UM MERO EQUÍVOCO. Foi assim que o governo federal classificou a retirada dos institutos federais dos resultados do Enem, divulgados pelo Ministro da Educação (MEC) no último dia 4. O tal “equívoco” retirou da lista muitas das melhores escolas públicas do país e criou uma distorção sobre o quadro geral do sistema público de ensino médio. Na lista divulgada pelo governo, entre as 100 melhores escolas do país, figuravam apenas três públicas. Nos últimos anos, porém, o desempenho delas vinha aumentando e, entre as 100 melhores escolas de 2014, sete eram públicas. Em 2015, apenas três entraram na lista.
Ficou debaixo do tapete todo o investimento feito nos últimos anos, inclusive na própria realização da prova, para os milhares de alunos dos 275 Institutos Federais que oferecem ensino médio e técnico ao mesmo tempo. Não por acaso, o ensino técnico integrado foi uma das principais bandeiras do governo de Dilma Rousseff. Com a exclusão de seus resultados, no entanto, apresenta-se uma realidade piorada, que fortalece o discurso de que o ensino público não tem qualidade e necessita de um choque de gestão.
Há anos, existe uma campanha concertada para privatizar a gestão da educação pública, que ganhou mais força desde o empossamento do novo governo deste ano. O interesse – com fins obviamente lucrativos – de empresas privadas pelo orçamento público da educação é foco de debates em vários países, como EUA, Chile, o Reino Unido e Argentina, onde os resultados prometidos nem sempre batem com a realidades.O gasto público em todos os níveis de ensino atingiu 6,6% do PIB em 2013, que, em valores atuais, ficaria em torno de R$ 400 bilhões.Logo após a divulgação dos resultados, no dia 4, o ministro da educação Mendonça Filho, disse à rádio Jovem Pan que os resultados do Enem pediam uma “ação urgente”, e essa ação seria a reforma do Ensino Médio. A presidente do Inep, Maria Inês Fini, também defendeu a reforma durante a reunião de apresentação dos dados: “Os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2015 por escola reforçam a imperiosa necessidade de se reformar o ensino médio brasileiro”. Nenhum dos dois se manifestou após o Inep admitir o erro.
A primeira vez que Fini ocupou cadeira no Inep foi entre 1996 e 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Participou da criação e implementação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quando ele era usado apenas para avaliar o desempenho dos estudantes de ensino público. Foi em 2009 que o exame tomou as dimensões que tem hoje, tornando-se a principal porta de entrada para o ensino superior, além de certificação do ensino médio público.A publicação do ranking gerou uma onda de críticas no setor. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela divulgação das notas, explicou que a ausência dos institutos federais foi resultado de uma interpretação errada da equipe técnica e que os resultados obtidos pelos Institutos Federais será processado e divulgado “tão logo seja possível”. O Inep respondeu às perguntas do The Intercept Brasil por email:
“A definição das escolas cujos resultados no Enem 2015 seriam calculados e divulgados pelo Inep foi realizada de acordo com a portaria nº 501, de 27 de setembro de 2016. Houve, contudo, um equívoco na interpretação da legislação por parte da equipe técnica que fez os cálculos para a divulgação dos resultados do Enem 2015 por Escola e por isso os Institutos Federais não foram incluídos. Sendo assim, a administração atual do Inep decidiu processar os resultados dos Institutos Federais no Enem 2015 e divulgar tão logo seja possível.”
Não foi a primeira vez que a equipe técnica ligada ao Ministério da Educação, sob o comando do ministro Mendonça Filho (DEM-PE), cometeu “equívocos” em relação ao ensino médio público e, após manifestações da sociedade, precisou voltar atrás, minimizando os impactos, num tom de “não é bem assim”. Em setembro deste ano, afirmou ter divulgado a “versão errada” da Medida Provisória 746, que reestrutura o currículo do ensino médio do país. A versão corrigida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, devolvendo a obrigatoriedade de artes, educação física, filosofia e sociologia até que seja concluída outra etapa da reforma.
A retirada maciça dos campi de institutos federais causa uma distorção no retrato, “fica aquela ideia de que as instituições públicas são todas ruins”.
O erro técnico não tinha sido a primeira resposta do instituto. Denio Rebello Arantes buscou explicações quando notou a ausência da escola que ele dirige, o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), a então melhor escola pública do país. Sua instituição tinha sido a 22ª colocada no ranking geral (que inclui públicas e particulares), segundo o Enem 2014.
“Primeiro eles disseram que era isso mesmo, que a portaria mandava isso. Depois teve uma segunda resposta, dizendo que iriam liberar os resultados”, afirma Arantes em entrevista ao The Intercept Brasil. Em sua primeira resposta aos questionamentos do Ifes, o Inep respondeu que “os Institutos Federais faziam parte do público alvo na edição de 2014, mas não na de 2015”. O edital do Enem 2015, no entanto, dedica um anexo inteiro à lista de institutos federais participantes.O Inep voltou atrás depois da repercussão no Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) se manifestar pedindo uma reunião com o instituto.
“As instituições da rede vêm crescendo positivamente no ranking. Portanto, tínhamos uma expectativa diferente para a divulgação do resultado. Cabe-nos, agora, dialogar e tentar reverter esta situação”, protestou o presidente da confederação Marcelo Bender Machado em nota divulgada pela organização.
O Conif já pediu ao Inep o número de alunos afetados pelo “equívoco” – estima-se que existam 250 mil estudantes matriculados na rede federal de ensino técnico integrado.
Dos 275 institutos e centros de educação tecnológica federais que haviam sido incluídas na divulgação do ano passado, apenas 12, ou 4% do total, estão presentes na lista de divulgação deste ano. E isso não significa que seus alunos não fizeram a prova, pelo contrário: eles estão impossibilitados de ver os resultados no exame e, por consequência, de atestarem a conclusão do ensino médio, já que a prova serve como certificado de conclusão de curso.
“Se certificamos os alunos, como não temos o resultado? Chega a ser um desperdício de dinheiro público avaliar esse monte de gente e depois não dar o resultado”, questiona Arantes. Para ele, a retirada maciça dos campi de institutos federais causa uma distorção no retrato, “fica aquela ideia de que as instituições públicas são todas ruins”. Mas ele diz preferir “acreditar que foi um erro”.
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