“O presidente Temer tem enorme prazer em avaliar, auscultar, ligar, chamar, dialogar, conversar, ponderar, sentir….tem um enorme prazer nisso, diferente da antecessora.” Foi assim que Alexandre Garcia nos acordou na última quinta-feira em sua coluna no Bom Dia Brasil na TV Globo. O ex-porta-voz do regime militar trata o presidente não eleito como um grande democrata – o que é um fato curioso vindo de um jornalista que lembra com tanto carinho dos anos de chumbo.
Garcia não é apenas um colunista prestigiado pelas Organizações Globo, mas também um porta-voz dela. A exaltação das qualidades democráticas de alguém que acabou de censurar a própria Globo ilustra bem o alinhamento ao grupo político que tomou o poder atropelando a Constituição. Mas vindo de quem apoiou o golpe de 64 e ajudou a sustentá-lo, não será possível acusá-los de incoerência. Quando Lula pediu um direito de resposta para o Jornal Nacional, foi apresentado um editorial de mais de 7 minutos, tenso, cheio de adjetivos. Para reportar a censura de Temer, o tom da indignação foi uns dez degraus abaixo. Há alguma coisa errada quando o jornalismo se revolta mais com um pedido de direito de resposta do que com um presidente da República censurando informação.
Feita esta introdução, vamos tentar entender melhor o principal acontecimento da semana: a chancela do STF para a nomeação de Moreira Franco para ministro da Secretaria-Geral da Presidência. O braço direito de Temer, também conhecido nas planilhas de propinas da Odebrecht como Gato Angorá, foi citado 34 vezes na delação de um ex-diretor de relações institucionais da empreiteira. Nela, Michel e Moreira aparecem atuando em conjunto na hora de passar o chapéu da propina:
Temer, devidamente protegido pelo foro privilegiado, não poderia largar seu fiel escudeiro ferido e solitário na estrada. Por meio de de uma medida provisória sagaz, deu status de ministério para a Secretaria-Geral e assim ofereceu abrigo e proteção para o seu o seu gatinho angorá.
O STF, através do ministro Celso de Mello, chancelou a escolha de Temer ao negar um mandado de segurança do PSOL e da REDE para suspender a nomeação por desvio de finalidade. Apesar de a decisão ter sido considerada tecnicamente correta, houve muita polêmica. A comparação com um outro caso bastante semelhante foi inevitável. Quando Dilma nomeou Lula para a Casa Civil, o Merval quase enlouqueceu, MBL e outros grupos pró-impeachment foram para as ruas. PSDB e PPS também entraram com mandado de segurança acusando desvio de finalidade. Gilmar Mendes, como era de se esperar de um homem em perfeito entrosamento com o governo, barrou a nomeação no STF.
A revista VEJA e o amigo de Gilmar, Merval Pereira, correram logo para nos explicar que havia, sim, uma diferença: Lula era oficialmente investigado, enquanto Moreira, ultradelatado na Lava Jato, ainda não.
Conversei com Marcelo Semer, juiz de Direito em SP e membro da Associação Juízes para Democracia para tentar entender se o fato de Lula e Moreira estarem em etapas distintas da investigação é suficiente para explicar a diferença entre as decisões:
“Não vejo diferença palpável entre os casos e creio que a decisão de Celso de Mello se afigura correta; talvez a diferença seja mesmo a discussão sobre a legalidade da escuta em que se baseou a decisão de Gilmar.”
Para complicar ainda mais o caso, a Folha informou na quinta-feira que a AGU omitiu do STF que Moreira Franco foi denunciado pelo Ministério Público Federal no famoso caso da “farra das passagens”. Segundo Eloísa Machado, professora de direito da FGV-SP ouvida pelo jornal, “as informações omitidas poderiam alterar o entendimento do ministro”.
Gilmar Mendes tentou explicar com um enrolation muito característico de João Plenário, famoso personagem da Praça É Nossa e sósia do ministro:
“É difícil de qualquer sorte um entendimento sumular, porque as situações têm nuances, têm aspectos que precisam ser certamente distinguidos, entre um caso e outro. Por isso fica muito difícil ter assim uma analogia perfeita entre esses casos”.
Deixando a ingenuidade de lado, considerando o histórico de decisões de Gilmar, e as pessoas com quem ele costuma jantar e confraternizar, não é estranho afirmar que a decisão do ministro em relação à nomeação de Lula foi essencialmente política. Fosse ele o responsável por analisar o caso de Moreira Franco, as chances de uma decisão técnica como a de Mello provavelmente seriam menores que zero.
A comparação dos dois casos é importante para analisar o papel que o STF tem desempenhado nos últimos anos, principalmente o de auxiliar no processo de impeachment. Além de tornar ilegal a escolha de um ministro por Dilma, a corte sentou em cima de um pedido de afastamento de Cunha pedido por Janot em dezembro de 2015 por, dentre outras coisas, tentar obstruir as investigações da Lava Jato. O procurador-eral da República havia sido enfático sobre a urgência do pedido:
“É urgente que o Eduardo Cunha seja privado de seus poderes como deputado federal e como presidente da Câmara, pois, do contrário, criará ainda maior instabilidade política para o país e, ainda, não hesitará em perseguir e utilizar todos os instrumentos que possua para retaliar e se vingar de seus adversários, como faz habitualmente”.
O STF parece não ter visto o pedido de urgência do procurador e não teve nenhuma pressa. Cunha continuou livre para comandar suas tramoias até o dia do grande projeto da sua carreira, a votação do impeachment. Graças à omissão da Corte, o ex-aliado de Temer ficou à vontade para continuar desestabilizando politicamente o país em defesa dos seus próprios interesses, exatamente o que temia Janot.
Bom, mas dessa vez o STF foi técnico e acertou. Agora Moreira Franco já pode sair por aí ostentando o seu foro privilegiado. Além dessa dádiva, o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência ganhou também a chave do cofre das verbas de publicidade e está turbinando o núcleo de comunicação do governo. O governo quer intensificar a propaganda para tornar os seus arrochos mais palatáveis.
Mas tudo no país parece seguir funcionando normalmente. O Jornal Nacional informou que “Moreira Franco recebeu a notícia com tranquilidade”. O porta-voz da Presidência da República disse que “Michel Temer recebeu com tranquilidade a decisão”. Perceba a sintonia entre os porta-vozes do governo e entenda a tranquilidade geral.
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