A profunda impopularidade do Presidente Michel Temer, aliada à sua avidez por escondê-la, tem sido objeto de chacota internacional. Para evitar ser visto pelo mundo sendo vaiado por sua própria população, Temer violou um antigo protocolo olímpico e reivindicou que seu nome não fosse anunciado na cerimônia de abertura dos jogos. Foi em vão: assim que o público notou sua presença e o começo de seu discurso, o interino foi intensamente vaiado diante das câmeras de todo o mundo. Com medo de outra humilhação, Temer decidiu evitar completamente a cerimônia de encerramento, algo inédito para o chefe de uma nação-sede dos Jogos Olímpicos.
A grande antipatia a Temer, que acabou de completar 100 dias à frente do governo, tem confirmação não apenas por conta da vergonha olímpica, mas também em face a provas empíricas. Durante todo o debate do impeachment, as pesquisas mostraram constantemente que uma grande maioria da população o rejeita e deseja, inclusive, seu impeachment. O escândalo ocorrido no mês passado, envolvendo o uso indevido dos dados do Datafolha pela Folha de S. Paulo, terminou com o jornal admitindo que 62% da população apoia a saída de Dilma e Temer, em favor de novas eleições. A impopularidade do mandato de Temer está fora de discussão.
Os motivos por trás das dificuldades políticas de Temer vão muito além da ideia de que falta legitimidade à sua presidência porque ele nunca foi (e nunca seria) eleito presidente de forma democrática. Os inúmeros escândalos éticos que o cercam — acusações de doações de campanha ilegais, a perda de três ministros envolvidos em corrupção, ser impedido de concorrer a eleições por oito anos por ser “ficha suja” — certamente são fatores importantes, mas não explicam a história toda.
Observadores da mídia e da política brasileira sugerem que Temer poderia superar os desafios de legitimidade (e os problemas de corrupção) que enfrenta se implementasse políticas de apelo popular amplo. Essa teoria tem base na crença de que a população, atormentada pelo caos político e o sofrimento econômico, aceitaria qualquer um que oferecesse um mínimo de prosperidade e estabilidade. Mas, acima de tudo, isso foi exatamente o que Temer não conseguiu fazer.
Em vez de buscar políticas e apoiar medidas que receberiam o respaldo popular, Temer se envolveu em uma série de deslizes constrangedores que levantaram dúvidas sobre seus atributos mais enaltecidos: o discernimento e a competência. Mas foi além: defendeu e começou a implementar políticas que a grande maioria da população não apoia, muitas vezes se opondo veementemente com base no mérito.
Temer não comparecerá à cerimônia de encerramento porque sabe que seria intensamente vaiado mais uma vez. As motivações dessas vaias são heterogêneas e incluem uma insatisfação generalizada com o momento econômico e a classe política desde o nível municipal. Essa repulsa popular antecede Temer – como demonstrado pelas vaias recebidas pela presidente afastada Dilma Rousseff na Copa das Confederações de 2013 e na Copa do Mundo de 2014. (Vale notar que muitos atletas Olímpicos também foram vaiados pela torcida este mês). Mas, sem dúvida, um fator influente é a população ter uma percepção extremamente negativa por conta das inúmeras medidas e políticas escolhidas por Temer. Para entender por que ele é tão impopular em todo o país — a ponto de quase não aparecer em público — é fundamental entender as políticas e escolhas responsáveis por isso:
Reforma trabalhista
A reforma é considerada um dos quatro pilares do governo interino. Temer já indicou que quer que os acordos negociados entre empregados e patrões tenham mais força do que a legislação. Outro ponto central envolve a liberação das terceirizações, defendidas pela Confederação Nacional das Industrias-CNI. Segundo o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, o projeto será enviado ao Congresso ainda em 2016. Em entrevista ao Brasil Econômico, ele explica que “não é reforma, é readequação à realidade”.
Teto para os gastos públicos
A medida proposta pelo governo envolve um congelamento de 20 anos no crescimento real das despesas da União. Até mesmo as obrigatórias, como aposentadoria, saúde e educação, que possuem investimento garantido pela Constituição, passam a ser menores com o ritmo de crescimento lento. Para colocar mais dinheiro em uma área, será preciso tirar de outra. A medida já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e deve ser votada até o fim do ano.
Reforma da Previdência
Um dos principais palanques de Temer, a reforma propõe aposentadoria com idade mínima de 70 anos para a futura geração, com regra única para todos os beneficiários. A reforma caminha para 2017. O governo, porém, já tornou mais rígida as regras para aposentadoria por invalidez e do auxílio doença. A ideia é cancelar pelo menos 30% dos benefícios.
Cortes nas universidades públicas federais
A previsão orçamentária para 2017 apresenta um panorama desanimador para as universidades federais: os cortes em investimentos chegam a 45%, e os custos foram reduzidos em 18% em comparação a 2016. As bolsas de iniciação cientíifica também serão afetadas, e o CNPq reduziu 20% das bolsas de iniciação científica para o próximo biênio. As inscrições para novas bolsas do programa Ciências Sem Fronteiras, programa de intercâmbio para estudantes brasileiros em instituições de ensino no exterior, também foram interrompidas.
Fim da Controladoria-Geral da União
Extinta no primeiro dia de governo Temer, a Controladoria-Geral da União foi incorporada ao recém-criado Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Funcionários da CGU afirmam que a mudança aprofunda uma tendência de perda de autonomia para investigar casos de corrupção dentro do governo e têm feito campanha para que o órgão volte a se chamar CGU.
Extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário
Temer extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pelas ações relativas à agricultura familiar e ao processo de reforma agrária. Transferiu as atribuições da pasta para a Casa Civil, e os cargos foram entregues para o controle do deputado Paulinho da Força. Mais recentemente, diante de reclamações do próprio Paulinho, que quer mais visibilidade para a pasta, Temer decidiu que irá recriar o ministério após a conclusão do processo de impeachment.
Abertura maior para investidores estrangeiros
Uma das ideias mais polêmicas do governo interino é abrir os campos do pré-sal para serem operados por empresas estrangeiras, quebrando o monopólio da Petrobras sobre as operações. A proposta, que é do agora ministro José Serra, já foi aprovada no Senado e está em vias de ser votada na Câmara. Além disso, também existe a ideia da liberação da venda de terras para empresas controladas por capital estrangeiro. A medida tem amplo apoio entre os ruralistas e faz parte do pacote de estímulos econômicos do presidente interino. O projeto nesse sentido está pronto para ser votado no plenário da Câmara.
Mudanças no Minha Casa, Minha Vida
Uma das primeiras medidas do novo ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), foi revogar portarias que previam a construção de novas unidades habitacionais pelo programa MCMV , considerada prioritária por movimentos pró-moradia. Com a pressão dos movimentos sociais, o ministro voltou atrás. No entanto, o programa sofre alguma alterações com a não necessidade de cadastro no Ministério da Cidade e a restrição de subsídio.
Abandono de política externa multilateralista
Com José Serra no comando do Itamaraty, o tom e o viés da política externa brasileira mudaram, passando a ter uma postura agressiva e constrangedora. O alvo central da ojeriza de Serra até aqui tem sido a Venezuela. Nesta semana, veio a público a tentativa de ‘comprar’ o apoio do Uruguai para impedir que os venezuelanos assumam a presidência rotativa do Mercosul, abrindo a potencial primeira crise diplomática do Brasil sob Michel Temer. Serra ainda tem a intenção de fechar diversas embaixadas brasileiras, especialmente na África e no Caribe.
Aumento do lucro garantido para empreiteiras que assumirem concessões públicas
A equipe de Temer avalia que as concessões de infraestrutura durante o governo Dilma Rousseff não decolaram porque o retorno oferecido aos investidores era baixo. Um retorno de pelo menos 10,6% já é garantido em certas áreas, mas os ministros agora já falam em aumento da taxa de retorno que os vencedores de leilões terão com a operação dos empreendimentos.
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