O mais novo filme de Oliver Stone, Snowden, que estreia no dia 22 de setembro, estĂĄ sendo promovido como uma versĂŁo dramatizada da vida de Edward Snowden, o whistleblower que vazou documentos da NSA demonstrando a extensĂŁo dos recursos de vigilĂąncia dos EUA.
A versĂŁo da vida de Snowden criada por Oliver Stone mistura fatos reais com invençÔes hollywoodianas, cobrindo a sua saĂda das forças armadas apĂłs uma lesĂŁo durante os treinamentos de base, o encontro com sua namorada e o treinamento na CIA com mentores fictĂcios (incluindo o personagem de Nicolas Cage, provavelmente representando uma mistura entre os whistleblowers Thomas Drake e Bill Binney). Logo em seguida, Snowden torna-se um agente secreto, vivencia uma operação malsucedida, torna-se funcionĂĄrio terceirizado da CIA e da NSA, e, por fim, opta por deixar o serviço de inteligĂȘncia e revelar os vastos programas e recursos de vigilĂąncia desses ĂłrgĂŁos, inclusive programas que ajudou a desenvolver.
O filme aborda pontos importantes da histĂłria de Snowden: seu crescente interesse na Constituição e no Tribunal de VigilĂąncia e InteligĂȘncia Estrangeira (FISA Court) dos EUA, alguns dos programas governamentais de vigilĂąncia por ele revelados, e partes de seus encontros Ă s escondidas com Glenn Greenwald, Laura Poitras (cofundadores do The Intercept) e Ewen MacAskill, do jornal britĂąnico The Guardian.
HĂĄ certas doses de licença artĂstica â o dispositivo de memĂłria contendo os documentos em questĂŁo escondido dentro do Cubo de Rubik e o mentor de Snowden na NSA espionando sua namorada atravĂ©s de uma webcam. No entanto, hĂĄ menos enfoque nas questĂ”es globais levantadas pelas revelaçÔes do ex-funcionĂĄrio da NSA: as implicaçÔes morais e legais do governo americano coletar dados sobre estrangeiros e americanos com certa impunidade, e as reportagens concretas que foram resultado das considerĂĄveis revelaçÔes de Snowden.
Por isso, preparamos uma pequena retrospectiva para cinĂ©filos e interessados no jornalismo possibilitado pelas revelaçÔes de Snowden ao tornar-se um whistleblower: No total, mais de 50 artigos, publicados por 23 veĂculos internacionais, se utilizaram de documentos fornecidos por Snowden. The Intercept e outros veĂculos continuam a pesquisar os arquivos em busca de reportagens com importĂąncia polĂtica e social.
Na esperança de que o filme de Oliver Stone suscite maior interesse nos programas da NSA revelados por Snowden, o The Intercept compilou um banco de dados de nossas reportagens baseadas no Arquivo Snowden, que podem ser acessadas atravĂ©s da tabela abaixo (em inglĂȘs).
Desde a publicação das primeiras revelaçÔes de Snowden no artigo de Glenn Greenwald no The Guardian, em 6 de junho de 2013, âNSA coleta diariamente registros de chamadas telefĂŽnicas dos clientes da Verizonâ, quase 1200 documentos do Arquivo Snowden foram revelados ao pĂșblico. Alguns deles incluem fragmentos do âorçamento negroâ, documento secreto apresentado ao Congresso pelas agĂȘncias de inteligĂȘncia, imagens obtidas de drones e apresentaçÔes de PowerPoint que detalham arduamente a tecnologia por trĂĄs dos esforços de vigilĂąncia da NSA.
The Intercept e outros veĂculos tem feito amplas reportagens sobre alguns dos principais programas tĂ©cnicos mencionados durante o filme â PRISM e Upstream, autorizados pela Seção 702 da Lei de VigilĂąncia e InteligĂȘncia Estrangeira (FISA) dos EUA. O PRISM coleta centenas de milhĂ”es de comunicaçÔes de internet por dia, com base nas pessoas que tem como âalvoâ, assim como pessoas com quem os âalvosâ se comunicam â alĂ©m de algumas comunicaçÔes irrelevantes coletadas âacidentalmenteâ por conta da forma como opera a tecnologia. NĂŁo Ă© certa a quantidade de comunicaçÔes coletadas de americanos. O Upstream coleta comunicaçÔes em seu trajetos atravĂ©s dos cabos de Internet â sejam de voz, texto ou outros. No filme, Snowden entra brevemente em contato com esses programas quando se torna um agente secreto da CIA.
Quando Snowden compartilha um mapa com alguns colegas durante o filme, mostrando dados da vigilĂąncia realizada em outros paĂses, o filme provavelmente se refere a um programa chamado Boundless Informant (Informante sem limite) â outro programa presente nas primeiras reportagens sobre o Arquivo Snowden realizadas por Greenwald e MacAskill. Ă Ă©poca, a NSA negou que podia determinar com precisĂŁo absoluta âa identidade ou localizaçãoâ de todas as comunicaçÔes que coleta â mas o programa dĂĄ uma ideia geral do volume de informaçÔes coletadas de cada paĂs, sendo exibidas em algo semelhante a um mapa de calor. Os EUA nĂŁo foram, conforme mostra o filme, o paĂs onde a NSA coletou mais informaçÔes; muito mais interceptaçÔes foram realizadas no IrĂŁ, ao menos durante o perĂodo mencionado nas reportagens do The Guardian.
O The Intercept começou a cobrir o Arquivo Snowden em 10 de fevereiro de 2014, com o artigo âO papel secreto da NSA no programa de assassinatos dos EUAâ, escrito por Jeremy Scahill e Glenn Greenwald. Desde entĂŁo, publicamos ao menos outras 50 reportagens baseadas em documentos do arquivo.
Em julho de 2015, The Intercept aprofundou as pesquisas em um dos programas mais importantes da NSA, tambĂ©m mencionado no filme, chamado XKeyscore. O programa funciona como uma ferramenta de busca que ajuda a NSA a detectar, analisar e extrair dados de uma quantidade enorme de comunicaçÔes e informaçÔes on-line coletadas diariamente atravĂ©s de diversos filtros. Sem o programa, o volume elevado de informaçÔes tornaria essa missĂŁo impossĂvel.
O uso de celulares e hackeamento de computadores por parte da agĂȘncia tĂȘm sido tema recorrente nas reportagens do The Intercept sobre os documentos fornecidos por Snowden. Em maio de 2015, Jeremy Scahill e Josh Begley revelaram a missĂŁo conjunta da CIA e da NSA visando violar a segurança de produtos, como o notoriamente seguro iPhone. No filme, Snowden cobre a cĂąmera de seu laptop por saber que a NSA Ă© capaz de explorĂĄ-la atravĂ©s de um programa chamado QUANTUM. Na verdade, a NSA desenvolveu implantes de malwares que podem ser capazes de infectar secretamente milhĂ”es de computadores, alĂ©m de ter automatizado alguns dos processos que compĂ”em os ataques, conforme descreveram em reportagem Ryan Gallagher e Glenn Greenwald no The Intercept em março de 2014.
Muitas das reportagens baseadas no Arquivo Snowden abordam vigilĂąncia internacional e parcerias da NSA com agĂȘncia de inteligĂȘncia de outros paĂses, um assunto pouco mencionado no filme Snowden. Certas questĂ”es, como as relaçÔes prĂłximas da NSA com a agĂȘncia de espionagem britĂąnica, GCHQ â Quartel-general de Comunicação do Governo britĂąnico; parcerias com paĂses como ArĂĄbia Saudita; e a compreensĂŁo limitada por parte de dirigentes estrangeiros a respeito das conexĂ”es de seus prĂłprios espiĂ”es com a agĂȘncia americana. A Ășnica menção no filme Ă inteligĂȘncia estrangeira acontece quando Snowden entrega um microchip especial para MacAskill, indicando que o chip pode ajudĂĄ-lo a conhecer melhor a espionagem britĂąnica.
A NSA nĂŁo se limita a seus programas tĂ©cnicos e ferramentas. Oliver Stone mostra amigos e colegas de trabalho de Snowden das agĂȘncias de espionagem, incluindo hackers de camiseta, engenheiros extremamente inteligentes e chefes arrogantes. Peter Maass, do The Intercept, escreveu a respeito do aspecto humano da agĂȘncia, incluindo um colunista residente, que atendia pelo codinome âZeldaâ e esclarecia dĂșvidas sobre outros aspectos da agĂȘncia, como a etiqueta na cozinha e fofocas, bem como um colunista com ambiçÔes literĂĄrias que se autodenominava âo filĂłsofo SIGINTâ.
Em resumo, o filme reflete a visĂŁo do diretor sobre a vida de um funcionĂĄrio contratado da NSA. NĂŁo hĂĄ melhor forma de entender a realidade da agĂȘncia do que consultar os documentos disponĂveis a seu respeito. Em maio de 2016, The Intercept começou a disponibilizar grande parte do Arquivo Snowden para consultas pĂșblicas com a divulgação de alguns boletins SIDtoday, que Ă© o ĂłrgĂŁo de notĂcias internas do Departamento de InformaçÔes Interceptadas da NSA. As publicaçÔes em lotes continuarĂŁo e devem representar a maior coleção de arquivos da NSA disponĂveis para o pĂșblico.
VocĂȘ sabia que...
O Intercept Ă© quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redaçÔes que vocĂȘ conhece. O apoio de pessoas como vocĂȘ nos dĂĄ a independĂȘncia de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigaçÔes importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept Ă© pequeno, mas poderoso. No entanto, o nĂșmero de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso estĂĄ ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que vocĂȘ espera â como o que vocĂȘ acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais atĂ© o final do mĂȘs para manter nossa operação sustentĂĄvel.
Podemos contar com vocĂȘ por R$ 20 por mĂȘs?