Governo do Rio de Janeiro adia a privatização da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos). A notícia foi dada no dia 14 de fevereiro de 2017, mas também há quase duas décadas, em 9 de outubro de 1998. O compromisso de manter a empresa pública já foi promessa de campanha e de acordos coletivos de trabalhadores, mas sempre esteve na mira de políticos para barganha.
Como é possível ver pela linha do tempo dos governos que passaram pelo Rio de Janeiro, a empresa vem sendo disputada e usada, mas conseguiu se manter estatal. Hoje, a privatização da Cedae tem sido tratada como uma contrapartida para o socorro financeiro ao RJ, como se a crise não tivesse sido criada exatamente por aqueles que agora ainda querem lançar mão de concessão à iniciativa privada. E o sucateamento do Rio de Janeiro foi causado pelos mesmos envolvidos no vai e vem da privatização, como Sérgio Cabral. A Alerj vai retomar a votação da autorização da venda no dia 20.
Apesar de pedidos ignorados de deputados para abertura de uma investigação específica sobre a Cedae, a companhia só apareceu de relance na CPI das Privatizações do Rio de Janeiro, feita pela Alerj em 2001, e na CPI dos Correios. Houve investigações específicas pequenas, como a de contratos de concessão em Nova Iguaçu e a de serviços em São Gonçalo. Mas nada em nível estadual. Da mesma forma, também houve tentativas de privatização por partes, contrato a contrato, por município.
A CPI das Privatizações revelou algo que ainda hoje é comum: a falta de transparência e zelo pelos dados públicos. Os documentos solicitados pela comissão não puderam ser analisados por estarem em situação precária. Outros sequer foram apresentados. Diante de indícios de tráfico de influência, especulação com moedas podres, sonegação de informações e uso de firmas fantasmas nas privatizações ocorridas durante o Programa Estadual de Desestatização (PED), seguindo ditames federais de FHC, entre 1995 e 1998) implantado pelo então governador, Marcello Alencar, a Cedae se safou, mas em parte.
A CPI deixou claro ainda que o Fundo de Previdência dos Trabalhadores da Cedae (PRECE) foi parceiro do Merca tor Investment Fund Limited, com sede nas Ilhas Cayman, na compra do Terminal Menezes Côrtes, um dos alvos do PED. A falta de transparência sobre a transação e a evasão dos diretores ouvidos beirou o deboche. Alguns deles se negaram a dar informações e até mesmo contradisseram provas, sem nenhum pudor ou preocupação.
Em resumo, a recomendação do relatório foi: implementar medidas que promovam “maior eficiência e eficácia, controle, transparência e representatividade”. E ficou por isso mesmo. Dez anos depois, em 2011, a PRECE acumulava déficit de R$ 1,25 bilhão. O dinheiro dos trabalhadores foi investido em títulos da House Center, administradora do World Trade Center – comprados por R$ 100 milhões depois da queda das duas torres. A Cedae assumiu a responsabilidade por 50% do rombo, e Bin Laden levou a culpa pelo mau negócio.
Um bolo farto para os amigos
Sucessor de Marcello Alencar, Anthony Garotinho (1999-2002) prometeu deixar a Cedae em paz, mas ameaçou abandonar a promessa algumas vezes. Já fora do governo, ele insinuou que o ex-presidente do órgão Wagner Victer (2006–2015) estava envolvido no “Petrolão”, uma vez que o email dele aparece anotado na agenda do delator Paulo Roberto Costa. Victer – hoje desafeto – foi uma herança do casal Garotinho a Cabral e Pezão, e é o atual secretário estadual de Educação.
Foi ele quem autorizou diretamente, sem licitação, um contrato da Cedae com a Delta Construção, que assumiu quase 80% do sistema de medição de consumo de água da Cedae. Os novos hidrômetros implantados pela empresa renderam em cinco anos pelo menos R$ 377 milhões em contratos para o consórcio Novoperação, formado pela Delta e pela Emissão Engenharia e Construções. Nos tempos de Cabral, a Delta foi campeã em obras no estado e ficou famosa com a “gangue do guardanapo“, que expôs a amizade entre Cabral e o empreiteiro Fernando Cavendish. O escândalo foi revelado por Garotinho.
Outrora defendido pelo ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) no caso da PRECE, Garotinho passou a ser desafeto, e as parcerias políticas viraram moeda de chantagem. “Vai ser muito proveitoso detalharmos todas as reuniões que tivemos juntos. Contribuiria e muito para o nosso país”, escreveu.
Cunha esteve no centro do escândalo de Furnas junto com Lúcio Funaro e Lutero de Castro Cardoso. Lutero foi presidente da Cedae na gestão Rosinha Garotinho e teve os bens bloqueados pela Justiça acusado de participar de acordos extrajudiciais considerados irregulares e envolvendo R$ 32 milhões.
Durante esse tempo, a Cedae foi campeã estatal em reclamações, destruiu casas e causou mortes devido à péssima manutenção de suas tubulações, e cobrou taxas onde sequer há rede coletora. A privatização da companhia de saneamento do RJ põe em risco o acesso à água como direito humano. Mas parece que as prioridades são outras.
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