Todas as empresas americanas, dos maiores conglomerados às microempresas, devem se perguntar: Prestaremos serviços ao governo de Trump que auxiliem o avanço de suas políticas mais extremas e draconianas? Ou resistiremos?
Talvez essa pergunta seja mais importante para as empresas do setor tecnológico, que são potencialmente parceiras de valor para um novo dirigente autoritário. The Intercept entrou em contato com nove das empresas de maior destaque no setor, de Facebook a Booz Allen Hamilton, para perguntar se elas prestariam serviço para criação de um registro nacional de muçulmanos, uma ideia que foi resgatada recentemente pela equipe de transição de Trump. Apenas o Twitter respondeu que não prestaria serviço.
Logo após a eleição, o CEO da IBM, Ginni Rometty, escreveu uma carta pessoal para o presidente eleito em que dava os parabéns pela vitória e oferecia os serviços de sua empresa. As seis áreas identificadas como oportunidades de negócio entre a Casa Branca de Trump e a IBM são todas inofensivas e, de certa forma, mundanas, mas mostram uma disposição preocupante em prestar serviços tecnológicos a um indivíduo abertamente interessado em como a tecnologia pode ser utilizada de forma abusiva: a vigilância de mesquitas, um “muro virtual” na fronteira com o México, desativar partes da internet remotamente, e daí por diante. A agenda contra as liberdades civis de Trump, mal elaborada e um tanto vaga, representa um grande projeto de engenharia que quase certamente precisaria da ajuda do setor privado americano. Pode ser pedir demais que empresas que há muito prestam serviços ao governo federal parem de atendê-lo por completo; é verdade, isso provavelmente tanto geraria enormes danos e atrasos a projetos públicos benéficos quanto ajudaria a frear os mais sombrios.
Mas a proposta de “registro de muçulmanos”, seja uma lista informatizada com pessoas de alguns países predominantemente muçulmanos que vieram para os EUA (conforme revelado pela agenda de segurança interna brevemente exposta por Kris Kobach) ou uma lista de todos os muçulmanos nos EUA, é tão perniciosa quanto é inútil. Em novembro de 2015, questionado por um repórter se os EUA deveriam criar “um banco de dados ou sistema para monitorar muçulmanos no país”, Trump respondeu, “Devem ser criados muitos sistemas além de bancos de dados. Quero dizer, devemos ter muitos sistemas”. Em reportagem, o New York Times contou que Trump acrescentou que “certamente implementaria isso — sem dúvida”. Em um comício na semana retrasada, ele disse à multidão: “Quanto ao banco de dados — eu disse ‘é, tudo bem, sim'”. No dia seguinte, George Stephanopoulos perguntou a Trump, “você agora está categoricamente eliminando a possibilidade de criar um banco de dados com todos os muçulmanos? Trump respondeu que “não, não mesmo”. Embora Trump tenha tentado voltar atrás quanto a esses comentários durante a campanha, o registro está de volta à mesa de negociações seja no formato que for, pelo menos na opinião de Kobach.
Mesmo falando de forma estritamente hipotética, um projeto assim poderia representar um divisor de águas para as empresas de tecnologia americanas — resistir aos esforços de monitorar indivíduos simplesmente (ou principalmente) por conta de suas religiões não requer muita coragem ou convicção, mesmo com os padrões éticos questionáveis do mundo corporativo americano. Também seríamos negligentes em supor que nenhuma empresa se prestaria a um empreendimento tão cruel: É notório que a IBM ajudou a Alemanha nazista a informatizar o Holocausto. (A IBM minimizou seu papel logístico no Holocausto, alegando através de uma declaração em 2001 que “a maioria dos documentos [relevantes] foi destruída ou perdida durante a guerra”.)
Com isso em mente, abordamos nove empresas americanas do setor tecnológico, no sentido mais amplo da palavra, com a seguinte pergunta: “A [nome da empresa], caso solicitada pelo governo de Trump, venderia produtos, serviços, informações ou consultoria de qualquer tipo para facilitar a criação de um registro nacional de muçulmanos, projeto que foi preliminarmente considerado pela equipe de transição do presidente eleito?”.
Depois de duas semanas de ligações e e-mail, apenas três empresas responderam, e apenas uma disse que não participaria de um projeto dessa natureza. Veja o resultado abaixo.
Facebook: Nenhuma resposta.
Twitter: “Não”, e um link para este artigo que descreve uma política da empresa a respeito da proibição do uso de “dados do Twitter para fins de vigilância” por desenvolvedores externos. “E ponto final”.
Microsoft: “Não vamos discutir hipóteses no momento”, e um link para um artigo da empresa declarando que “estamos comprometidos a promover a diversidade entre homens e mulheres que aqui trabalham, assim como uma cultura inclusiva” e que “continuará a ser importante que o governo e as empresas do setor tecnológico continuem a trabalhar em parceria para atingir um equilíbrio entre a proteção da privacidade e a segurança pública em tempos tão perigosos”.
Google: Nenhuma resposta.
Apple: Nenhuma resposta.
IBM: Nenhuma resposta.
Booz Allen Hamilton: Recusou-se a comentar.
SRA International: Nenhuma resposta.
CGI: Nenhuma resposta.
Isso não quer dizer que as empresas que não responderam ou se recusaram a comentar endossam tacitamente a agenda de Trump de forma geral ou mesmo em relação ao registro de muçulmanos em particular. Ainda assim, não é pedir muito das empresas de tecnologia que registrem suas posições contrárias à criação de uma lista federal de muçulmanos — ou pelo menos é o que se espera delas.
“Qualquer empresa de tecnologia deve resistir a um pedido do governo que atinja um de seus clientes por conta de sua raça, religião ou nacionalidade”, disse o advogado da União Americana pelas Liberdades Civis, Ben Wizner, quando perguntado quanto às obrigações éticas e sociais dessas empresas em lutar, de alguma forma, contra projetos como o registro de muçulmanos.
Caso alguma das empresas queira se aprofundar em suas respostas (ou responder), esse artigo será atualizado.
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