"Ligue 180" recebeu 58 denúncias contra Marcos feitas pelo público do BBB

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"Ligue 180" recebeu 58 denúncias contra Marcos feitas pelo público do BBB

Para advogada, omissão da Globo permitiu que violência psicológica chegasse à física mesmo na "casa mais vigiada do Brasil".

"Ligue 180" recebeu 58 denúncias contra Marcos feitas pelo público do BBB

No último domingo , dia 9, um dia depois de o público acompanhar episódios de violência doméstica transmitidos em rede nacional pelo Big Brother Brasil, foram registradas 58 denúncias contra o participante Marcos Harter no disque 180 — o canal de denúncias para casos de violência contra a mulher mantido pelo governo federal, segundo dados obtidos com exclusividade por The Intercept Brasil. Na segunda, dia 10, sob pressão da opinião pública e da abertura de inquérito sobre o caso, o gaúcho, que protagonizou as cenas, foi expulso do programa pela produção. O caso joga luz sobre a violência psicológica e a possibilidade de terceiros denunciarem violência doméstica.

Marcos, 37, protagonizou cenas de violência psicológica e física, nas quais humilhava e machucava sua namorada Emilly Araújo, 20. Na noite de sábado, após ser indicado ao “paredão”, ele pressionou as colegas da casa, recaindo especialmente sobre a namorada — prática que já se tornara habitual. Gritou e empurrou a jovem contra a parede, apertando e machucando seu braço durante uma discussão. “Marcos, tá doendo”, dizia ela, enquanto o companheiro fechava a mão em torno do seu pulso e não a deixava falar. Em outra cena, colegas do programa comentaram sobre hematomas nos braços da gaúcha, frutos de beliscões que o namorado dava nela durante as brigas.

A secretária de Políticas para Mulheres, Fátima Pelaes, identificou o movimento como sinal de avanço da cidadania:

“As pessoas passaram a identificar alguns comportamentos machistas e a reconhecê-los como crimes. À medida em que as vítimas têm amparo para denunciar e os agressores são punidos, a sociedade se torna consciente e passa a reagir contra os abusos. A redução das desigualdades e o enfrentamento à violência contra a mulher são missões do Estado com toda a sociedade, onde cada cidadão tem um papel importante a desempenhar: construir um mundo mais igual de direitos e oportunidades.”

Denúncia de terceiros é de alta importância

Segundo Tatiana Queiroz, delegada titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Belford Roxo, no Rio de Janeiro, a denúncia de terceiros por meio do 180 é importante porque trava o ciclo da violência. “Tudo pode começar como simples injúrias, passando para lesões corporais leves, se tornando lesões corporais um pouco mais graves e se tornando até um homicídio”, explica. A delegada lembra que o denunciante tem sua identidade preservada.

Nos casos de lesão corporal, o inquérito é aberto de imediato. Porém, nos casos de violência psicológica, a vítima precisa denunciar o agressor, por ser considerada uma questão de foro íntimo. “Um terceira pessoa pode denunciar através do Disque 100, do 180 ou da delegacia. No entanto, a gente depende da representação da vítima. A partir do momento em que ela representa, não pode mais retirar a queixa”, explica Queiroz.

Em caso recente, similar ao retratado no reality show, Poliana Chaves, mulher do cantor Victor Chaves, registrou queixa de agressão contra o marido e depois publicou uma nota dizendo que ele não a havia machucado. O inquérito seguiu, independente das manifestações do casal, e Victor foi indiciado pela Polícia Civil de Minas Gerais com base em gravações de câmeras de segurança de seu condomínio nas quais é possível vê-lo tirando a mulher, à força, de dentro de um elevador. O sertanejo foi denunciado pelo Ministério Público e agora é réu em processo por contravenção penal.

Desde 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal permite que o MP siga com uma ação penal sem necessidade de representação da vítima. A corte entendeu que, chantageadas, muitas mulheres retiram a queixa com medo de perderem, por exemplo, parte da guarda de seus filhos. Após a votação, a ministra Cármen Lúcia evocou expressões antigas como “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” — as quais classificou como “ultrapassadas” — para dizer que a sociedade e o direito estão avançando nesse âmbito. “A violência contra a mulher passou a ser objeto de tratamento pelo Estado”, afirmou.

Violência psicológica é subestimada

Muitos acreditam só haver violência quando ela é manifestada fisicamente. Reflexo disso é que, das 58 denúncias contra Marcos no 180, apenas 4 relataram também a violência psicológica. No entanto, o artigo 7 da Lei Maria da Penha (lei 11.340) abrange essa forma de violência, como casos em que existe qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima da mulher.

Das 58 denúncias contra Marcos no 180, apenas 4 relataram também a violência psicológica.

“Ela acontece de várias formas e para citar algumas, pode ocorrer com ações mediante constrangimento, humilhação, chantagem, manipulação ou com controle de seu direito de ir e vir, que pode se dar quando a pessoa é isolada para que outras não alertem sobre o comportamento do agressor”, explica Marisa Gaudio, presidente da OAB Mulher do Rio de Janeiro.

De acordo com a advogada, as cenas protagonizadas por Emilly e Marcos são uma representação do que ocorre no mundo real. “Pode ocorrer briga entre o casal, mas quando se torna uma violência é um fato grave. De fato é muito subjetivo traçar esse limite. Mas a conduta do Marcos a gente pode considerar uma violência. Ele é muito mais forte que ela, a encurralou na parede, colocou o dedo na cara. Ele a ameaçou”, afirma Gaudio.

Ela lembra que as pessoas muitas vezes atribuem a ação do agressor a alguma atitude tomada posteriormente pela vítima. “Ela o irritou, mas nada justifica. O que ocorre é que as mulheres ainda sentem como se elas fossem as responsáveis. Elas passam por um momento de negação e não conseguem enxergar. É muito comum esse comportamento. As pessoas não se dão conta, é uma violência silenciosa e, por isso, perigosa”, explica Gaudio.

“As pessoas não se dão conta, é uma violência silenciosa e, por isso, perigosa”

A advogada Angela Donaggio, do grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da FGV Direito SP, explica que os efeitos da violência psicológica podem ser até mais profundos do que os da violência física: “o agressor vai manipulando e minando a autoconfiança da vítima, que muitas vezes não percebe estar sendo alvo de um tipo de violência e, não raro, chega a se culpar depois; como estamos percebendo acontecer com Emilly, ela tem se demonstrado culpada por ele ter sido agressivo e por ter sido expulso da casa”.

Para a advogada, “é triste, porém importante” que um caso destes tenha acontecido dentro de um reality show com os números de audiência do BBB.

“A importância desse caso está no fato de que ele perpassa por todas as etapas da violência. Desde intimidação, humilhação, até a agressão física. Isso entra na casa das pessoas e faz com que as vítimas — que em geral não percebem estar sofrendo com coisas semelhantes — se questionem sobre a própria situação. A Globo, no entanto, errou ao se omitir durante muito tempo, deixando se perpetuar uma violência psicológica até chegar ao ponto de se tornar física.”

Polícia foi aos estúdios

A delegada titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), Viviane da Costa, foi ao estúdio na madrugada de sábado para domingo para analisar as gravações que mostravam as brigas do casal. Segundo a emissora, Emilly Araújo passou por um exame clínico realizado por um médico da própria empresa. Com base nesse exame, um inquérito de lesão corporal foi instaurado.

Na terça-feira, a jovem usou seu único canal de contato com o exterior do estúdio para enviar uma mensagem ao agressor. Sua fala reflete o comportamento de muitas vítimas de relacionamentos abusivos, a não percepção de estar sofrendo uma violência psicológica:

“Meu bem, Marcos, eu quero deixar bem claro que eu sei que tu nunca teria a intenção de me machucar. Tu tá muito cansado. Eu sei que um dos principais motivos de tu estar aqui era por mim. Eu espero que tu esteja bem, que tu esteja junto da tua família. Eu quero que dê tudo certo. Eu quero ficar bem. Eu quero que dê tudo certo.”

Já fora do confinamento, Marcos afirmou que considera processar a gaúcha, mas logo depois publicou uma nota em suas redes sociais em que pede desculpas pelas agressões: “Jamais tive a intenção de machucar física ou emocionalmente uma pessoa pela qual nutri tanto carinho e afeto”. Com ou sem intenção, conforme o próprio apresentador do programa, Tiago Leifert, disse ao expulsar Marcos do programa “ficaram comprovados indícios de agressão física”.

Casos recentes de violência de gênero — como o de José Mayer e de Vitor Chaves — mostram que violência de gênero não demanda apenas um pedido de desculpas, é necessário que se cumpra a lei.

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