Planalto, Congresso e Esplanada dos Ministérios estão em alvoroço na expectativa de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviar ao Supremo Tribunal Federal a segunda lista com pedidos de investigação de integrantes do governo. No entanto, a trajetória da primeira leva de pedidos de Janot, enviada em março de 2015 ao STF, mostra que o corpo político de Brasília não tem muito com o que se preocupar, pelo menos nos próximos meses. Em dois anos, apenas 5 dos 50 nomes que constavam da primeira lista viraram réus no Supremo – o quinto, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), se tornou réu apenas esta semana. Ninguém foi condenado.
The Intercept Brasil conversou com juristas para entender a razão de tanta demora nos trâmites investigativos e processuais e quais seriam as soluções para acelerar a análise dos processos. Eles apontam a prerrogativa de foro privilegiado de autoridades como um dos obstáculos para que as decisões sejam mais dinâmicas. Segundo a Constituição, as infrações penais do presidente, vice, parlamentares, ministros e o procurador-geral da República devem ser julgadas apenas pelo Supremo Tribunal Federal.
Para o professor de direito da Universidade de Brasília Paulo Henrique Blair de Oliveira, quando as decisões cabem a um tribunal colegiado, como é o caso do Supremo, é natural que as decisões demorem um pouco mais, porque não é fruto de uma só cabeça, mas de várias. “Já passou da hora de a gente rever essa questão da prerrogativa de foro, porque a regra é a igualdade. Quando há uma desigualdade é necessário fazer ajustes”, pontua.Especialista em processo penal e professor da Universidade de São Paulo, Maurício Zanoide de Moraes, explica que quando é um juiz de primeira instância quem deve decidir sobre o recebimento de uma denúncia, essa decisão é tomada monocraticamente. No Supremo, a decisão é muitas vezes tomada de forma colegiada – no caso de Raupp, por exemplo, votaram os cinco ministros da 2ª Turma do STF.
Mudanças no foro privilegiado
O constitucionalista Wesley Machado, professor de direito na Universidade Católica de Brasília (UCB), concorda com os colegas e defende que a sociedade pressione o Congresso para reduzir o escopo de autoridades que têm a prerrogativa de foro. “Quem deveria ter foro: ministros do Supremo, o chefe do Poder Executivo, os chefes das casas legislativas e, também em razão do funcionamento, do Poder Judiciário e do Ministério Público”, afirma.
Nestes casos, Machado argumenta que o foro privilegiado garante a liberdade de atuação das autoridades. “A gente garante que algumas autoridades tenham liberdade para atuar, não sofram pressões, não possam ser processadas criminalmente em qualquer juízo. Então para algumas autoridades é extremamente importante a manutenção do foro” diz.
Uma das principais bandeiras constantes dos protestos nas rua, as propostas sobre o fim do foro privilegiado seguem paradas no Congresso. No total são 12 PEC’s sobre o tema. Parlamentares temem que em meio à iminente delação da Odebrecht, eles percam o direito de serem julgados apenas pelo STF e fiquem a mercê do juiz Sérgio Moro, de Curitiba.
Mas Machado também lista o volume de processos em trâmite no STF como um dos fatores que contribuem para a morosidade das ações envolvendo políticos. Além de Corte constitucional e de jurisdição para o julgamento de autoridades com foro, o STF é a última instância de recursos do Judiciário.
“No caso do ministro que vai suceder Teori Zavascki (Alexandre de Moraes), ele já chega no gabinete herdando sete mil processos. Então, dada grande quantidade de recursos e processos apresentados que são da competência do STF, isso dificulta um pouco a tramitação dos pleitos”, explica Machado.
Segundo Machado, o que poderia ser feito para desafogar a pauta do STF seria uma diminuição da possibilidade de recursos de processos até a Suprema Corte: “Nos casos triviais que não têm repercussão geral, que não têm relevância social ou jurídica, não deveria chegar até ao STF”.
Planalto teme paralisia do Congresso
O fato é que o procurador-geral deve inundar o STF com mais de uma centena de pedidos de abertura de inquérito, os primeiros como fruto de delações premiadas de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. É esperada uma chiadeira geral em Brasília, visto que nomes da cúpula do Planalto, como Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), além de integrantes de grande parte dos partidos devem aparecer entre os listados.
Na ocasião, é provável também que Janot peça a retirada do sigilo de grande parte das delações, que devem ser acompanhadas de documentos, comprovantes e extratos bancários, para explicar o tim tim por tim tim da prática de lavagem de dinheiro e ocultação de bens.
No Palácio do Planalto, no entanto, as suspeitas sobre membros do governo não serão suficientes para que os citados sejam afastados. Conforme afirmou em outra oportunidade, o presidente Michel Temer só irá demitir os que virarem réus no STF. Enquanto isso, a ordem no Planalto é “arrumar a casa” para que o turbilhão que está por vir não interfira nas reformas em discussão no Congresso.
Consciente de que sofrerá desgastes com a segunda lista de Janot, a estratégia do Planalto é atuar para que o Congresso Nacional não fique paralisado em meio à série de denúncias que estão por vir. O objetivo é simples: mesmo com a enxurrada de inquéritos, tentar manter a coesão da base aliada. Se o governo vai conseguir sobreviver após a delação do fim do mundo, ninguém sabe.
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