Odeio ter que concordar com Trump. “Cometemos um erro terrível ao nos envolvermos desde o início”, disse ele à CNN em outubro em relação à guerra no Afeganistão, que ele chamou de “bagunça”. “Eu deixaria as tropas lá de má vontade”, afirmou o então candidato à Presidência. “Acredite, eu não estou feliz com isso.”
Você se lembra do Afeganistão, certo? A guerra mais longa na história dos EUA e a mais impopular, também? O conflito atual que foi ignorado por políticos e demais autoridades, apesar de 2.400 americanos mortos e um preço alarmante de 1 trilhão de dólares?
O Afeganistão quase não foi visto durante a campanha eleitoral. A guerra de uma década e meia foi mencionada apenas uma vez ao longo de três debates presidenciais – na forma de uma referência superficial de Hillary Clinton. Trump, porém, pode querer largar os tacos de golfe e começar a prestar atenção à luta esquecida contra o Talibã, que deveria ter acabado formalmente em dezembro de 2014. Seus generais, apoiados por republicanos pró-guerra no Congresso, querem arrastar o conflito por mais alguns anos. Seu mantra silencioso? Na dúvida, dobre a aposta.
Mas até mesmo Hamid Karzai, ex-presidente do Afeganistão e aliado dos EUA, acredita que já chega de guerra. “Não queremos [mais] forças estrangeiras bombardeando nossas cidades, prendendo nosso povo, destruindo nossos lares e causando mais guerra no Afeganistão”, me contou ele. Tanta violência, ele afirma, lembrando a insurreição do Talibã, “naturalmente causa ressetimento” e “legitima qualquer resistência a ela”.
Ainda assim, no mês passado, enquanto todos os olhos estavam voltados para a confirmação de Jeff Sessions como Advogado-Geral no Senado, o general John Nicholson, militar americano de mais alta patente no Afeganistão, apareceu diante da Comissão de Serviços Armados do Senado para pedir “alguns milhares” de soldados a mais. Na semana passada, o seu superior, general Joseph Votel, chefe do Comando Central dos EUA, repetiu o pedido de Nicholson, dizendo aos senadores que uma nova “estratégia” para o Afeganistão teria que “envolver forças adicionais”. E, nesta semana, os senadores republicanos Lindsay Graham e John McCain, que nunca encontraram um país de maioria muçulmana que não quisessem bombardear, invadir ou ocupar, usaram um artigo de opinião no jornal Washington Post para clamar por – surpresa! – “forças adicionais norte-americanas e de coalisão” no Afeganistão, incluindo “operações especiais e suporte aéreo de proximidade”.
“É imperativo que levemos nossa missão ao sucesso”, declamaram.
O que era mesmo aquela definição de insanidade? Não nos esqueçamos, o antecessor de Trump também recebeu pedidos de seus generais por mais tropas durante o seu primeiro ano de mandato: Barack Obama enviou 30.000 soldados extras para o Afeganistão, contrariando o conselho de seu vice-presidente, apenas para ver o Talibã se fortalecer, em vez de enfraquecer. Então por que seria algo além de uma fantasia sugerir que 20.000 ou até 30.000 soldados no Afeganistão sob as ordens de Trump – em oposição aos 8.400 soldados que estão atualmente lá como parte de uma missão de apoio da OTAN – seriam capazes de conquistar a vitória que foi negada a 100.000 soldados americanos no Afeganistão durante o mandato de Obama em 2010?
Durante seu testemunho no senado, Nicholson foi questionado pelo senador McCain se os EUA estariam perdendo ou ganhando no Afeganistão. “Eu acredito que estamos em um empate”, respondeu o general.
Isso é pura ilusão. Donald Rumsfield, secretário de Defesa do então presidente George W. Bush, pode ter afirmado que “não temos medidas para saber se estamos ganhando ou perdendo a guerra global contra o terrorismo”, mas não nos faltam essas “medidas” para a guerra contra o Talibã. Desde 2001, os apoiadores da guerra têm citado uma série estonteante de medidas, de construção de uma nação a contraterrorismo a guerra às drogas, todas resultando em “missão falha” em vez de “missão cumprida”.
Apoiando um governo afegão estável e democrático? O presidente apoiado pelos EUA e seu “diretor-executivo” estão no meio de uma disputa amarga por poder; o vice-presidente é um senhor da guerra brutal; as eleições parlamentares foram adiadas; e a corrupção corre solta – o Afeganistão ocupa o 169º lugar dentre 176 países no ranking de corrupção atual da organização Transparência Internacional.Protegendo a população? As mortes de civis no Afeganistão em 2016 alcançaram o nível mais alto desde que a ONU começou a registrá-las, em 2009. No mês passado, no governo Trump, ataques aéreos norte-americanos na província de Helmand teriam causado a morte de pelo menos 18 civis, a maioria mulheres e crianças.
Reduzindo o tráfico de drogas? O Afeganistão continua a fornecer por volta de 90% do ópio ilegal no mundo, com uma produção crescendo alarmantes 43% em 2016. Enquanto isso, mais de um milhão de afegãos são viciados em drogas.
Prevenindo o crescimento do Estado Islâmico? Na semana passada, atiradores do EI vestidos de médicos atacaram um hospital militar no coração da capital, Kabul, matando mais de 30 pessoas.
Derrotando o Talibã? Os insurgentes estiveram na ofensiva por todo o ano passado e agora detêm mais território afegão do que em qualquer ano desde 2001. Conforme divulgado pelo Politico, “o governo afegão controlava 57% dos distritos do país em novembro… o que significa uma perda de 6% desde agosto e uma queda de 15% em comparação a novembro de 2015.”
Alguma coisa nisso soa como um empate para você? Nicholson e Votel podem ter a visão de que nenhum dos lados tem poder total (daí o “empate”) mas, conforme Henry Kissinger observou uma vez, “o exército convencional perde se não ganhar. A guerrilha ganha se não perder” (sim, eu também odeio concordar com Kissinger).
Será que Trump, obcecado como ele é por “ganhar”, irá reconhecer que não há vitória militar decisiva nos campos de extermínio do Afeganistão? Ou o orgulhoso autor de “A Arte do Acordo” está disposto a começar alguma forma de negociação com o repugnante Talibã para tentar acabar de uma vez por todas com o fracasso no Afeganistão? Um estudo publicado em janeiro por Michael Semple e Theo Farrel, baseado no contato direto deles com ex-dirigentes talibãs, concluiu que “o aumento para [o Talibã] de moral após os sucessos no campo de batalha em 2016″ foi “diluído pelo alto custo com o qual foram conquistados” e também por um novo líder fraco, que abriu a porta para uma “pacificação insurgente”. Existe, dizem, um acordo a ser feito.
No entanto, como Farrell tem notado, “iniciar um novo esforço militar no Afeganistão traz o risco de se reinjetar uma noção de propósito no esforço de guerra Talibã”. Desde o início do conflito, a presença militar norte-americana tem sido parte do problema, não da solução. É uma forma de recrutamento para uma insurreição nacionalista, não apenas islâmica.
Karzai passou de apoiador entusiasta da intervenção inicial americana no Afeganistão a crítico declarado e oponente das forças dos EUA. Antes de o novo presidente aprovar seu próprio “ataque” no Afeganistão, Karzai quer que ele explique ao povo afegão por que, após mais de 15 anos, “com tanto sangue e dinheiro gastos, tantas perdas de vidas, o país não está seguro. Por que existe mais extremismo? Por que [o Estado Islâmico] emergiu no Afeganistão enquanto os EUA [com suas forças armadas] estavam aqui?”.
Ainda assim, eu suspeito que o beligerante Trump, que prometeu “bombardear demais” o Estado Islâmico e que, desde que começou o mandato, já expandiu a ação militar dos EUA no Yemen e enviou forças terrestres à Síria, achará difícil resistir aos alertas por mais tropas, mais bombas, mais guerra.
Da mesma forma que Obama fez antes dele, Trump vai aumentar os esforços no Afeganistão. Assim como Obama, Trump vai perder no Afeganistão. E o resto de nós, com vergonha, vai continuar fingindo que não viu.
Tradução: Beatrix Felix
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