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Câmara votará PEC 241, que mantém cortes drásticos por 20 anos, sem ouvir especialistas

Se aprovada, fatia do PIB usada para bancar políticas públicas vai diminuir.

Brasília - O  presidente interino Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, durante reunião com líderes da Câmara e do Senado, no Palácio do Planalto. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ignorando contribuições que ainda seriam dadas por dezenas de acadêmicos, economistas, representantes de trabalhadores e da sociedade civil, o Congresso Nacional começará a votar em toque de caixa, nesta segunda-feira, dia 10, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241. Se aprovada, será a maior mudança já feita desde a década de 1980 na forma com que o governo federal banca o desenvolvimento de setores como educação, saúde e assistência social, mas também outros menos citados, como segurança pública, direitos humanos, agricultura, habitação, saneamento, meio ambiente e obras públicas em geral. E a mudança é para pior.

A proposta é quase como uma nota de rodapé à Constituição Federal, aprovada há 28 anos. São apenas nove artigos a serem acrescidos ao final da Carta Magna, mas que mudam bastante coisa. Ela prevê que somente em 2037 o governo federal poderá voltar a aumentar os gastos nas áreas citadas acima da inflação.

Para ser aprovada na Câmara, a PEC precisa de 308 favoráveis (3/5), em duas votações separadas, antes de seguir para o Senado, onde também precisará receber apoio de 3/5 dos senadores. Não se trata, portanto, de uma votação simples. Mudar a Constituição é sempre algo que exige bastante apoio político ou consenso na sociedade. Consenso, certamente não existe. Mas apoio político, o governo diz possuir.

O governo tem pressa. Muita. Será o maior sinal dado até aqui pelo Palácio do Planalto aos já ansiosos investidores internacionais e empresários e industriais que apoiaram a queda de Dilma Rousseff de que a gestão Michel Temer veio para garantir que o caminho para os interesses desses setores estará devidamente pavimentado ao longo dos próximos anos, sem buracos na pista.

PEC 241 foi mandada pelo governo interino de Michel Temer ao Congresso exatamente um mês depois de ele ter sentado, ainda de maneira provisória, na cadeira até então ocupada por Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. A tese já estava construída pelo menos desde o ano anterior, na chamada “Ponte para o Futuro”, o documento-base do pensamento dos novos líderes do país. Em discurso público em Nova Iorque no mês passado, Temer declarou que a derrubada de Dilma foi provocada justamente porque ela rejeitou a implantação desse projeto.

No campo da saúde e educação, a PEC traz regras ainda mais específicas. Hoje, a Constituição obriga que o governo aplique pelo menos 18% de sua receita no desenvolvimento da educação e 13,2% (chegando a 15% a partir de 2020) na saúde. Pelas regras agora propostas, esses pisos deixariam de existir, na prática, pelos próximos 20 anos. Os recursos para essas duas áreas passam a ser definidos exclusivamente pela inflação registrada nos 12 meses anteriores à definição do orçamento de um determinado ano, valendo já a partir de 2018 (tomando por base o volume gasto em 2017).

É uma espécie de “golpe futuro”.

Em fevereiro de 2011, o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS) falou em plenário sobre as prioridades do governo e as escolhas que a então presidente Rousseff poderia fazer para garantir mais recursos para a Saúde, apesar das restrições orçamentárias que já naquele momento começavam a brotar de maneira mais clara. Ele dizia que dinheiro o governo já tinha, o que faltava era escolher melhor as prioridades de política pública ou aumentar taxas em itens que sobrecarregam o custo do sistema de saúde, permitindo, assim, um aumento no volume de dinheiro disponível para a área:

“No Brasil também é uma questão de escolha. Não é preciso um novo imposto, mas reduzir a intensidade de algumas prioridades do atual governo, do governo do meu PMDB e do PT. Se assim não quiserem, fazer taxar áreas que carregam a despesa do SUS, como fumo, bebida e DPVAT, e redução em outras áreas, inclusive acabando com a dedução do Imposto de Renda na área da saúde, que leva muito dinheiro. É o governo tomar atitude.”

Audiência Pública

Dep. Darcísio Perondi (PMDB-RS) em audiência pública

Foto: Zeca Ribeiro/Agência Senado

Em julho de 2012, esse mesmo deputado disse que o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, era um “algoz da Saúde” e que ele não conseguia enxergar que “saúde gera emprego também, põe dinheiro na economia até para aumentar o PIB”. Alguns meses antes, o parlamentar havia dito que o PMDB não podia aceitar “a linha orçamentária proposta pela área econômica e aprovada pelo Palácio, pois ela sufoca o Ministério da Saúde e aumenta o sofrimento dos brasileiros”.

Agora, alguns anos depois, Perondi foi encarregado pelo governo Temer de apresentar aos seus colegas na Câmara um relatório com uma defesa enfática da emenda constitucional proposta pelo seu PMDB – em contradição ao que ele defendia no passado recente. E ele tinha a missão de fazer isso com rapidez. Tanto que apresentou seu relatório, na última quarta-feira, antes que 71 pessoas pudessem ter falado aos deputados. Os convites oficiais a elas já tinham sido aprovados.

Na breve tramitação da proposta antes de seguir para plenário, apenas 11 acabaram sendo ouvidas – e somente três com posições críticas à PEC. Outras quatro eram representantes do governo Temer. Os demais, intelectuais afinados com o pensamento do governo. Um deles, o economista Raul Velloso, chegou a propor que os valores de Saúde e Educação passassem a ser reajustados não pela variação da inflação do período — mas por um terço desse índice.

Quanto mais o país crescer, menor será a participação das ações de governo dentro do PIB.

Em seu parecer, Perondi encontrou espaço para elogios capazes de provocar ciúmes na primeira-dama, apontando Michel Temer como “líder convicto, esperançoso e destemido desta nova etapa da vida econômica e social do nosso país” e reforçando que “toda transformação importante se inicia com a convicção do líder, sua paixão, coragem e lucidez”.

No documento, Perondi usou como exemplo de ajuste fiscal a Holanda, que controla o limite de gastos de seu orçamento. A comparação é verdadeira, mas ele esqueceu de mencionar que, lá, o limite de gastos vale por quatro anos – o período de permanência de um primeiro-ministro no cargo. Esse limite é definido por sua equipe assim que ele assume o poder, e é livremente revisto pelo mandatário seguinte. A proposta defendida por Perondi prevê 20 anos de uma mesma regra, impedindo que os próximos quatro presidentes do Brasil mudem essa norma. É uma espécie de “golpe futuro”.

Embora tudo isso possa ser revogado por um próximo presidente, ele teria de, além de ter uma base bastante ampla capaz de aprovar alterações constitucionais, conseguir vencer a enorme resistência que enfrentaria dos mesmos setores que agora defendem a mudança, mais notadamente o mercado financeiro e os grandes empresários e industriais. O único ajuste efetivamente previsto na PEC é na forma de correção anual dos valores destinados à saúde e à educação, mas somente a partir de 2026.

É como se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo ano de mandato, em 1996, tivesse adotado uma regra de definição do orçamento que, somente agora, sob Michel Temer, pudesse ser modificada. Não teria importado se no meio do caminho o mundo passou por guerras, a maior crise econômica desde 1929 e até mesmo tenha experimentado um boom inédito de crescimento econômico. A lei estaria congelada por 20 anos. É exatamente isso que está sendo proposto agora.

“A PEC 241 não sobreviverá sem a Reforma da Previdência, dentro de uma simbiose vital como aquela existente entre pulmões e coração no corpo humano”.

Para evitar surpresas desagradáveis, como as novas regras virarem letra morta, caso os limites não sejam respeitados pelo Poder Executivo, o presidente Michel Temer e seus aliados dentro e fora do governo pensaram em punições. Engana-se quem pensa que a punição seja afastar o gestor responsável pelo estouro dos gastos. A proposta é que, se um governante ultrapassar a linha agora definida, os servidores públicos do Executivo (ou de outro Poder, caso o estouro tenha se dado por lá) não receberão nenhum centavo de reajuste salarial (nem reposição de inflação) no ano seguinte. Também fica vetada, pelo ano seguinte, a criação de qualquer novo cargo, mudança em planos de carreira ou a realização de concursos públicos. Não interessa se o estouro se deu em obras de rodovias ou em repasses a mais para a Educação. Quem pagará o pato são servidores e órgãos de todas as áreas do Executivo.

Essa era a proposta do governo. Mas Darcísio Perondi tornou-a ainda mais dura. Todas essas vedações ficam valendo até que o Poder responsável pelo estouro consiga voltar suas despesas para dentro do limite. Ou seja, não bastaria apenas um ano de punição, mas tantos quanto forem necessários para que o trem volte a andar no trilho previsto pelo governo Temer.

Ele conseguiu 23 votos favoráveis ao parecer na Comissão Especial de discussão da PEC, uma maioria folgada diante dos sete votos contrários, levando o texto para votação em plenário. Alguns deputados decidiram apresentar voto em separado, para deixarem registrado de maneira mais consistente sua oposição à proposta. Um desses parlamentares foi Patrus Ananias, do PT de Minas Gerais. Ex-ministro do Desenvolvimento Social no início do governo Lula, Patrus lembra que a proposta simplesmente impede os próximos governantes do país de fazerem política fiscal.

“A PEC institui uma política fiscal sempre recessiva, acíclica, que impossibilita os governos vindouros fazerem política fiscal anticíclica – aquela que eleva os gastos públicos nos momentos de retração econômica e os reduz nos momentos de crescimento para manter a estabilidade e o nível de atividade econômica”, escreveu o petista.

Um outro dado, também verificado pela consultoria orçamentária de Patrus Ananias e que mostra um pouco do caráter surreal da proposta é que, durante os 20 anos de congelamento nos gastos, quanto mais o país crescer, menor será a participação das ações de governo dentro do PIB. Pela previsão da equipe econômica, que conta com uma redução anual da despesa primária entre 0,5% e 0,6% do PIB, a proporção do PIB usado pelo governo para bancar políticas públicas cairia para apenas 10% em 2036 (ante os 20% de hoje em dia).

O voto em separado de Patrus Ananias também traz dados de sua assessoria técnica mostrando uma queda de R$ 311 bilhões no valor mínimo a ser aplicado em Saúde com as novas regras entre 2016 e 2025. Em relação à Educação, essa projeção envolve uma queda de R$ 45,2 bilhões — chegando a 15,2% da receita em 2025, bem abaixo do piso constitucional de 18%, em vigor atualmente.

Vem mais por aí. Como deixou cristalino Darcísio Perondi em seu relatório, “a PEC 241 não sobreviverá sem a Reforma da Previdência, dentro de uma simbiose vital como aquela existente entre pulmões e coração no corpo humano”.

Como também deixou explícito o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, em entrevista ao Valor Econômico na última sexta-feira, a PEC 241 já é “tema vencido”. Agora, a negociação prioritária do governo é a reforma da Previdência. “É isso, ou quebramos”.

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