Recentemente, executivos de empresas farmacêuticas americanas fizeram uma grande doação para uma campanha contra a legalização da maconha e a justificaram como sendo uma preocupação com a segurança das crianças. Mas o dossiê de investidores da empresa mostra que a maconha representa uma ameaça direta aos planos de lucrar com um produto de maconha sintética desenvolvido pela empresa.
Em 31 de agosto, a empresa Insys Therapeutics Inc. doou 500 mil dólares para a organização “Povo do Arizona por Políticas Responsáveis de Drogas” (Arizonans for Responsible Drug Policy), se tornando o maior doador do grupo que lidera a campanha contra a aprovação do referendo para legalizar a maconha no Arizona.
A empresa farmacêutica, que atualmente fabrica uma versão de efeito acelerado do analgésico fentanil, garantiu a um repórter local que tinha feito a considerável doação pensando no bem comum. Um porta-voz contou ao Arizona Republic que a Insys se opõe à medida de legalização, Prop. 205, “porque ela não protege os cidadãos do Arizona, em especial, as crianças”.
Na sexta-feira (9), uma reportagem do Washington Post mencionou o potencial autointeresse por trás da doação da Insys.
O dossiê de investimento examinado pelo The Intercept confirma o óbvio.
No momento, a Insys está desenvolvendo um produto chamado Dronabinol Oral Solution (solução oral), um remédio que utiliza uma versão sintética do tetraidrocanabinol (THC) para aliviar náusea e vômito causados por quimioterapia. Em um dossiê relacionado ao dronabinol, onde são analisadas preocupações de mercado e concorrência, a Insys registrou uma declaração informativa com a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, da sigla em inglês) deixando claro que a legalização da maconha é uma ameaça direta à sua linha de produtos:
“A legalização da maconha ou de outros canabinoides naturais nos EUA pode limitar significativamente o sucesso comercial de possíveis produtos de dronabinol. Se a maconha ou outros canabinoides naturais forem legalizados nos EUA, o mercado de produtos compostos por dronabinol seria consideravelmente reduzido, nossa capacidade de gerar receita e o futuro de nossos negócios seriam concretamente afetados de forma negativa”.
A Insys explica no dossiê que o dronabinol é “um dos poucos canabinoides sintéticos aprovados pela FDA [Food and Drug Administration – responsável pelo controle de alimentos e medicamentos] nos EUA e, “portanto, nos EUA, produtos de dronabinol não precisam concorrer com a cannabis natural ou canabinoides naturais”.
A empresa admite que a literatura científica defende que os benefícios da maconha são maiores do que os benefícios do dronabinol sintético, e que o apoio à legalização da maconha vem crescendo. No último formulário 10-K de desempenho financeiro arquivado com a SEC, em uma seção que aborda as ameaças da concorrência, a Insys alertou que diversos estados “já haviam aprovado leis que legalizavam a maconha para uso medicinal e recreativo”.
O Subsys, spray de fentanil fabricado pela Insys, é usado como um analgésico de efeito rápido. Ele é um opiáceo que foi manchete nos últimos anos, à medida que aumentou o número de americanos com overdose da substância. O fentanil é 50 vezes mais forte do que a heroína e foi associado à morte do cantor Prince no começo do ano. No mês passado, dois executivos da Insys se declararam culpados por um esquema em que usavam os honorários pagos a palestrantes para que médicos prescrevessem o Subsys a seus pacientes.
Os defensores da causa defendem que a maconha legalizada tem diversas finalidades médicas, incluindo o uso analgésico.
Não é a primeira vez que empresas farmacêuticas ajudam a financiar a oposição à reforma nas leis que regulam a droga. A Coalizão Comunitária Contra as Drogas da América (Community Anti-Drug Coalition of America), órgão sem fins lucrativos que organiza o ativismo em todo o país, recebe patrocínio corporativo da Purdue Pharma, fabricantes da Oxicodona, e da Janssen Pharmaceuticals, outro fabricante de opiáceos, há muito tempo.
J.P. Holyoak, presidente da Campanha para Regulamentar a Maconha como o Álcool (Campaign to Regulate Marijuana Like Alcohol), um grupo que apoia ao referendo de legalização, publicou uma nota condenando a doação da Insys. “Nossos adversários tomaram uma decisão consciente de se associarem com essa empresa”, contou Holyoak. “Estão financiando a campanha com os lucros da venda de opiáceos — e, talvez, até com a venda irregular de opiáceos”.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO
Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.
A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.
Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.
A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, precisamos arrecadar R$ 500 mil até a véspera do Ano Novo.
Você está pronto para combater a máquina bilionária da extrema direita ao nosso lado? Faça uma doação hoje mesmo.