Lutar por seus direitos é perigoso no Brasil, mostra decisão de juiz contra estudantes

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Ainda existem no Brasil juízes dispostos a violar ou colocar em risco direitos individuais em função de uma intangível e perigosa noção de ordem pública

Lutar por seus direitos é perigoso no Brasil, mostra decisão de juiz contra estudantes

No último 27 de outubro, à semelhança de milhares de outros país afora, cerca de 35 estudantes ocuparam o Centro de Ensino Ave Branca de Taguatinga, no Distrito Federal, em oposição à proposta do Executivo Federal que limita o investimento público nas próximas décadas – uma das propostas da PEC 241 que agora tramita no Senado como PEC 55. Três dias depois, em resposta à reiteração do pedido do Ministério Público, o juiz Alex Costa de Oliveira autorizou a Polícia Militar a proibir a entrada de alimentos e novas pessoas no local, cortar o abastecimento de água, energia elétrica e gás e emitir continuamente sons incômodos em direção ao prédio para manter seus habitantes acordados. No dia seguinte, contudo, sem que tenham sido utilizados tais expedientes, o Centro foi voluntariamente desocupado pelos estudantes.

 A decisão do magistrado é absolutamente contrária às leis brasileiras.
A decisão do magistrado, concedida durante o plantão judiciário, é absolutamente contrária às leis brasileiras e parece ser, desde logo, suficiente para uma avaliação disciplinar de sua responsabilidade. Primeiro, por legitimar formas desumanas de tratamento contra cidadãos brasileiros que exerciam o direito fundamental de resistência cívica e não-violenta – o que é expressamente proibido pela Constituição da República e francamente contrário à tradição democrática de qualquer país civilizado. Segundo, porque autorizou a violação de direitos individuais dos manifestantes fora das hipóteses de justificação previstas na lei penal e aplicáveis ao caso, a saber, a legítima defesa e o estado de necessidade, seja porque a ocupação não pode ser definida como agressão injusta a direito de terceiro, seja porque a situação admitia táticas alternativas e absolutamente pacíficas de resolução. Terceiro, as ações recomendadas ou consentidas pelo juiz integram um conjunto de práticas tradicionais definidas como tortura, amplamente denunciadas pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e mal disfarçadas pelos regimes que as utilizam sob os mais variados e mistificadores rótulos. Quarto, a execução concreta das medidas pela Polícia colocaria em risco o bem-estar físico e psíquico dos adolescentes que participavam do ato, em nítida oposição ao dever jurídico de proteção preferencial dos menores de 18 anos contra toda forma de opressão e violência. Obrigação que, em particular, uma autoridade responsável por questões sobre Infância e Juventude jamais poderia ignorar. Menos mal para os envolvidos, portanto, que a permissão dada pelo juiz não tenha se concretizado. Afinal, para o Direito Penal, o cumprimento de uma ordem manifestamente ilegal não implica apenas na responsabilização dos subordinados que a executam, mas também dos superiores que a impõem. Na esperança de identificar algo de positivo nesse lamentável e grosseiro erro jurídico, é razoável supor o aprendizado de uma importante lição política por parte dos estudantes que ocuparam o colégio Ave Branca: ainda existem no Brasil juízes dispostos a violar ou colocar em risco direitos individuais em função de uma intangível e perigosa noção de ordem pública. Logo, se forem mesmo bons alunos, haverão de incluir a democratização e o aprimoramento técnico do Judiciário entre suas demandas específicas já nas próximas manifestações.

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