Estudar sobre o cultivo e as variedades da maconha passou a integrar a rotina do casal Alexandre Meirelles e Maria de Fátima Pereira nos últimos três meses. Os dois, que nunca foram usuários, plantam cannabis sativa em casa e extraem de forma artesanal o óleo da planta, que é usado no tratamento do filho Gabriel, de 14 anos. A família é uma das três que, por meio de habeas corpus, conseguiram a autorização judicial para a produção caseira do extrato.
Gabriel tem epilepsia refratária, sequela de uma encefalite bacteriana que contraiu aos 8 anos de idade. O menino chegou a ter 30 crises por dia na fase mais grave da doença. Depois do uso do canabidiol ( substância encontrada na maconha que é extraída através do óleo), houve uma significante redução: hoje, ele tem em média 15 crises por mês.
O casal participou de oficinas no projeto FarmaCanabis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tem a proposta de dosar os canabinóides – diferentes substâncias presentes na cannabis – assim como identificar a concentração deles nos diversos tipos da planta. Com isso, será possível determinar qual extrato é mais indicado para cada doença. “Analisando os extratos de cannabis, a gente vai avaliar a segurança destes tratamentos e poder dar essa informação para o paciente e seu médico”, explica Vírginia Carvalho, coordenadora do projeto e doutora em toxicologia pela USP.
Variações na dosagem podem fazer a pessoa que está controlada voltar a ter crise.
Além da epilepsia, o óleo extraído da maconha pode ser utilizado em tratamentos de câncer, esclerose múltipla, autismo, alzheimer e parkinson.
Alexandre e Fátima tiveram que construir uma estufa, aprenderam a trabalhar a terra, podar corretamente e descobriram na prática que a cannabis não pode ficar exposta nem ao sol e nem à chuva. Agora, esperam que as plantas floresçam para que o óleo seja extraído. Além de aprenderem a plantar, os dois passam pelo desafio de produzir o extrato de maneira caseira. “Não é questão só de fazer um óleo, o problema maior para utilizar esse óleo é saber o que tem dentro dele”, conta o pai, referindo-se à dosagem do remédio.
Desde 2014, a ANVISA iniciou o debate para colocar o canadibiol na lista de substâncias com prescrição médica permitida. Cerca de duas mil pessoas fazem uso do remédio no Brasil. O produto é importado e de difícil acesso, tanto pelo preço – que custa por mês entre R$ 2.000 e R$ 15.000 – quanto pela burocracia. No STF, Teori Zavascki, morto em janeiro deste ano em um acidente de avião, pediu vistas do processo que descriminaliza a maconha em 2015. Seu sucessor é quem vai dar prosseguimento a ação.A solução mais prática é o cultivo em casa, que precisa vir acompanhado de uma assistência do poder público em relação à análise do produto feito artesanalmente. “Pequenas variações na dosagem podem fazer a pessoa que está controlada voltar a ter crise. Por isso a importância de um laboratório público atuando”, explica Eduardo Favere, médico especializado em epilepsias que atende Gabriel.
A UFRJ autorizou que o laboratório para análises fosse montado na universidade sob a coordenação da professora Virgínia. O problema é que a estrutura necessária para a análise dos extratos é cara. Para custeá-lo, foi criado um financiamento coletivo para arrecadar R$ 24.399. As doações seguem até o próximo dia 20 de fevereiro.
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