Cinco anos atrás, eu fiz um aplicativo simples para iPhone. Ele enviaria uma notificação cada vez que um ataque de drones dos EUA fosse noticiado.
A Apple rejeitou o aplicativo três vezes, chamando de “conteudo excessivamente censurável ou grosseiro”.
Ao longo dos anos, eu tentei algumas vezes enviar o aplicativo novamente, mudando o nome de Drones+ para Metadata+ (metadados). Eu estava curioso para ver se a Apple mudaria de ideia. O aplicativo não incluía imagens ou videos de qualquer tipo – ele simplesmente agregava notícias sobre guerras secretas.
No centro de tudo havia uma questão: queremos estar tão conectados à nossa política externa quanto estamos aos nossos smartphones? Minha hipótese era que “não”. Norte-americanos não se importam com a guerra de drones, porque, na maioria das vezes, ela é escondida.
Em 2014, após cinco rejeições, a Apple aceitou o aplicativo. Ele ficou na App Store por quase um ano. De acordo com os dados internos da Apple, o Metadata+ foi baixado por mais de 50.000 pessoas.
Mas, no mês de setembro, a Apple decidiu deletar completamente o aplicativo. Eles alegaram que o conteudo, mais uma vez, era “excessivamente censurável ou grosseiro”.
Bom, a posição da Apple evoluiu. Hoje, após 12 tentativas, o Metadata está de volta à App Store.
Como um artista que trabalha com dados, penso que a história desse aplicativo seja sobre algo mais do que um conflito mesquinho com a Apple. É sobre o que pode ser visto – ou escondido – sobre a geografia de nossas guerras secretas.
Nos últimos 15 anos, jornalistas em atividade no Iêmen, no Paquistão e na Somália têm trabalhado duro para revelar os contornos dos ataques de drones dos EUA – em alguns casos, em situação de perigo para eles mesmos. Cineastas, acadêmicos e advogados fizeram um trabalho importante documentando os resultados horríveis desses ataques. Sites como The Intercept publicaram denúncias de testemunhas sobre como o programa secreto de drones funciona.
Mas, enterrada entre os detalhes, há uma verdade difícil: ninguém realmente sabe quem a maioria desses mísseis está matando.
Como os detalhes sobre a guerra de drones são escassos, nós só temos “metadados” sobre a maioria desses ataques – talvez uma data, o nome de uma província, talvez uma contagem de corpos. Na ausência de evidências documentais ou de testemunhas oculares, não há muita narrativa para se contar.
O nome “Metadata” tem um duplo significado: o aplicativo contém metadados sobre notícias em língua inglesa e, ao mesmo tempo, o nome se refere à base em que a maioria dos ataques é feita. (Como o General Michael Hayden disse, “matamos pessoas baseados em metadados”.)
Os smartphones nos conectaram mais intimamente a todos os tipos de dados. Como Amitava Kumar colocou recentemente, “a Internet entrega fragmentos feios de notícias e rumores ao longo do dia, e, com eles, um senso de intimidade quase constante com a violência”. Ainda assim, informações sobre ataques de drones – no universo da Apple – haviam, de alguma forma, sido relegados para além do horror.
O que significaria estar mais conectado a nossas guerras? Poderiam nossos celulares nos permitir ligar os pontos?
Com um presidente que planeja suspender ainda mais os constrangimentos da era Obama a ataques de drones, declarando partes do Iêmen e da Somália como “áreas de hostilidade ativas”, eu fico feliz de que a Apple tenha decidido parar de bloquear um aplicativo de notícias.
Se alguma coisa sobre o aplicativo é “excessivamente censurável ou grosseira”, talvez sejam os próprios ataques aéreos.
Tradução: Beatriz Felix
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