Fotografias de Newsha Tavakolian — Magnum Photos
Quando Newsha Tavakolian chegou à selva colombiana para registrar as guerrilheiras das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, ela sabia que iria testemunhar um momento histórico. A guerra tinha terminado recentemente, e a vida dessas mulheres estava prestes a mudar. Após 50 anos de guerra clandestina, o acordo de paz com o governo colombiano inclui a construção de casas para os ex-guerrilheiros, que viveram anos como fugitivos na selva, e aulas semanais com professores, que vão “ensiná-los a ser cidadãos normais”, conta Tavakolian. “Coisas básicas, como não entrar na casa das pessoas sem autorização.” Quando os guerrilheiros passaram a poder ter animais de estimação, Tavakolian fotografou gatos dormindo aconchegados nos rifles das mulheres.
Desde fevereiro, quando o governo Trump anunciou planos de cortar em pelo menos 37% a ajuda diplomática ao país, muitos se perguntam o que vai acontecer com a Colômbia. Os Estados Unidos gastaram 10 bilhões de dólares com o Plano Colômbia desde 2000. O objetivo do programa era parar o fluxo de drogas para o norte, concentrando esforços e recursos no treinamento e na equipagem da polícia e do exército nacionais. O Plano Colômbia reforçou a guerra do governo contra as Farc, apesar dos constantes protestos de organizações de direitos humanos em relação a abusos cometidos pelas forças do governo apoiadas pelos Estados Unidos.
As Farc contam com cerca de 7 mil guerrilheiros. Em breve, eles vão deixar a selva e se reintegrar à vida civil. A dimensão desse desafio – especialmente para as mulheres, que representam cerca de 30% dos combatentes – foi o que levou Tavakolian à Colômbia.
Tavakolian chegou à América do Sul depois de fotografar combatentes curdas na Síria. A motivação da fotógrafa é entender o que leva mulheres a aderir a movimentos rebeldes. Com as curdas e as colombianas, Tavakolian aprendeu que, “quando o ser humano se encontra na situação de ter que lutar pela sobrevivência e proteger aqueles que ama, é capaz de qualquer coisa”. Na Colômbia, a fotógrafa registrou guerrilheiras que tinham entre 20 e 45 anos de idade.
“Em toda minha vida, eu nunca tinha visto uma chuva tão forte quanto naquela selva”, conta Tavakolian. “E é a primeira vez que [essas mulheres] têm tetos para protegê-las. Quando ouvem um helicóptero, ainda ficam muito ansiosas. Elas viveram muito tempo na selva, debaixo de chuva, fugindo permanentemente.”As mulheres das Farc afirmaram a Tavakolian que o processo de paz era bem-vindo, mas “todas disseram o mesmo: estão com medo do futuro, porque acham que os paramilitares vão matá-las” assim que depuserem as armas. Paramilitares de extrema-direita estão por trás de incontáveis casos de tortura e assassinato de ativistas sociais no país. Durante a guerra, eles agiam muitas vezes como emissários do governo; por isso, uma das exigências das Farc nas negociações de paz era justamente “o fim do paramilitarismo como uma política de Estado”. Uma recente onda de assassinatos de ativistas sociais e de membros das Farc reavivou esse medo.
Marina Ortis, acima, se juntou às Farc há 18 anos. Eu sou de Meta, uma região muito perigosa. Sempre tive muito medo dos paramilitares e também das Farc. Uma noite, fugi de casa para ir dançar com meus amigos. Quando chegamos, a boate estava cheia de gente armada. Estavam conversando com os civis, e ouvi uma mulher com um revólver contar para outra como se sentia segura sendo guerrilheira. Eu tinha 13 anos e só queria me sentir tão segura quanto aquela mulher. No dia seguinte, uma das minhas irmãs estava espancando meu irmão mais novo, eu revidei e bati nela para defender meu irmão. Por conta dos gritos, as Farc invadiram nossa casa e impediram que nos matássemos uns aos outros. Foi nesse dia que fui embora com eles. Éramos seis crianças numa casa sem pai e com uma mãe ausente. Quando cheguei ao acampamento no meio da selva, as primeiras pessoas que vi foram dois meninos que tinham desaparecido do nosso vilarejo havia muitos anos. Eu me senti acolhida e segura. Quando estava combatendo e atirando, vivia sentimentos contraditórios: felicidade por estar viva e tristeza pela pessoa que estava matando, porque aqui somos todos soldados lutando uns contra os outros, somos todos pobres e sem futuro. É por isso que lutamos uns contra os outros. Dezoito anos depois, quando reencontrei minha mãe e meus irmãos, eu só fiquei olhando para eles, nem chorei. Uma combatente nunca chora.
Heidi, acima à esquerda, se juntou às Farc há cinco anos. Quando eu começar a minha nova vida, vou ter que começar tudo do zero. Quero mudar a cor dos meus cabelos e das minhas unhas todos os dias. Quando você é uma guerrilheira e vive na selva, não tem tempo para esse tipo de coisa, apesar de tomarmos banho todos os dias e estarmos sempre limpas. Quando você é uma mulher com uma arma, nada muda em relação a ser mulher, você continua querendo estar bonita. Mas, muitas vezes, a situação não permite. Eu tenho medo do futuro porque muita coisa ainda é incerta para mim.
Angelica Valentino, posando com uma arma, aderiu às Farc quando tinha 12 anos. Quando minha mãe se casou pela segunda vez, eu não me dava muito bem com o marido dela e decidi fugir e me juntar às Farc. Sou uma cirurgiã. Não tenho nenhuma formação, mas fiz tantas operações que me tornei uma cirurgiã autodidata. Aprendi a não ter medo, porque o medo pode pôr você e os outros em perigo. Por exemplo, na primeira vez em que tive que cortar a perna de um guerrilheiro gravemente ferido, se eu tivesse sentido medo ou hesitado, a minha demora poderia tê-lo matado. Nesse tipo de situação, medo não significa nada. Já faz 12 anos que sou cirurgiã aqui. Foi aqui que me tornei mulher e aprendi a não confiar em ninguém além de mim mesma. Quando eu tinha 7 anos, minha mãe me mandou para a casa da minha tia porque não tinha condições de me alimentar. O marido da minha tia me estuprou por muitos anos. Dos 7 aos 12, fui constantemente estuprada. Aqui, eu encontrei minha família.
Andrea Cepeda, acima, aderiu à guerrilha quando tinha 16 anos de idade. Meu pai também era um guerrilheiro das Farc. Ele foi morto quando eu tinha 11 anos. Depois disso, minha mãe levou todos os filhos para Cali e começamos a trabalhar como fazendeiros. Os guerrilheiros estavam sempre por ali, e eu me perguntava se minha irmã e eu deveríamos nos juntar a eles. Um dia, tomei a decisão e saí de casa. Como eu era pequena, quando íamos para a batalha, meu comandante não me queria na linha de frente. Minha tarefa era tomar conta dos comandantes que ficavam na retaguarda. Todos os pertences que juntei nos últimos 8 anos cabem numa mochila pequena porque tínhamos que fugir o tempo todo, sem tempo para arrumar nada, tínhamos que estar sempre prontos. Eu perdi minha melhor amiga num ataque, queria que ela estivesse aqui comigo. Tenho medo do futuro, os paramilitares querem nos matar.
Tradução: Carla Camargo Fanha
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