Reunidos na Comissão de Constituição e Justiça, um colegiado de senadores citados na Lava Jato começou a analisar o projeto de lei que pune o abuso de autoridades (PLS 280/2016). O projeto foi proposto no ano passado por Renan Calheiros (PMDB/AL) – réu no STF por peculato e emparedado em outros 11 inquéritos – e voltou à pauta da CCJ menos de duas semanas depois da deflagração da Operação Carne Fraca, que motivou discursos de parlamentares contra o suposto abuso da Polícia Federal na investigação de frigoríficos.
Assim como Renan, o presidente da CCJ, Edison Lobão (PMDB/MA), é investigado na Lava Jato e, para evitar ainda mais constrangimentos, transferiu para o vice-presidente, Antônio Anastasia (PSDB/MG), a responsabilidade de conduzir a reunião desta quarta-feira (29). O fato é que o projeto é visto como mais um recado ao Supremo Tribunal Federal e aos procuradores envolvidos nas investigações que avançam sobre o Congresso. Por isso, parte dos senadores ainda encara a análise do texto como inoportuna.
No início da sessão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) apresentou um pedido de realização de audiência pública antes da leitura do relatório. Ronaldo Caiado (DEM/GO) corroborou o coro dos insatisfeitos e encaminhou um requerimento para adiar a sessão, a fim de que houvesse tempo hábil para audiências públicas, mas seu pedido foi rejeitado pela comissão. Concordando com ambos, Ricardo Ferraço (PSDB/ES) disparou que “a pressa é inimiga da perfeição” e pediu que a leitura fosse adiada.
Senadora Gleisi Hoffmann e o relator do projeto que pune abuso de autoridades, Roberto Requião, em reunião da CCJ.
Foto: Pedro França/Agência Senado
Defesa de liberdades ou retaliação?
Há uma ala do Senado que vê no projeto uma tentativa de frear a Operação Lava Jato. Para outros, a proposta é necessária justamente pela ameaça que operações como Lava Jato e Carne Fraca causariam às liberdades individuais.
“Está mais com cara de retaliação do que de projeto de lei”O PLS 280 prevê, por exemplo, a prisão de um a quatro anos para a autoridade que “decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo”. O projeto estabelece mais de 30 tipos penais para punir, por exemplo, o juiz que decretar prisão preventiva, busca e apreensão de menor ou outra medida de privação da liberdade, em desconformidade com a lei. Também considera crime fotografar, filmar ou divulgar imagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima em processo penal, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal.
“Está mais com cara de retaliação do que de projeto de lei”, atacou Randolfe, na saída da CCJ. Segundo argumentou, não havia sentido em apresentar um parecer para o projeto e só depois fazer a audiência pública. “Claramente é uma pressa para votar isso, ignorando inclusive a sugestão do procurador-geral, Rodrigo Janot”. Segundo o senador a discussão do projeto está sendo atropelada para retaliar o Ministério Público.
Diante do retorno do projeto à pauta, Janot entregou ontem ao Congresso uma proposta que ameniza o texto. Ela criminaliza o abuso de autoridade de membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, mas não a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas. Para Janot, os agentes públicos não podem ser punidos pelo exercício regular de suas funções.
Mais tempo
O relator do texto que já tramita no Senado, Roberto Requião (PMDB/PR), disse que não há motivos para fugir do debate sobre abuso de autoridades no Brasil. Segundo ele, o projeto não se refere apenas a juízes e promotores, mas a todas as autoridades. “Amanhã um juiz de um município qualquer do Brasil pode determinar um depoimento coercitivo para um ministro do STF. Com a autonomia que eles têm, não será penalizado por isso”, argumentou.
Procurador-geral da República, Rodrigo Janot entrega proposta sobre abuso de autoridade ao presidente do Senado, Eunício Oliveira.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
De qualquer forma, chamou atenção a correria de Rodrigo Janot ao Congresso para se reunir com Rodrigo Maia, presidente da Câmara e reconhecido como o “Botafogo” na planilha da Odebrecht, e Eunício Oliveira, presidente do Senado e o “Índio“, na mesma planilha que indica propinas a políticos.
A presença do chefe do Ministério Público em negociatas com congressistas delatados e investigados pegou mal para a instituição. Ademais, salta os olhos que as autoridades eleitas e enroladas com a Justiça conduzam mudanças legislativas essenciais para a continuidade das investigações.
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