Dos mais de 63 mil prefeitos e vereadores que deverão tomar posse em janeiro de 2017, apenas 13% (8.427) são mulheres. Com o segundo turno definido neste domingo em 57 cidades, pode-se dizer que elas continuarão sub-representadas na ampla maioria dos Executivos e Legislativos municipais por mais um ciclo de quatro anos. Na disputa de domingo, elas eram somente seis entre 114 candidatos. Apenas uma saiu vitoriosa.
Raquel Lyra, do PSDB, foi eleita a próxima prefeita de Caruaru, em Pernambuco. Primeira mulher a ocupar o cargo na cidade, ela é advogada por formação, já foi delegada da Polícia Federal e está no segundo mandato como deputada estadual. Recebeu neste domingo 93.803 votos (53,15% do total de válidos), 11.124 votos a mais que o candidato derrotado. Ela foi a 79ª prefeita eleita pelo PSDB no pleito deste ano.
“Pelo resultado das urnas a participação feminina será mesmo de coadjuvante.”
O resultado das urnas no país não surpreendeu a cientista política da Universidade Federal de Juiz de Fora Agatha Justen. “Foi bastante ruim do ponto de vista do gênero, mas nada inesperado. O que aconteceu no primeiro turno já foi uma demonstração do que viria no segundo. A política é uma extensão da sociedade. As mulheres continuam alvo de muita discriminação no mercado de trabalho, por exemplo, e isso se reflete na esfera política. Outra questão é que a maioria dos partidos lança candidaturas de mulheres apenas por uma questão de formalidade. Elas não recebem os mesmos recursos, o mesmo apoio do partido”, disse.
Vinte e dois candidatos a prefeito que chegaram ao segundo turno tinham uma mulher como candidata a vice. Metade deles venceu, sendo oito em cidades do interior. Em Campo Grande (MS) e em Canoas (RS), mulheres encabeçavam as chapas nas disputa pela prefeitura, mas pelo resultado das urnas a participação feminina será mesmo de coadjuvante. Nos dois municípios venceram os candidatos homens que tinham como vice uma mulher.
No primeiro turno, foram eleitas 640 prefeitas e 4.842 prefeitos, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral. Dos 31 partidos que elegeram prefeitos, 4 não tiveram sequer uma mulher eleita para administrar um município. O PMDB será o partido com o maior número de mulheres à frente de prefeituras a partir do ano que vem: 128. Já o Partido da Mulher Brasileira está bem longe de atingir esta marca, mas foi o único que elegeu mais mulheres (2) que homens (1) nas prefeituras, desempenho bem diferente do obtido nas Câmaras Municipais, onde todas as legendas elegeram mais vereadores do que vereadoras.
Participação feminina nas Câmaras Municipais
Apesar de um tímido avanço nas eleições deste ano, a representação feminina nas Câmaras Municipais de Norte a Sul do Brasil também ainda está distante de ser candidatura de cada gênero. Algumas mulheres sequer sabem que estão concorrendo; outras sabem, mas tem plena consciência que estão ali apenas para cumprir a cota e sequer fazem campanha”, afirmou.
Desde 2009, a Lei 12.034 obriga que todos os partidos ou coligações tenham o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo. Só que para cumprir esta cota, há partidos que acabam lançando candidaturas de mulheres que sequer fazem campanha. Este ano, quase 15 mil candidatas a vereadora não tiveram nenhum voto em todo o país. Nem o acesso ao fundo partidário é igualitário. A Lei 13.165 diz, no artigo 9º, que os partidos devem reservar no mínimo 5% e no máximo 15% do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para as suas candidatas.
“Já passou da hora de o Brasil adotar cotas de representação.”
Por distorções como essas, tanto a professora quanto a ministra do TSE consideram que Lei 12.034 não é suficiente para reverter a sub-representação feminina no Legislativo. Além das cotas nas candidaturas, elas defendem a reserva de vagas nos parlamentos para as mulheres.
Para tentar mudar esta realidade, uma comissão especial discute atualmente na Câmara dos Deputados a PEC 134/15. Criada no Senado, ela prevê a reserva de um percentual mínimo de vagas para mulheres em todo o Legislativo (federal, estadual e municipal) nas três legislaturas subsequentes a sua aprovação. O percentual seria de 10% das cadeiras na primeira legislatura, de 12% na segunda e de 16% na terceira.
De acordo com a deputada federal Gorete Pereira (PR-CE), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, “a expectativa é que o parecer da relatora seja votado na Comissão Especial sobre a Participação Feminina no Legislativo ainda em novembro. Se não houver emendas, o passo seguinte é Plenário da Câmara. Aprovada em dois turnos por pelo menos 3/5 dos deputados, a PEC poderá ser promulgada pelo Congresso Nacional”.
“Já passou da hora de o Brasil adotar cotas de representação, reservando cadeiras parlamentares para mulheres. Defendo que metade dos parlamentos seja ocupado por mulheres, a partir do preenchimento do quociente partidário por paridade. Assim, se um partido consegue oito vagas na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa ou na Câmara de Deputados, essas cadeiras serão ocupadas pelos quatro candidatos mais votados dentro do partido e pelas quatro candidatas mais votadas dentro do partido”, sugeriu Desiree Salgado.
A ministra Luciana Lossio diz que essa proposta “seria sensacional”, se o país tivesse um sistema proporcional fechado. “O artigo 5º da Constituição Federal fala que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, então temos que ter uma representação igualitária no Parlamento. Eu também defendo que nós devamos ocupar metade das cadeiras, mas ainda é muito remota a possibilidade de mudança para as próximas eleições”, conclui.
Vereadoras pelo Brasil – raio X
O partido que terá o maior número de mulheres nas Câmaras Municipais em 2017 será o PMDB, que elegeu 1.101 vereadoras. O número representa 14,6% do total de 7.536 vereadores eleitos pela legenda nesta eleição, praticamente o mesmo percentual de 2012 (14%). Também é do PMDB a Rosa Fernandes, a vereadora mais votada do país entre as mulheres. Ela recebeu 57.868 votos e começará no ano que vem seu sétimo mandato no Rio de Janeiro.
Na outra ponta do ranking estão o NOVO, que elegeu apenas uma mulher, e o PCB, que não elegeu nenhuma. Até o Partido da Mulher Brasileira elegeu mais homens que mulheres: 165 vereadores contra 51 vereadoras.
Nas 26 capitais, o número de vereadoras eleitas foi de 100 em 2012 para 107 este ano. Cuiabá será a única capital com representação exclusivamente masculina a partir do ano que vem. Sueli Ramos (PSDB), única vereadora da Casa, não tentou se reeleger.
Já em Belo Horizonte, com 17.420 votos, Aurea Carolina (PSOL) foi a candidata mais votada entre todos os 41 vereadores eleitos na Câmara Municipal. O mesmo ocorreu com Fernanda Melchionna (PSOL), em Porto Alegre, com Michele Collins (PP), em Recife, e com Marinor Brito (PSOL), em Belém.
Em 2012, em cinco capitais o título de vereador mais votado foi de uma mulher: Macapá, Maceió, Natal, Rio Branco e Teresina. Entre elas estava a ex-senadora Heloisa Helena (na época no PSOL e atualmente na REDE), que recebeu 19.216 votos, 86% a mais que o segundo melhor colocado. Este ano, Heloisa Helena não se candidatou.
A pouca presença de mulheres na política brasileira foi um dos fatores levados em conta pela ONG Save The Children pra constatar que o Brasil é o pior país para ser menina na América do Sul. O país está em 155º lugar no ranking do Inter-Parlamentary Union, que analisa a participação das mulheres nos Parlamentos em 193 países pelo número de cadeiras ocupadas por elas. Atualmente a lista é liderada por Ruanda. O ranking não leva em consideração a quantidade de mulheres nas Câmaras Municipais, mas a presença feminina no Legislativo Municipal, ocupando 13,5% das vagas a partir do ano que vem, será equivalente à participação delas no Congresso Nacional. As mulheres ocupam hoje 10% das cadeiras da Câmara dos Deputados e são 14% dos senadores, segundo o TSE.
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