Cabral e Garotinho foram politicamente feridos de morte esta semana com a decretação de suas prisões preventivas – aquelas que acontecem sem uma condenação, mas enquanto o sujeito ainda é réu. Não foi nas urnas que viram ruir seus projetos políticos de poder. Pelo contrário, foram derrotados por esse superpoder de nossa República, o intocável Poder Judiciário.
Contando com nosso maniqueísmo de costume, o Judiciário aumentou sua capacidade de formar mocinhos e bandidos em velocidade recorde e com limites cada vez mais tênues ou inexistentes. Conta para isso com sua mais fiel aliada, nossa mídia monopolista.
Com as prisões dos dois ex-governadores do Rio de Janeiro, vimos na rede uma realidade preocupante. O ranço punitivista e violento que permeia nossa sociedade não é um monopólio de políticos e cidadãos que se colocam como conservadores no jogo político cotidiano. Não está limitado a programas policiais na TV ou a pessoas que abertamente pregam a eliminação física de seus adversários. A violência por aqui foi se tornando tão banalizada, cotidiana e suscetível de indiferença, por um lado, e a população foi se vendo tão cada vez mais abandonada, por outro, que o caminho para o fortalecimento de ideologias repressivas, de clamor por fortalecimento dos aparelhos repressivo do Estado, ganha coro forte em todas as camadas da nossa sociedade.
O cidadão não se sente seguro e se sente saqueado. Respostas precisam ser dadas rápida e enfaticamente à população. O caminho está aberto cada vez mais para o fortalecimento do Estado policial como resposta.
Se a esquerda não conseguir se diferenciar no clamor público por violência – patrocinada pelo Estado ou não –, como método para resolver conflitos, provavelmente em nada contribuirá para que o fortalecimento do estado penal nos atinja de maneira brutal e violenta.
Quem ganhou foi o estado policial, cada vez mais fortalecido e insuportável.
Quão preocupante é a esquerda que comemora e vibra vendo Garotinho, um ser humano, sendo carregado apenas com o avental na ambulância para Bangu?
De um lado, me parece, cedem a um punitivismo cego e vingativo que permeia nossa sociedade. Querem ver sangue, sofrimento, suplício. Chegam a repetir a máxima: “tá com pena, leva pra casa”. Por outro lado, afirmam que o Estado de Direito é uma balela, uma hipocrisia, e uma ilusão na maioria das vezes. Eu não discordo. E a exceção, vocês têm razão, não começou agora.
O Brasil tem quase 300 mil presos provisórios. Provavelmente, depois de um ano presos, quase 40% deles serão absolvidos por falta de provas. Normal. Sabe por quê? Porque para a gente, eles merecem estar lá e, se foram absolvidos, o Estado é incompetente, e o tempo que ficaram presos serve para compensar pelo que supostamente não foram condenados no passado e não serão condenados no futuro. Isso é cruel, é brutal, é inaceitável. Tem que acabar.
No atual momento que o Brasil atravessa, em que garantias e direitos fundamentais são desrespeitados e relativizados cotidianamente, como vai a esquerda se portar no enfrentamento a seus adversários? Parece que o mais fácil (e mais perigoso) é se tornar também uma torcedora da “mão invisível do judiciário”, para que toque apenas em seus algozes – algo improvável, para não dizer impossível de ocorrer. Ou então vai comemorar que finalmente nosso Estado de Exceção foi democratizado e agora ele atinge os pequenos e os poderosos?
Cabral e Garotinho perderam esta semana. Quem ganhou não foi o povo ou a democracia. Quem ganhou foi o estado policial, cada vez mais fortalecido e insuportável.
O Estado Democrático de Direito -– com toda sua insuficiência, limites, falsos discursos, eu sei – está sendo derrubado dia a dia. E não é pela esquerda, por mais que esta se regojize ao ver um adversário sofrendo o castigo que julga que ele mereça. As saídas pela política se tornam cada vez mais um horizonte distante. A ditadura jurídico-midiática já começou.
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