Doadores de Wall Street fizeram uso de suas relações financeiras com o Partido Democrata para reclamar da influência da Senadora democrata por Massachusetts, Elizabeth Warren, sobre os rumos do partido, de acordo com um documento sobre a captação de recursos. Em um dado momento, o legislador democrata responsável por angariar doações para o Partido Democrata tentou tranquilizar os doadores através de uma reportagem que sugeria que Warren não representava o ponto de vista do partido.
O documento, um resumo da captação de recursos compilado pelo Comitê de Campanha de Legisladores do Partido Democrata (DCCC), dá uma pequena amostra da relação entre democratas e doadores de grandes grupos de interesse. O partido organizou reuniões com doadores, como Goldman Sachs e General Electric, listando cuidadosamente os interesses das empresas, mesmo quando mostravam insatisfações com objetivos progressistas. Esse é um belo exemplo de como o dinheiro lubrifica as engrenagens da política em Washington.
As notas foram reunidas em nome do deputado democrata pelo Novo México, Presidente do DCCC, Ben Ray Luján, e apresentam um resumo das reuniões de captação de recursos com diversos doadores corporativos e sindicalistas. O DCCC preferiu não comentar a reportagem.
O documento de nove páginas foi encontrado em uma pasta de arquivos publicada na semana passada por “Guccifer 2.0”, o hacker anônimo que foi acusado pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA de ter laços com o governo russo.
Os lobistas da Goldman Sachs, Michael Paese e Joyce Brayboy, fizeram reclamações a Luján dizendo que a “retórica [do partido] é problemática” e que “não gostamos da mensagem de Warren”, uma referência à Senadora populista Elizabeth Warren. Brayboy era o que chamam de “superdelegada“, além de membro representante do Comitê Nacional Democrata. A própria Warren forçou o partido a adotar uma postura mais agressiva sobre a regulação do setor financeiro e acusação pelos crimes cometidos em Wall Street.
É provável que o acesso a lobistas tenha sido facilitado por consideráveis contribuições para o DCCC. No ciclo eleitoral de 2014, o Comitê de Ação Política (PAC) da Goldman Sachs doou US$ 30 mil. Em 2016, foram doados US$ 20 mil.
Lobistas da Associação do Mercado Financeiro e Setor de Segurança dos EUA (SIFMA), um grupo que representa as empresas do setor financeiro, como Goldman Sachs, Fidelity, Charles Schwab & Co. e outras, assinalaram preocupações semelhantes ao DCCC. Os lobistas da SIFMA mostraram-se “incomodados com as mensagens que demonizavam Wall Street”, explica o documento.
Assim como a Goldman Sachs, os lobistas da SIFMA também reclamaram da influência de Warren. Em resposta, Luján fez referência a um artigo sobre a líder dos democratas na Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, que dizia que Warren não falava em nome do partido todo — o que os lobistas da indústria financeira viram como um “sinal animador”. Porém, os lobistas alertaram que os ataques ao setor financeiro estavam criando um “problema maior quando as pessoas não confiam em bancos e instituições financeiras”.
O grupo de empresas do setor financeiro também mostrou preocupação com a regra fiduciária do Departamento de Trabalho dos EUA, que impede que consultores financeiros aconselhem seus clientes com base em subornos de fundos de aposentadoria. Em votação no começo deste ano, a lei que pretendia revogar a regra, proposta por legisladores republicanos e apoiada pela SIFMA, não obteve apoio dos democratas, que se opuseram à proposta de forma unânime.
A SIFMA não estava preparada para doar ao DCCC “em grande parte, devido à mensagem” do departamento, mas ofereceu a realização de palestras com os legisladores democratas. De fato, os documentos da campanha mostram que o comitê de ação política da SIFMA fez doações ao comitê de apoio aos legisladores republicanos, mas não ao DCCC. No ciclo eleitoral de 2014, a SIFMA doou US$ 30 mil ao DCCC.
A General Electric foi muito mais generosa do que os bancos, compartilhando dicas sobre tática, tecnologia para campanhas eleitorais e estratégias para levar mais democratas sulistas e favoráveis ao mercado para o congresso dos EUA. Mas as anotações deixam claro que as doações da GE para o partido eram influenciadas pelos votos dos legisladores.
A GE, de acordo com o documento, “deu US$ 400 mil para legisladores democratas no último ciclo [eleitoral], mas estão enfrentando ventos contra neste ciclo”. Na lista de “ventos contrários”, encontram-se diversas preocupações da empresa sobre políticas de Estado, incluindo a reformulação do Banco de Exportação-Importação, a revogação do imposto sobre dispositivos médicos da Lei de Acessibilidade à Saúde e alterações na fórmula de reembolso do [plano governamental de saúde] Medicare. A reunião foi realizada com a presença de lobistas da GE, além de Betsy Tower, a gerente a frente do comitê de ações políticas da empresa. Em 2014, o Comitê de Ação Política (PAC) da GE doou US$ 30 mil ao DCCC e US$ 20 mil neste ciclo eleitoral.
O Sindicato Internacional de Trabalhadores da América do Norte, que defende os interesses de trabalhadores do setor de construção, alertou que acompanhariam os republicanos no apoio à “revogação total” da reforma na saúde e que estavam apreensivos com a hostilidade dos democratas em relação ao gasoduto Keystone XL. Em 2014, o sindicato doou US$ 30 mil ao DCCC e US$ 15 mil neste ciclo eleitoral.
Outras reuniões do sindicato foram mais amigáveis, além de favoráveis a uma agenda progressista mais ampla. A presidente do Sindicato Internacional dos Funcionários do Setor de Serviços (SEIU), Mary Kay Henry, e o diretor político, Brandon Davis, falaram da necessidade de organizar as comunidades de negros, vinculando os movimentos contra a abstenção ao aumento do salário mínimo e outros pontos estratégicos indispensáveis. Em 2014, o SEIU doou US$ 30 mil ao DCCC e US$ 15 mil, até o momento, neste ciclo eleitoral.
Os lobistas do setor hospitalar também ofereceram apoio e agradeceram o Partido Democrata por ajudar a aprovar leis que alteram as taxas de reembolso do Medicare. Representantes do setor também conversaram com Luján sobre um plano de contingência em relação a King v. Burwell, um debate sobre se a Lei de Acessibilidade à Saúde dá autoridade suficiente para que o governo federal defina as regras de troca de seguro e disponibilize subsídios. A discussão sugere que o documento foi escrito antes de 25 de junho de 2015, quando o tribunal manteve as trocas de seguro. Em 2014, a Associação de Hospitais Americanos doou US$ 30 mil ao DCCC e a mesma quantia durante este ciclo eleitoral.
Em um arquivo separado, que os metadados sugerem ter sido criado por um funcionário do departamento de captação de recursos do DCCC, instrui Luján a parabenizar Rick Pollack, o recém-indicado presidente da Associação de Hospitais Americanos (AHA). O trecho lembra Luján que ele “conheceu Rick em 13 de abril, quando a AHA repassou a contribuição anual de US$ 15 mil para o DCCC”.
O DCCC arrecadou US$ 144 milhões, até o momento, neste ano, de acordo com as revelações recentes. O comitê do partido angaria recursos através de pedidos frequentes a pequenos doadores, mas também arrecada através de doações volumosas realizadas por ricos, lobistas e representantes de grupos de interesse.
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