A correria começou cedo no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (15). Um dia depois de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma segunda lista com pedidos de investigação contra políticos, o presidente Michel Temer tratou de chamar para uma conversa o amigo e ministro do STF Gilmar Mendes e os citados na lista Eunício Oliveira, presidente do Senado, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara.
Abertamente, o presidente da República e um ministro do STF se sentaram com dois dos delatados por executivos da Odebrecht para discutir mudanças nas regras eleitorais como uma possível forma de autoblindagem. O encontro serviu para afinar os pontos em debate no Congresso sobre a reforma política. São eles: eleição para parlamentares em lista fechada (você vota apenas no partido e eles que decidem quem assumirá o cargo), financiamento público para campanhas e até a criação de um fundo no Tesouro Nacional para que o povo brasileiro custeie as campanhas políticas.
Essas medidas, na visão dos políticos envolvidos na Lava Jato, são consideradas essenciais para reeleição no ano que vem e, consequentemente a manutenção do foro privilegiado. Afinal de contas, eles contam com a demora dos processos no STF e nenhum deles gostaria que seu caso caísse para a primeira instância em Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro.
Com o avanço da Lava Jato no STF, nos bastidores de Brasília a avaliação é que a crise política está apenas começando. Em resposta, o sistema político brasileiro vem convergindo para buscar a aprovação de leis no Congresso Nacional que conduzam a uma blindagem dos parlamentares diante do progresso da operação. Conforme The Intercept Brasil tem mostrado, os congressistas ainda insistem, por exemplo, em buscar uma alternativa de anistia à prática do caixa dois. Essa posição mostra como o decoro e a discrição não fazem parte da atuação política no Congresso e como isso acaba por corroer a credibilidade das instituições brasileiras.
A lista
De acordo com a assessoria do STF, os pedidos feitos por Janot precisam primeiro ser registrados no sistema para que seja gerado o número do processo. Como são muitos, a previsão é que isso leve de dois a três dias. Somente após esta etapa que o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, começará a analisar os casos e a decidir sobre os pedidos de investigação.
Mas a expectativa é que Fachin não demore a se debruçar sobre o conteúdo e que decida sobre os casos nos próximos dias, inclusive sobre a retirada do sigilo de grande parte do conteúdo das delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht que motivam as investigações.
Apesar de amplamente delatado, Temer não é alvo de pedido de inquérito. Pela Constituição Federal, desde o minuto seguinte em que assumiu a Presidência da República, Temer não pode ser alvo de uma investigação penal até o fim do seu mandato, a menos que cometa algum crime no exercício da função.
Mas a tranquilidade do presidente tende a durar pouco. Assim que o sigilo das delações for retirado, será tornado público qual o papel do presidente em toda essa trama política. As diversas citações de seu nome, em fatos para lá de suspeitos, tendem a ter algum reflexo em sua base política no Congresso e no processo que tramita no TSE e que pode derrubar a chapa Dilma-Temer por suspeitas de abuso de poder econômico.
Além disso, a cúpula do governo é citada quase que integralmente. Assim como os presidentes da Câmara e do Senado, cinco ministros estão na lista: Eliseu Padilha: (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Bruno Araújo (Cidades), Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia e Comunicações) e Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores).
No forno
A Procuradoria-Geral da República enviou ao STF um calhamaço de informações. São 320 solicitações: 83 pedidos de inquérito, 211 declínios de competência para outras instâncias da Justiça – em casos que envolvem pessoas sem prerrogativas de foro –, 7 arquivamentos e 19 outras providências. Todo o material, acomodado em 10 caixas, estão em uma sala no Supremo a qual poucos funcionários têm acesso.
Minutos após a entrega da lista ao STF, nomes dos implicados começaram a ser vazados à imprensa, atingindo todo o establishment político brasileiro. Entre eles estão, por exemplo, os senadores Renan Calheiros (PMDB/AL), Romero Jucá (PMDB/RR), José Serra (PSDB/SP), Edison Lobão (PMDB/MA) e Aécio Neves (PSDB/MG).
Janot incluiu também os nomes dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e dos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci nos pedidos de investigação. Como eles não possuem foro no STF, a expectativa é que os processos sejam enviados para instâncias inferiores. O mesmo ocorre com dez governadores citados, que devem ter os pedidos remetidos para o Superior Tribunal de Justiça.
O que sobrará após tudo isso? Um sistema em ruínas e um país com políticos blindados por leis que eles mesmo desejam criar. Apenas a sociedade, organizada, plural e democrática, pode mudar o rumo desta triste página da história brasileira.
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