O dia 13 de março de 2016 ficou marcado na história do jornalismo brasileiro como o dia em que Kim Kataguiri, o jovem líder do MBL que abandonou a faculdade porque sabia mais de economia do que o professor, apelou para os Power Rangers na primeira página do maior jornal do país no que deveria ser o chamado à tomada popular do poder horas antes da maior das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Estranhamente, o excerto não rendeu nenhum prêmio Esso, mas assim é a vida: tomada por vilões de seriados e injustiças, não exatamente nessa ordem.
Um ano e alguns ministros do governo da salvação decapitados depois – a maioria por suspeita de corrupção e um por denunciar um colega por tráfico de influência – parece claro, ou deveria estar, o risco de incensar a líderes das causas populares aqueles que têm por vivência ou referência teórica aquilo que aprenderam na TV. O rescaldo da revolução (sic) é a cota da vergonha alheia.
Em tempos de dissolução dos grupos tradicionais de representação, com oligarquias acuadas entre lupas e restrições sobre sistemas de financiamento de campanha, um caminho encontrado por quem sonha em mudar tudo para tudo permanecer como está foi lançar às disputas quem na largada possui rosto, público, dinheiro e amigos com dinheiro para bancar a aventura.
Sai o político, entra o gestor amigo dos políticos.
O tucano João Doria, empresário que conseguiu proezas como a engorda de anúncios da própria revista desde que virou prefeito em São Paulo, filho dileto desse novo modelo, já faz escola: a visibilidade como apresentador de reality show o inspira a voos mais altos e animou outros apresentadores a deixarem (?) o set para apresentar lições para salvar o mundo real com a experiência dos programas de auditório.
Se os aprendizes Donald Trump e João Doria conseguiriam, que dizer de quem tem um caldeirão inteiro de ideias para a tomada do poder e das consciências?
Quem tinha curiosidade não tem mais. Na edição desta quinta-feira na Folha de S.Paulo, Luciano Huck, deixou as colunas de entretenimento para ganhar no caderno de política uma página inteira – espécie de latifúndio para os padrões atuais de espaço editorial – para desenhar a sua análise da conjuntura.Sai o cientista político, entra o apresentador de auditório.
Na entrevista, o apresentador atribui ao trabalho com o microfone o poder conquistado junto aos 40 milhões de seguidores das redes sociais e 18 milhões de espectadores do seu programa. Mal contém a empolgação ao ver que sua geração tomou as rédeas do dia a dia – um exemplo é a nomeação do insuspeito Alexandre de Moraes, aos 47 anos, ao Supremo Tribunal Federal. E define carisma, capacidade de implementação, ética e altruísmo como peças-chave para quem quer aproveitar o colapso político para, em vez de escrever livros de autoajuda, liderar um projeto novo de país.
Na deixa, Huck respondeu ao menos sete questionamentos, diretos ou indiretos, sobre a possibilidade de se apresentar como opção a este sistema combalido – um deles sem sequer ponto de interrogação: “a campanha de um nome da TV seria mais barata, por ser conhecido…”
Apesar das perguntas-convite, Huck garante que não é candidato, apesar da torcida de amigos como FHC e da proximidade com Aécio Neves, slogan das camisas “A culpa não é minha” e nome onipresente das delações da Lava Jato, o principal movimento, segundo Huck, para refazer e ressignificar as bases morais e éticas do Brasil.
Até 2018, o apresentador espera ver Michel Temer, o vice do grande acordo nacional, com Supremo, com tudo, mudar a história usando a impopularidade “para fazer o que precisa, para corrigir os erros da construção da nossa democracia”.
Para Huck, “o único jeito de arrumar esse país é se a gente conseguir fazer um pacto apartidário, sem revanchismo, sem revolta”. Se foi golpe ou não, alerta, “não importa”.
Para quem gosta de bordões, a próxima eleição, se houver, promete ser uma loucura, loucura, loucura.
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