(este texto contém atualizações)
Michel Temer foi para a China e deixou a caneta presidencial com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Coube a ele deixar gravado seu nome num claro enfraquecimento da empresa pública de comunicação do governo federal, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Os governos do PT sempre foram acusados de tentar cercear a mídia e criar veículos chapa-branca para exaltar os feitos de sua administração. O fato é que a primeira medida provisória enviada pelo novo governo ao Congresso abre margem justamente para uma interferência descontrolada do governo na linha editorial e na programação da EBC.
A Medida Provisória acaba com o Conselho Curador da empresa. Trata-se de um grupo formado por 22 pessoas, sendo 15 representantes da sociedade civil e um representante dos servidores da EBC, além de quatro do governo federal, um do Senado e um da Câmara dos Deputados.
“A EBC passa automaticamente de pública a governamental. Esse elemento de gestão que é a existência de um Conselho, onde a maioria é da sociedade, com papel e caráter deliberativo sobre conteúdos e zela pelo principio de comunicação pública na Empresa, como está na Lei. Então você, eliminando essa instância, você passa automaticamente a decisão sobre conteúdo para dentro da EBC”, explica a então presidente do extinto Conselho, Rita Freire – atuante em movimentos sociais feministas e no Fórum Mundial de Mídia Livre, além de integrante do conselho internacional do Fórum Social Mundial.
A função desse grupo é clara: “Existe para zelar pelos princípios e pela autonomia da Empresa Brasil de Comunicação, impedindo que haja ingerência indevida do Governo e do mercado sobre a programação e gestão da comunicação pública”.
“Trata-se de um formato democrático que atende à demanda dos movimentos sociais. A partir de agora, a EBC é, sim, chapa branca. Vai ter censura ideológica e regras de comportamento. Isso tira o aspecto democrático da emissora”, avalia a professora da Universidade Federal Fluminense Heloísa Machado, pesquisadora do tema.
Agora, evitar a ingerência caberá pessoalmente a Michel Temer. A MP estabelece que a nomeação dos diretores da empresa – como os de “jornalismo”, “produção” e “conteúdo e programação” – passa a ser atribuição direta dele. Até agora, essa função cabia ao Conselho de Administração da empresa.
“O governo passa agora a decidir sobre o conteúdo dos veículos de comunicação. A EBC veio cumprir a Constituição Brasileira, que determina que a comunicação no país deve ser complementar: a pública, a privada e a estatal. Sendo a estatal as da Câmara e do Senado, que tem obrigação de prestar informações sobre a atividade destes órgãos”, reitera Freire.
Sobre o Conselho de Administração da EBC, mais uma mudança relevante e que reforça o provável caráter chapa-branca que a empresa assumirá no novo governo. Embora Temer tenha incluído um representante dos trabalhadores (posição extinta com o encerramento do Conselho Curador), ele incluiu mais dois assentos para o governo, com representantes dos ministérios da Educação e da Cultura.Outra mudança simbolicamente relevante é que a indicação do diretor-presidente da empresa passa a ser atribuição de Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil, área notadamente política do governo. Antes, cabia à Secretaria de Comunicação Social.
Melo exonerado pela segunda vez
A mexida na EBC não parou por aí. No exercício do cargo de presidente, Rodrigo Maia assinou hoje a exoneração de Ricardo Melo da presidência da empresa. Indicado pelo governo Dilma Rousseff, o jornalista, tinha sido exonerado logo no início do governo interino, mas foi recolocado no posto por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal. Agora, volta a ser retirado do comando para dar lugar a Laerte Rímoli, também jornalista e assessor da campanha presidencial de Aécio Neves (PSDB) e que assumiu, no fim de 2015, a diretoria de comunicação da Câmara dos Deputados a convite do então presidente Eduardo Cunha (PMDB).
Machado explica que, segundo o regimento, as posses do presidente da República e da EBC não podem coincidir, para que o segundo atravesse pelo menos dois governos, garantindo independência à empresa: “O que fez ao exonerar Ricardo Melo é inconstitucional. Ele está rompendo com a legalidade e abrindo precedente para que os próximos presidentes façam o mesmo”.
Melo vai recorrer novamente ao STF.
ATUALIZAÇÃO: No fim da tarde, o governo voltou atrás e exonerou Laerte Rímoli.
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