O Brasil é famoso pelas leis que pegam e pelas que não pegam. O Código de Ética da Câmara, por exemplo, considera quebra de decoro quando um deputado relata “matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”. A irregularidade poderia ser punida com cassação de mandato – mas parece que a regra não pegou.
A influência do poder financeiro no jogo político-partidário talvez seja a grande pedra no sapato da democracia. O que esperam empreiteiras, bancos e grandes empresas que fazem suntuosas doações para todos os partidos, sem distinção ideológica? Apesar da resposta institucional ser o “fortalecimento da democracia”, a verdade é que os financiadores pretendem manter os políticos sob suas rédeas.
A CPI da Petrobrás, encerrada em 2015, é um exemplo claro. Segundo dados levantados pelo El País, pelo menos 15 dos 27 membros que integraram a comissão se elegeram com financiamento de empresas investigadas na Lava Jato. O presidente da CPI, Hugo Motta (PMDB-PB), teve 60% da sua campanha financiada pela Andrade Gutierrez e Odebrecht. Já o relator, Luiz Sérgio (PT-RJ), teve 40% da sua bancada pela Queiroz Galvão, UTC, OAS e Toyo Setal. É como botar a raposa para tomar conta do galinheiro ou, como afirmou Chico Alencar (PSOL-RJ), “deixar o vampiro cuidar do banco de sangue”.
Não é à toa que, no ano passado, 74% dos brasileiros se colocam contra o financiamento de campanha por empresas, segundo pesquisa Datafolha. Quase 80% dos entrevistados disseram acreditar que as doações empresariais estimulam a corrupção. Por outro lado, O Globo, como era de se esperar, defendeu fortemente a manutenção do modelo.
Mesmo com o fim do financiamento de empresas, o dinheiro continuará exercendo grande influência sobre o jogo “democrático”na democracia. A última eleição, por exemplo, ficou marcada pelo grande número de milionários que se candidataram e ajudaram a bancar suas campanhas. Entre as maiores cidades brasileiras, mais da metade das que definiram a eleição no 1º turno será administrada por prefeitos milionários.
“Financiamento privado de campanha é você colocar um dono pra cada parlamentar”.
Nossos problemas com corrupção estão solucionados com o fim das doações empresariais para campanhas? Apesar de ter sido um grande passo, a resposta é um grande não. Nepotismo, superfaturamento de contratos, direcionamento de licitações, tráfico de influência, propinas, enfim, ainda haverá muito espaço para corruptos e corruptores sabotarem os cofres públicos.
Com a ajuda dos leitores e inspirados no texto de Jon Schwarz para The Intercept, fizemos uma seleção de declarações de políticos brasileiros admitindo — de forma crítica ou não — o poder que a grana exerce sobre a democracia.
- “Recebo salário [da CBF] e acho justo porque presto um serviço. Não vejo problemas [em defender interesses da CBF]. A Câmara é ‘lobby’. Cada um representa um setor da sociedade civil e defende o seu interesse.” — Dep. Vicente Cândido (PT-SP) ao assumir que, mesmo sendo deputado federal, recebe um salário da CBF e atua como lobista da entidade na Câmara
- “Em 1986, fui obrigado a fazer Caixa-2 na campanha para o governo do Amazonas. As empresas que fizeram a doação não declararam com medo de perseguição política. […] Vamos acabar com essa história de mocinhos pré-fabricados e bandidos pré-concebidos. Neste país, o Caixa-1 é improvável. A maioria das campanhas tem Caixa-2.” — Arthur Virgílio (PSDB-AM), ex-senador e atual prefeito de Manaus em 2000
- “O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente.” — Luis Inácio Lula da Silva (PT) falando sobre o caixa 2 do PT em 2005
- “[A CPI da Privataria não sai] porque envolvidos na privataria do modelo FHC estão todos — ops, todos não é uma palavra que eu não deveria usar — quase todos os megagrupos econômicos do país, inclusive aqueles da comunicação. Então não é provável porque o poder real do Brasil são essa gente, está nessa gente. É a plutocracia, um governo de ricos: bancos, mega corporações de mídia e as mega empreiteiras. Então essas três forças provavelmente não permitiriam que acontecesse uma coisa esclarecedora.” — Ex-Ministro da Fazenda e ex-Deputado Ciro Gomes (PDT-CE), 2014
- “Quantos empresários me apoiam porque não querem ver amanhã o Brasil caminhar para o bolivarianismo? Quantos me apoiam porque não querem que o exército brasileiro seja o exército do Stédile [líder do MST]?” — Sen. Ronaldo Caiado (DEM-GO), explicando como, para ele, o financiamento empresarial é importante porque afasta o país da influência de movimentos sociais em 2015
- “Não há problema nenhum que pessoa jurídica possa doar. Eu já recebi doações de pessoas jurídicas. Estão na minha prestação de contas, e não por isso meu mandato é meio mandato, vinculado ou tolhido.” — Sen. Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), 2015, que oficialmente recebeu R$ 4,4 mil da Odebrecht, mas, segundo a famosa lista da empreiteira, teria recebido R$ 500 mil
“A força do dinheiro é muito grande nas eleições. Isso é uma coisa errada.”
- “Financiamento privado de campanha é você colocar um dono pra cada parlamentar. Não existe almoço de graça. Uma empresa que financia um parlamentar quer contrapartida.” — Dep. Assis Carvalho (PT-PI), 2015
- “A força do dinheiro na hora de decidir a eleição é infinitamente superior à força das ideias. Isso é grave.” — Dep. Henrique Fontana (PT-RS), 2015
- “A força do dinheiro é muito grande nas eleições. Isso é uma coisa errada. É preciso mudar essa questão.” — Ex-presidente FHC (PSDB-SP), 2016
- “Minha atitude não tem quebra de decoro. Não estou nem aí.” — Dep. Alberto Fraga (DEM-DF), 2005, ao admitir acordo financeiro entre a Frente Parlamentar Pelo Direito da Legítima Defesa (grupo de deputados que fez campanha contra o desarmamento no referendo) e a Taurus e Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC)
“Milícias, igrejas, organizações de jogo, organizações criminosas têm uma vantagem competitiva nessa eleição.”
- “Minhas campanhas são baratas e sempre tive bastante votos. Na atual, gastei em torno de R$ 600 mil, R$ 700 mil. Se você gastar R$ 5 milhões, é muito difícil perder a eleição. (…) Ou você tem o voto ideológico ou o voto do dinheiro. Como eu perdi o voto ideológico [por causa do envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira], e não tinha o voto do dinheiro, ficou nisso aí: 24.330 votos.” — Dep. Stepan Nercessian (PPS-RJ), 2014
- “Em relação ao financiamento de campanhas, o que temos de estabelecer é a transparência absoluta. É saber quem doou e para quem doou, para que não possamos, até a pretexto de estarmos criando limites, estar estimulando o caixa dois, que é o que me parece que pode acontecer.” — Sen. Aécio Neves (PSDB-MG), 2013
- “Fiz um favor pessoal a um empresário meu amigo […] É uma questão pontual, residual, de uma gentileza com a diretora de uma empresa que é do meu estado, é (de um) sócio meu, inclusive. [Ele] Me pediu essa gentileza de acompanhá-la e eu fiz. Não fui escondido. Fui com audiência marcada.” — atual Ministro de Turismo Henrique Alves (PMDB-RN), 2012, então presidente da Câmara, negando o inegável: um lobby no TCU para que um de seus sócios obtivesse um contrato de concessão da BR-101 no valor de cerca de R$7 bilhões
- “Milícias, igrejas, organizações de jogo, organizações criminosas têm uma vantagem competitiva nessa eleição. Os recursos das empresas estão fora do processo eleitoral, mas o recurso da ilicitude, da droga, da milícia, não está fora do processo eleitoral. Acho que temos que debater isso com coragem e enfrentar essa questão.” — Dep. Julio Lopes (PP-RJ), 2016
Se você se lembrar de outros exemplos de políticos brasileiros falando abertamente sobre o papel de dinheiro em nossa democracia, envie um e-mail para [email protected] ou deixe um comentário com link abaixo para contribuir com nossa lista.
Obrigado aos leitores que contribuíram com algumas das aspas usadas nesta matéria, em especial Vini, Taguá, Danyllo Magalhães, João de Paiva, Claudia Castelo Branco, André Augusto da Fonseca, Amanda, Priscila Vanti e Tammy Vieira, Vinicius Fabiano, Graziely Schütz, Lucca Fantuzzi, Victor Ulysses Vieira Rocha, Honesto Mattos Jr.
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