir a um único juiz instantaneamente desligar um dos principais meios de comunicação online. Mas batalhas semelhantes são inevitáveis.

Facebook has acquired WhatsApp messaging service in a $19 bn deal. WhatsApp, a service that allows unlimited free text-messaging and picture sending has more than 400 million users globally and claims 1 million register daily. (Photo by Alex Milan Tracy/NurPhoto/Sipa USA)

(atualização abaixo)

UM JUIZ ESTADUAL determinou que as operadoras de telefonia bloqueassem o WhatsApp, serviço de mensagens online extremamente popular em todo o país, por 72 horas. A decisão, emitida em 26 de abril, tornou-se pública na segunda-feira quando foi notificada às operadoras de telefonia. Ela entrou em vigor às 14h no mesmo dia; a partir deste horário, as pessoas que tentaram usar o serviço no Brasil não podiam se conectar, nem enviar ou receber qualquer mensagem. O não cumprimento da decisão sujeitará as prestadoras a uma multa de 500 mil reais por dia.

O WhatsApp é o aplicativo mais utilizado no Brasil, um país de 200 milhões de pessoas (ele é agora propriedade do Facebook, o segundo aplicativo mais usado no país). Estimativas apontam que 91 porcento dos brasileiros usuários de telefonia móvel – mais de 100 milhões de indivíduos – usam o WhatsApp para se comunicar gratuitamente (o app tem 900 milhões de usuários ativos diariamente ao redor do mundo). Os brasileiros passaram a manhã, durante as horas anteriores ao bloqueio, enviando mensagens no WhatsApp avisando que o serviço seria interrompido por três dias.

A determinação foi feita pelo mesmo juiz, Marcel Maia Montalvão, de uma pequena cidade no estado de Sergipe, que dois meses atrás ordenou a detenção do Vice Presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, por conta da indisposição do WhatsApp em cooperar com uma intimação feita como parte de uma investigação criminal. O juiz disse que a detenção foi justificada pelo “reiterado descumprimento de ordens judiciais” pelo Facebook em uma investigação de tráfico de drogas. Em conformidade com a determinação, Dzodan foi preso pela polícia federal e mantido sob custódia por um dia inteiro, até que um tribunal de apelação anulou a ordem.

Depois, o executivo do Facebook insistiu que “da maneira como a informação está criptografada de um telefone para o outro, não há nenhuma informação armazenada que possa ser entregue às autoridades”. O WhatsApp também disse: “O WhatsApp não pode fornecer informações que não tem”. Segundo a Folha de S. Paulo, maior jornal do Brasil, a ordem para a suspensão do WhatsApp de segunda-feira decorre daquele mesmo caso.

A determinação extraordinária reflete o que está se tornando uma controvérsia global na luta das companhias de tecnologia para oferecer criptografia “end-to-end” aos seus usuários. Esse serviço, que tem cada vez mais demanda na sequência das reportagens sobre os arquivos fornecidos por Edward Snowden, demonstram que apenas os usuários – mas não as companhias – podem acessar os conteúdos que estão compartilhando. A fixação pós-Snowden das companhias para demonstrar um legítimo comprometimento com a proteção da privacidade de seus usuários (motivado pelo próprio interesse nos negócios) gerou uma cisão entre o Silicon Valley e o governo dos EUA, parceiros outrora totalmente colaborativos em relação à vigilância, criando uma guerra amarga e prolongada de relações públicas que culminou, no mês passado, com a batalha Apple/FBI sobre o acesso a iPhones.

Como resultado das proteções de criptografia, a posição do WhatsApp em resposta às intimações diz que eles são incapazes de fornecer as comunicações dos usuários porque a criptografia não mantém apenas governos e atores não governamentais longe dos dados, mas também a própria companhia. Ao longo dos últimos anos, muitos países começaram a criar leis para evitar que as empresas usem qualquer criptografia que não possa ser contornada, e a administração Obama tem debatido se apóia uma legislação que permitiria apenas o uso de criptografia para a qual as agências governamentais tenham acesso “backdoor” (nos anos 90, o governo Clinton usou o caso do atentando em Oklahoma City para promover uma lei similar, mas ela foi bloqueada por uma coalizão de defensores da privacidade de ambos os partidos no congresso).

 

ESTA NÃO É a primeira vez que o serviço do WhatsApp foi interrompido no Brasil. Em dezembro, em um caso separado, um juiz de primeira instância de São Paulo determinou que as operadoras bloqueassem o aplicativo por 48 horas em represália a sua indisposição em cooperar com uma investigação criminal. Um tribunal de segunda instância anulou a decisão horas depois da suspensão do serviço, invocando “princípios constitucionais” para dizer que “não se mostra razoável que milhões de usuários sejam afetados em decorrência da inércia da empresa”.

De muitas maneiras, o Brasil – com um enorme número de usuários de internet e uma crescente população online de pessoas jovens – é um campo de batalha chave na luta global pela liberdade na internet. O Wall Street Journal chamou o Brasil de “a capital universal das mídias sociais”. Em janeiro, depois da última suspensão do WhatsApp, dois analistas do Instituto Igarapé radicado no Brasil, Robert Muggah e Nathan Thompson, escreveram no The New York Times que “o país tem uma das populações de usuários de internet que mais crescem no mundo. Ferramentas online como o Facebook, Twitter e WhatsApp não são usadas apenas para expressão opiniões; são uma alternativa acessível aos serviços de telecomunicação extremamente caros”.

Em um país com sérios conflitos políticos e uma população online engajada, o debate sobre a liberdade de internet se tornou muito proeminente no Brasil. Junto com a Alemanha, o governo brasileiro, depois das revelações de Snowden, foi o mais eloqüente em denunciar os EUA por sua excessiva vigilância com a NSA (o Brasil era um alvo chave na espionagem). Em 2014, o governo criou o que chamou de uma lei para proteger a liberdade da internet, o “Marco Civil da Internet”, que forneceu alguma proteção à privacidade mas também cedeu novos poderes de vigilância ao governo. No mês passado, o governo exigiu, e recebeu, uma nova e draconiana lei anti-terrorismo que concede a ele novos poderes legais extremos (fazendo com que o ex-presidente Lula da Silva discordasse de seu partido, que controla o governo, dizendo ao The Intercept, em entrevista, que era contra a lei).

Agora, como reportou o The Intercept na semana passada, novas propostas prestes a serem aprovadas (a CPI de crimes cibernéticos) poderão codificar poderes de desligamento da internet do tipo que o juiz estadual impôs na segunda-feira. Em uma postagem no Facebook, Ronaldo Lemos, fundador-diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e um doso arquitetos da legislação do Marco Civil da Internet, de 2014, disse: “Amanhã a CPI dos Cibercrimes vota proposta para tornar esse tipo de bloqueio amparado por lei. Se a proposta da CPI for em frente, esse será o novo normal do país. Todas as semanas teremos notícias de sites e serviços bloqueados. Tal como na Arábia Saudita ou na Coreia do Norte”.

É impressionante assistir a um único juiz instantaneamente desligar um meio de comunicação online essencial para o quinto maior país do mundo. Os dois especialistas em segurança escreveram no NYT sobre a primeira suspensão do WhatsAPP: “a ação do juiz foi imprudente e representa uma ameaça potencial e de longo prazo a liberdade dos brasileiros”. Mas não há dúvidas de que é só um sinal do que está por vir para outros países que não o Brasil: haverá, sem dúvida, batalhas similares em inúmeros países ao redor do mundo sobre os direitos que as empresas têm de oferecer proteção à privacidade de seus usuários.

 

ATUALIZAÇÃO: O WhatsApp voltou a funcionar no Brasil. Horas depois de um recurso ser negado na manhã de terça-feira, um desembargador acatou o recurso do WhatsApp e reverteu a decisão original por volta das 14h15.

Traduzido por: Erick Dau

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