Assistir à sabatina de Alexandre de Moraes para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal é como ver um filme de suspense depois de ouvir spoilers: os atores podem ser ótimos, mas você já sabe exatamente o que vai acontecer. E, tratando-se de Brasília, as atuações não são lá essas coisas.
O maior problema sobre o que se desenrola dentro da sala da Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta terça-feira é que ela reflete apenas uma pequena amostra do modus operandi adotado no dia a dia da política nacional.
Em vez de fazerem perguntas incisivas [como, por exemplo, uma das seis sugeridas pelo site Poder360: “Por que a Polícia Militar do Estado de São Paulo, em sua passagem como Secretário de Justiça, consagrou-se como a que mais matava em todo o país?”] os parlamentares se limitam a discursar e usar o espaço televisionado ao vivo para fazer palanque ou mandar aquele “salve” para padrinhos e eleitorado.
Por exemplo, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) começou seu tempo de pergunta fazendo uma piada com o fato de Moraes ser calvo e terminou a fala criticando as regras do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Lembrando que ele é ex-presidente Confederação Nacional da Indústria, um grupo bem interessado nessa fala. Para fechar com uma interrogação, perguntou a Moraes o que ele acha da situação da crise econômica dos estados brasileiros.
Já o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, aproveitou um de seus momentos de fala para lembrar sua atuação durante o processo de impeachment e criticar as reformas da política econômica que estão sendo postas em curso pelo governo Temer.
Isso reflete a postura adotada em todas as casas: senadores e deputados utilizam qualquer tempo ao microfone para qualquer coisa que não seja apresentar argumentos ou questões do círculo de interesses em pauta.
Aproveitando que Lindbergh mencionou sua atuação durante o processo, vale lembrar das falas durante os votos no processo de impeachment, que viraram piada nacional. Entre elas, destaque para o voto de Sérgio Moraes (PTB-RS), que foi a favor da retirada da ex-presidente Dilma Rousseff e usou seu tempo ao microfone para uma explicação totalmente completa sobre o que motivava seu voto: “Feliz aniversário, Ana, minha neta.”
Não à toa, não há preocupação em prestar atenção no que cada um fala — já que todos sabem previamente os papéis — e muito menos em estar presente durante toda a sessão, ainda que de sabatina de um futuro ministro do STF. Por volta das 14h, Lindbergh registrou uma reclamação por terem apenas 8 parlamentares presentes na CCJ.
Enquanto isso, Marta Suplicy (PMDB-SP) era inúmeras vezes flagrada pelas câmeras da TV Senado trocando mensagens ao celular, alheia ao debate; mais uma postura extremamente comum entre os parlamentares durante sessões.
Como esquecer da conversa via whatsapp entre Bolsonaros pai e filho, capturada pelo fotojornalista Lula Marques durante a sessão para eleição da presidência da Câmara, onde o próprio diálogo demonstra a falta de noção sobre a agenda de pautas da Casa?
Fotos do deputado, Jair Bolsonaro, no celular falando com o filho. Prova que não são Fakes. conversa com filho, Eduardo! pic.twitter.com/q6SVbqoc6C
— Lula Marques (@LulaMarques) February 9, 2017
O lado positivo do espetáculo é que ele demonstra como funciona o teatro da política nacional: os papéis são os mesmos, variam apenas os atores que os desempenham. Ninguém se preocupa em ouvir o que os outros estão dizendo, porque já se sabe como cada um vai se comportar.
Essa dança das cadeiras ficou evidente quando a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) tentou adiar a sabatina usando como argumento um projeto de lei proposto pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) em 2015 — quando este era da oposição —, e o próprio tucano afastou a possibilidade de aplicação dos seus fundamentos, afirmando que a bancada que então representava a base do governo [leia-se, o PT] foi contra.
O projeto girava em torno da extensão do tempo da sabatina para futuros ministros do STF. Naquele momento, Aécio propôs que as sabatinas fossem mais longas, mas, agora que faz parte do núcleo da situação, ele não faz mais tanta questão da mudança. Já Gleisi fazia parte da base que foi contra, mas agora usa o projeto como argumento para pedir um novo modelo de sabatina.
Em 2015, era o agora ministro Luiz Edson Fachin que respondia a perguntas dos senadores. Se, naquele ano, políticos do DEM, PMDB e PSDB se articulavam para atrasar a escolha enquanto líderes da base aliada ao PT pediam urgência, dessa vez foi exatamente o contrário que aconteceu.
Ou seja, o roteiro segue o mesmo, os atores só trocaram seus papéis.
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