Na véspera da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, o presidente não-eleito lembrou que, no Maracanã, “vaia-se até minuto de silêncio”. A frase de Nelson Rodrigues não poderia ser mais verdadeira. Se até presidentes eleitos foram vaiados, por que um que chegou ao cargo catapultado pela gangue de Eduardo Cunha e implantou um programa de governo rejeitado nas urnas não seria?
Tanto na abertura das Olimpíadas quanto na das Paraolimpíadas, uma Operação Passa-Pano foi montada para que vaias e xingamentos não fossem ouvidos na transmissão da TV. Mas não adiantou, o barulho e o constrangimento foram enormes.
E eu tenho a leve impressão de que a operação conta com um braço jornalístico muito eficaz. Há um grande empenho das manchetes e do colunismo em minimizar as vaias e os protestos que o presidente vem sofrendo dia sim, dia sim.
Eliane Cantanhede, a colunista da massa cheirosa que chegou a implorar por uma “trégua a Temer”, comentou na abertura das Olimpíadas: “Temer foi vaiado por alguns segundos. E daí?”.
O Antagonista de Diogo Mainardi deixou sua famosa agressividade de lado e pediu docemente para o presidente não se incomodar com as vaias.
A jornalista Mary Zaidan também tentou estancar a sangria em seu Twitter: “Insisto: só quem votou em Temer está gritando ‘Fora, Temer’”. Nessa livre e ousada interpretação dos fatos, apenas quem votou em Dilma deseja a saída de Temer. Talvez ela ache que esses eleitores deveriam ter consultado as cartas de tarô para descobrir que o vice trairia a plataforma de governo pela qual foi eleito.
Miriam Leitão foi além e terceirizou as vaias de Temer para Dilma. Em coluna na “CBN” intitulada “Vaias a Temer são por decisões tomadas por Dilma”*, a economista deu sua valorosa contribuição para a operação.
O Jornal Nacional fez um breve resumo dos protestos em todo país no dia 7 de setembro e destacou que em São Paulo a marcha foi “liderada por mascarados”, numa clara tentativa de desqualificar os protestos.
O trabalho da operação tem sido árduo. Em poucos meses como presidente, Michel Temer já possui uma vasta coleção de vaias. Ele, que para muitos é um Dom Pedro contemporâneo que nos libertou das garras do bolivarianismo e impediu que nossa bandeira se tornasse vermelha, acordou sendo vaiado no desfile de 7 de setembro e foi dormir sendo vaiado na abertura das Paralimpíadas. Conseguiu a façanha de levar pra casa duas enormes vaias no mesmo dia. Quer dizer, segundo a Globo, ele foi vaiado, mas “algumas pessoas aplaudiram”. Não foi tão ruim assim.
Nos protestos que reuniram milhares de pessoas em todo o Brasil nos dias seguintes ao impeachment, José Serra saiu em defesa do seu presida e desdenhou dos manifestantes. Segundo ele, foram atos de “pequenos grupos organizados”, uma minoria que classificou como “mini mini mini mini mini mini” – seis “minis”.
O chefe da Casa Civil, Geddel, apontou a irrelevância do protesto no desfile da Independência: “a dimensão é de 18 pessoas em 18 mil”.
Quando foi buscar legitimidade na China, o presidente não-eleito respondeu ao ser perguntado se as manifestações poderiam atrapalhar o início de seu governo: “As 40 pessoas que quebram carro? Precisa perguntar para os 204 milhões de brasileiros”.
Bom, uma pesquisa Datafolha de abril já perguntou. E o resultado foi que 58% dos brasileiros defendem o impeachment de Temer. Já o Ibope, da mesma época, trouxe um número ainda pior: apenas 8% da população quer vê-lo como presidente do país. De lá pra cá, nada mudou. Nas capitais, a aprovação de Temer está entre 8% a 19%, segundo pesquisa Ibope divulgada na semana passada.
Parece que o número de pessoas insatisfeitas é um pouco maior que 40, não é mesmo? A insatisfação não é tão mini mini mini mini e nem parte apenas dos que votaram na chapa Dilma/Temer. Haja pano pra passar!
É importante frisar que a nossa querida imprensa não deixou de registrar as vaias. Ela sempre publica tudo, vocês já sabem. Peguemos o Estadão como exemplo. Foi assim que ele publicou as vaias para Lula, na abertura do Panamericano, e para Dilma, na abertura da Copa do Mundo:
Agora, quando as vaias foram direcionadas para o seu novo queridinho, o jornalismo do Estadão precisou se adequar. Essas foram as capas publicadas nos dias seguintes às aberturas das Olimpíadas e Paraolimpíadas:
O Estadão fez bonito e cumpriu com louvor seu papel na Operação Passa-Pano. É preciso de uma lupa e muita boa vontade para encontrar os protestos contra Temer. Talvez a Família Mesquita não queira que a massa leitora de manchetes nas bancas de jornais fique sabendo desse revés.
Vamos ver até quando os paninhos continuarão sendo passados. Com os protestos ganhando corpo e a rejeição aumentando, a tendência é que a sujeira se acumule. E, segundo a lógica do próprio Temer, será muito difícil que ele chegue ao fim do seu governo. Há um ano, o então vice-presidente fez a seguinte afirmação sobre a ex-presidenta: “Com 7% de aprovação, fica muito difícil concluir seu mandato”. Bem, como vimos, a aprovação de Temer está variando entre 8 a 19% nas capitais.
*Logo após a publicação, o título da coluna foi trocado e Miriam disse que não foi bem isso o que quis dizer. Acontece. Algum estagiário abusado deve ter trocado o título a seu bel prazer.
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