Em uma manobra que deixaria até o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) boquiaberto, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), quer votar um projeto de lei que regulamenta o trabalho terceirizado que tramita no Congresso desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002). Segundo o texto do PL 4302, apresentado em 1998 pelo Planalto, seria permitida a contratação de funcionários terceirizados inclusive para as atividades-fins da empresa.
Hoje, a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) limita a terceirização apenas às “atividades-meio”, que são aquelas que não são relacionadas diretamente com o ramo de atividade da empresa. Por exemplo, os serviços de limpeza ou segurança seriam atividades-meio de uma indústria alimentícia e, portanto, poderiam ser feitos por empresas terceirizadas.
A polêmica agora é que, em 2015, a Câmara aprovou uma proposta que trata do mesmo assunto do PL de FHC, mas que ainda precisa ser votada pelo Senado, onde a relatoria está com o senador Paulo Paim (PT/RS). Na época da votação na Câmara, uma emenda de autoria do PMDB e do partido Solidariedade, sem usar os termos atividade-fim ou atividade-meio, incluiu no texto a possibilidade de terceirização de qualquer setor de uma empresa. No entanto, os senadores articulavam ampliar a discussão na Casa, mas foram surpreendidos nesta terça-feira (21) com a inclusão do projeto antigo na pauta da Câmara. A votação está prevista para ocorrer nesta quarta-feira (22).
O texto enviado por FHC chegou a ser aprovado pelo Senado em 2002 e estava adormecido nas gavetas da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara desde 2003. Caso o PL 4302 seja aprovado agora pelos deputados sem alterações no texto, como esperam Maia e o Planalto, ele seguirá direto para a sanção do presidente Michel Temer e já começará a valer. Se for feita alguma alteração na Câmara, o projeto retorna para nova análise do Senado.
Manobra repercute no Senado
O senador Paulo Paim classificou a decisão de Maia de votar o projeto antigo de “malandragem”. “O eixo do projeto da terceirização de 1998 se resume simplesmente na destruição de tudo que construímos e que foi alcançado pelos trabalhadores brasileiros nos últimos cem anos de lutas”, disse o senador ao The Intercept Brasil.
Paim avalia que, caso o projeto da Câmara seja aprovado, o número de trabalhadores em situação precária vai aumentar. “Tínhamos um acordo, para que o projeto da terceirização que está lá na Câmara não fosse votado. Infelizmente, o acordo foi quebrado. Como é que um projeto de 1998 vai se sobrepor a um projeto que a Câmara votou há um ano atrás? Vamos trabalhar para aprovar o substitutivo que construí no Senado com todas as entidades sindicais. No meu relatório proíbo a terceirização na atividade-fim e amplio a todos os terceirizados os direitos assegurados na lei” afirmou o parlamentar.
Para o Coletivo por um Ministério Público Transformador, associação formada por membros do Ministério Público dos Estados e da União, a terceirização em discussão na Câmara dificultaria a fiscalização das condições de trabalho em órgãos públicos. “Também permitiria às empresas reduzir artificialmente seus quadros de empregados para não se submeter à obrigação legal de contratação de cotas de aprendizes (CLT, art. 429) e de pessoas com deficiência (Lei 8.213/90), reduzindo o espaço para o aperfeiçoamento profissional dos jovens e para a inclusão social dos trabalhadores mais vulneráveis” disse a associação por meio de nota.
A trama
Conforme é possível constatar na tramitação do projeto disponível no site da Câmara, em novembro de 2015, o deputado Laercio Oliveira (Solidariedade/SE) foi designado o novo relator do projeto. Em dezembro de 2016, Laércio apresentou um novo parecer, agora deixando claro que a terceirização pode ocorrer tanto nas atividades-meio quanto nas atividades-fim, em contradição com a súmula 331 do TST. Veja abaixo trecho do documento:
Nesta terça-feira, 21, cerca de 500 manifestantes ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) reuniram em frente ao Congresso Nacional para protestar contra o projeto. Representante da entidade, Wagner Freitas convocou a militância para uma vigília em defesa dos direitos dos trabalhadores: “Ficaremos aqui até que esse projeto seja retirado de pauta. Não podemos permitir que sejam retirados direitos e garantias essenciais do trabalhador”, disse.
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