“Ocupar e resistir” é o lema que move os estudantes das 1.154 escolas ocupadas em todo o Brasil. Com o movimento, que ganhou o nome de “Primavera Secundarista”, milhares de alunos da rede pública de ensino assumiram o protagonismo na discussão das mudanças que vão afetar o ensino público. Posicionaram-se contra a MP 746, que visa reformular o Ensino Médio, puxaram para si o debate da PEC 241, que implicará cortes na educação, e questionam o projeto da Escola Sem Partido.
Acampados nas escolas, entre aulões e atividades culturais, os estudantes buscam espaço para que suas pautas sejam ouvidas, ao mesmo tempo em que se veem em meio a polêmicas alimentadas pelo governo e uma cobertura rasa dos acontecimentos.
“São os estudantes pelos estudantes”, afirmou em discurso para os deputado da Assembléia Legislativa do Paraná (Alep), Ana Júlia Ribeiro, de 16 anos, aluna do colégio Senador Manoel Alencar Guimarães, em Curitiba. Na Alep, a estudante conseguiu dar voz ao movimento que, só no Paraná, conta com 845 escolas estaduais ocupadas e cinco Institutos Federais. Seu discurso na tribuna recebeu grande apoio nas redes sociais.
“A gente sabe que a gente precisa de uma reforma do ensino médio. Não só no ensino médio, como no sistema educacional como um todo. Só que a gente precisa de uma reforma que tenha sido debatida […] A medida provisória tem, sim, seus lados positivos, só que ela tem muitas falhas. Se colocarmos ela em prática com essas falhas, a gente vai estar fadado ao fracasso. O Brasil vai estar fadado ao fracasso”.
Mesmo com o alto número de ocupações, o movimento #OcupaParaná só virou notícia nacional após a morte do estudante Lucas Eduardo Araujo Mota, 16 anos, segunda-feira, dia 24, nas dependências do colégio Santa Felicidade, ao se envolver em uma briga com outro aluno. A escola foi desocupada no dia seguinte e o caso passou a ser uma arma do governo do Paraná para desmobilizar o movimento.
No entanto, resistindo à pressão, em assembleia, nesta quarta-feira, dia 26, os paranaenses decidiram que as ocupações vão continuar sendo feitas. “A unidade precisa ser nossa ferramenta para barrar as medidas antipopulares de Michel Temer e convocando todo o Brasil a ocupar ainda mais escolas”, diz a nota oficial publicada após a reunião.
Os estudantes também resistem às ameaças do Ministério da Educação, que promete cancelar o Enem 2016 nas escolas ocupadas em todo o país e chegou a pedir a identificação dos alunos que participam delas. A Advocacia Geral da União também estuda cobrar dos estudantes fazem parte das ocupações o valor das provas que seriam aplicadas.
“Vale ressaltar que o combate à PEC 241 é uma luta de todos.”
Assim como os paranaenses, os alunos do Colégio Pedro II, de Realengo, no Rio de Janeiro e do Instituto Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, que conversaram com o The Intercept Brasil, afirmam que a responsabilidade do Enem é do MEC. “Foi decidido em assembleia que nós não nos retiraremos para a realização do Enem. Deve partir do MEC a decisão de realocar esses estudantes. Sabemos que aqui em Pelotas existem diversas escolas com capacidade para comportar esse exame de nível nacional”, afirmam os representantes do #OcupaIFSUL.
As entrevistas para esta matéria feitas via mensagens privadas com alunos que participam dos movimentos de ocupação, que pediram para não serem identificados para evitar represálias.
“Nós estamos abertos ao diálogo, uma vez que consideramos importante que a comunidade externa não seja prejudicada e a queremos ao nosso lado nessa luta. Vale ressaltar que o combate à PEC 241 é uma luta de todos que utilizam a saúde e educação pública, já que essas áreas estarão sucateadas caso a mesma seja aprovada”, dizem os estudantes do Pedro II.
O governo, porém, não parece gostar da ideia do debate e segue com uma estratégia chantagista que conta com o apoio da mídia.
Os jornais têm mostrado a repercussão do cancelamento do Enem entre pais e candidatos e o transtorno causado aos eleitores do segundo turno das eleições municipais que tiveram seus locais de votação realocados pelo TRE. Também dão voz aos que são a favor da desocupação dos colégios – que, segundo movimentos sociais, contam com a articulação do Movimento Brasil Livre (MBL) em ataques às escolas ocupadas.
Apesar da pressão do movimento estudantil, no entanto, o debate sobre a MP 746 ou a PEC 241 segue fora da pauta.
Incrivelmente, o fenômeno das ocupações de escolas e algumas universidades em vários estados não desperta um interesse na grande imprensa que vá além dos exemplos citados. As reais razões da Primavera Secundarista seguem abafadas. “Sabemos que, apesar da falta de repercussão na mídia, estamos lidando com algo grandioso de extrema importância para o momento da atual política”, dizem os alunos do IFSUL.
Quando o movimento foi tema do programa Estudio I, da Globo News, em 25 de outubro, os participantes do debate se questionavam o porquê das ocupações, o porquê dos alunos não simplesmente saírem às ruas em manifestações com cartazes coloridos fora do horário de aula. Talvez se tivessem tentado ouvir os estudantes, saberiam a resposta:
“Antes de ocuparmos, houve várias outras medidas, como, por exemplo, manifestações e atos. Entretanto, precisávamos de uma medida que fosse, de fato, chamar atenção do governo”, explicam os alunos do Colégio Pedro II.
Sobre as tentativas de deslegitimização do movimento, questionam: “A ocupação pode ser considerada uma medida radical, mas qual outra medida a se tomar em relação, por exemplo, a um congelamento de gastos por 20 anos?”
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