Glenn Greenwald

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Folha comete fraude jornalística com pesquisa manipulada visando alavancar Temer

A afirmação amplamente reproduzida de que metade do país quer Temer como presidente é uma fabricação.

Brazil's acting President Michel Temer attends a ceremony on student financing, at the Planalto presidential palace, in Brasilia, Brazil, Thursday, June 16, 2016. Brazil's acting President Michel Temer rejected allegations that represented the first direct link between him and the massive corruption probe at the state-run oil company Petrobras, denying that he sought campaign funds for his party's mayoral candidate in Sao Paulo as part of a kickback scheme. (AP Photo/Eraldo Peres)

Um dos mistérios mais obscuros da crise política que atingiu o país nos últimos meses (conforme relatado inúmeras vezes pela Intercept ) tem sido a ausência completa de pesquisas de opinião nos grandes meios de comunicação e órgãos de pesquisa do país. Há mais de três meses, no dia 17 de abril, a Câmara dos Deputados votou em favor de enviar ao Senado Federal o pedido de impeachment da presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff, resultando na investidura temporária de seu vice-presidente, Michel Temer, como “presidente interino”.

Desde a posse de Temer, o Datafolha – instituto de pesquisa utilizado pelo maior jornal do país, Folha de São Paulo  – não havia publicado pesquisas de opinião sobre o impeachment da presidente, nem sobre o impeachment de Temer, e nem mesmo sobre a realização de novas eleições para presidente. A última pesquisa do instituto antes da votação do impeachment foi realizada em 9 de abril e apontava que 60% da população apoiava o impeachment de Dilma, enquanto 58% era favorável ao impeachment de Temer. Além disso, a sondagem indicou que 60% dos entrevistados desejavam a renúncia de Temer após o impeachment de Dilma, e 79% defendiam novas eleições após a saída de ambos.

A última pesquisa de outra grande empresa do setor, o Ibope, foi publicada em 25 de abril, e concluiu que 62% desejavam que Dilma e Temer saíssem e que novas eleições fossem realizadas; 25% queriam a permanência de Dilma e a conclusão de seu mandato; e apenas 8% eram favoráveis a situação atual: com suspensão de Dilma e Temer como presidente interino. Essa pesquisa, mesmo sendo negativa para Temer, foi realizada há algum tempo, em abril deste ano.

De forma surpreendente, mesmo três meses depois da entrada de Temer, a poucas semanas da votação final do impeachment de Dilma no Senado e com toda a atenção do mundo voltada para o Brasil por conta das Olimpíadas, nenhuma pesquisa havia sido publicada até o último final de semana. No sábado, a Folha de São Paulo anunciou uma nova pesquisa realizada pelo Datafolha que se demonstrou, ao mesmo tempo, surpreendente e positiva para o presidente interino, Michel Temer, além de apresentar uma grande variação com relação a pesquisas anteriores. A manchete principal impressa pela Folha, que rapidamente se alastrou pelo país como era de se esperar, dizia que metade do país deseja que Temer permaneça como presidente até o fim do mandato que seria de Dilma no final de 2018.

A iminência da votação final do impeachment torna esse resultado (50% dos brasileiros desejam que Temer conclua o mandato de Dilma) extremamente significativo. Igualmente importante foi a afirmação da Folha de que apenas 4% disseram não querer nenhum dos dois presidentes, e somente 3% desejam a realização de novas eleições. O artigo on-line de destaque no sábado:

O jornal também estampou o resultado na primeira página da edição impressa de domingo, a edição de jornal mais lida do país:

Esse resultado não foi apenas surpreendente por conta da ampla hostilidade com relação a Temer revelada pelas pesquisas anteriores, mas também porque simplesmente não faz sentido. Para começar, outras perguntas foram colocadas aos eleitores pelo Datafolha sobre quem prefeririam que se tornasse presidente em 2018 e os resultados apontaram que apenas 5% escolheriam Temer, enquanto o líder da pesquisa, o ex-presidente Lula, obteve entre 21% e 23% das intenções de voto, seguido por Marina Silva, com 18%. Apenas 14% aprovam o governo de Temer, enquanto 31% o consideram ruim/péssimo e 41%, regular. Além disso, um terço dos eleitores não sabe o nome do Presidente Temer. E, conforme observou um site de esquerda ao denunciar a recente manchete sobre a pesquisa da Folha como uma “fraude estatística”, é simplesmente inconcebível que a porcentagem de brasileiros favoráveis às novas eleições tenha caído de 60%, em abril, para apenas 3% agora, enquanto a porcentagem da população que deseja a permanência de Temer na Presidência da República tenha disparado de 8% para 50%.

Considerando todos esses dados, fica extremamente difícil compreender como a manchete principal da Folha – 50% dos entrevistados querem que Temer continue como presidente até o fim do mandato de Dilma – possa corresponder à realidade. Ela contradiz todos os dados conhecidos. A Folha é o maior jornal do país e o Datafolha é uma empresa de pesquisa de credibilidade considerável. Ambos foram categóricos em sua manchete e gráfico principal a respeito do resultado da pesquisa. Curiosamente, a Folha não publicou no artigo as perguntas realizadas, nem os dados de suporte, impossibilitando a verificação dos fatos que sustentam as afirmações do jornal.

Como resultado disso, a manchete – que sugere que metade da população deseja a permanência de Temer na Presidência até 2018 – foi reproduzida por grande parte dos veículos de comunicação do país e rapidamente passou a ser considerada uma verdade indiscutível: como um fato decisivo, com potencial para selar o destino de Dilma. Afinal, se literalmente 50% do país deseja que Temer permaneça na Presidência até 2018, é difícil acreditar que Senadores indecisos contrariem a vontade de metade da população.

Mas ontem, os dados completos e as perguntas complementares foram divulgados. Tornou-se evidente que, seja por desonestidade ou incompetência extrema, a  Folha cometeu uma fraude jornalística. Apenas 3% dos entrevistados disseram que desejavam a realização de novas eleições, e apenas 4% disseram que não queriam nem Temer nem Dilma como presidentes, porque nenhuma dessas opções de resposta encontrava-se disponível na pesquisa. Conforme observado pelo jornalista Alex Cuadros hoje, a pergunta colocada deu aos entrevistados apenas duas opções de resposta: (1) Dilma retornar à Presidência ou (2) Temer continuar como presidente até 2018.

Portanto, fica evidente que os 50% de entrevistados não disseram que seria melhor para o país se Temer continuasse até o fim do mandato de Dilma em 2018: eles disseram apenas que essa seria a melhor opção se a única alternativa fosse o retorno de Dilma. Além disso, simplesmente não procede alegar que apenas 3% dos entrevistados querem novas eleições, já que essa pergunta não foi feita. O que aconteceu foi que 3% dos entrevistados fizeram um esforço extra para responder dessa forma frente a opção binária entre “Dilma retorna” ou “Temer fica”. É impossível determinar com base nessa pesquisa a porcentagem real de eleitores que desejam a permanência de Temer até 2018, novas eleições ou o retorno de Dilma. Ao limitar de forma infundada as respostas a apenas duas opções, a Folha gerou as amplas distorções observadas nos resultados.

É totalmente injustificável, por inúmeras razões, que a pergunta tenha sido colocada dessa maneira, excluindo todas as outras opções, com exceção das duas respostas disponíveis. Primeiramente, o Supremo Tribunal Federal  já havia decidido que a votação do impeachment de Temer deve prosseguir, visto que o interino cometeu o mesmo ato que Dilma. Em segundo lugar, diversas figuras de destaque político no país – incluindo o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, bem como um editorial da própria Folha – se manifestaram em favor de novas eleições para presidente após o impeachment de Dilma. Andréa Freitas, Professora de Ciência Política na Unicamp, disse à Intercept: “como as novas eleições são uma opção viável, deveriam ter sido incluídas como uma das opções”.

E como Cuadros observou, pesquisas anteriores sobre Dilma e Temer, incluindo a pesquisa de 9 de abril do Datafolha, perguntaram explicitamente aos entrevistados a respeito de novas eleições. Portanto, é difícil entender por que essa pesquisa do Datafolha omitiria propositadamente o impeachment de Temer e as novas eleições, e limitar as opções a “Dilma volta” ou “Temer fica”.

Mas o argumento a respeito de limitar as possíveis respostas a apenas duas opções é simplesmente referente à metodologia da pesquisa. O que aconteceu foi muito mais grave. Após ter decidido limitar as opções de resposta dessa forma, a Folha não pode enganar o país fingindo ter oferecido aos entrevistados todas as opções possíveis. Com a omissão desse fato, a manchete e o gráfico principal do artigo da Folha se tornam enganosos e completamente falsos.

É simplesmente incorreto alegar (como fez o gráfico da Folha) que apenas 3% dos brasileiros acreditam que “novas eleições são o melhor para o país”, já que a pesquisa não colocou essa pergunta aos entrevistados. E ainda mais prejudicial: é completamente incorreto dizer que “50% dos brasileiros acreditam que a permanência de Temer seja melhor para o país” até o fim do mandato de Dilma. Só é possível afirmar que 50% da população deseja a permanência de Temer se a única outra opção for o retorno de Dilma. 

Mas se outras opções forem incluídas – impeachment de Temer, renúncia de Temer, novas eleições – é praticamente certo que a porcentagem de brasileiros que desejam a permanência de Temer até 2018 caia vertiginosamente. Como observou a Professora Andréa Freitas: “pode ser que 50% da população prefira Temer a Dilma se essas forem as únicas opções, mas parte desses 50% pode ser favorável a novas eleições. Com a ausência dessa opção, não há como estabelecer que essas pessoas prefiram o Temer”.

Isso não é trivial. Não se pode subestimar o impacto dessa pesquisa. É a única pesquisa de um instituto com credibilidade a ser publicada em meses. Sua publicação se deu exatamente antes da votação final do impeachment no Senado. E contém a extraordinária alegação de que metade do país deseja que o Michel Temer permaneça na presidência até 2018: uma manchete tão sensacionalista quanto falsa.

Considere como os resultados dessa pesquisa foram reproduzidos de forma incansável – como era de se esperar – em manchetes de outros grandes veículos do país:

No primeiro parágrafo: “Pesquisa do Instituto Datafolha realizada nos dias 14 e 15 aponta que 50% dos brasileiros preferem que o presidente interino Michel Temer continue no poder até 2018. A volta da presidente afastada Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto foi a opção de 32% dos entrevistados. Os 18% restantes não escolheram nenhum dos dois, disseram não saber ou que preferiam novas eleições”.

Em entrevista à Intercept, Luciana Chong do Datafolha insistiu que foi a Folha, e não o instituto de pesquisa, quem estabeleceu as perguntas a serem colocadas. Ela reconheceu o aspecto enganoso na afirmação de que 3% dos brasileiros querem novas eleições “já que essa pergunta não foi feita aos entrevistados”. Luciana Schong também conta que qualquer análise desses dados que alegue que 50% dos brasileiros querem Temer como presidente seriam imprecisos, sem a informação de que as opções de resposta estavam limitadas a apenas duas.

No fim de abril, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicou seu ranking anual de liberdade de imprensa e o Brasil caiu para a 104ª posição, em parte devido à “propriedade dos meios de comunicação continuar concentrada nas mãos de famílias dominantes vinculadas à classe política”. Mais especificamente, o grupo observou que “de forma pouco velada, a mídia nacional dominante encorajou o povo a ajudar a derrubar a Presidente Dilma Rousseff” e “os jornalistas que trabalham nesses grupos midiáticos estão evidentemente sujeitos à influência de interesses privados e partidários, e esses conflitos de interesse permanentes são obviamente prejudiciais à qualidade do jornalismo produzido”.

Uma coisa é a mídia plutocrática brasileira incentivar e incitar abertamente a queda de um governo democraticamente eleito. De acordo com a RSF, esse comportamento representa uma ameaça direta à democracia e à liberdade de imprensa. Mas é muito diferente testemunhar a fabricação de manchetes e narrativas falsas insinuando que uma grande parte do país apoia o indivíduo que tomou o poder de forma antidemocrática, quando isso não é verdade.

ATUALIZAÇÃO (quinta-feira): Novas evidências surgiram mostrando que a fraude jornalística da Folha foi ainda pior do que pensávamos quando esse artigo foi publicado. A Folha respondeu a este artigo através de uma notícia. Leia aqui nosso artigo sobre estes novos eventos.

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