A ex-presidente Dilma Rousseff está no centro da Operação Lava Jato desde o já remoto dia 17 de março de 2014, quando policiais federais foram às ruas para cumprir 130 mandados judiciais e prender 18 pessoas. Era a primeira das, até aqui, 39 fases do que se tornaria a maior ofensiva contra a corrupção no país. Com tantas ramificações, é sempre bom lembrar que tudo começou com desvios em diretorias da Petrobras. E Dilma presidiu o conselho de administração da estatal durante sete anos (2003-2010), período no qual a corrupção corroía a empresa, ainda longe dos olhos da polícia.
Três anos e um mês depois, com a operação agora no seu ápice, Dilma sai ilesa de acusações como troca de favores, pedido direto de contrapartidas, recebimento de presentes extravagantes ou mesmo participação em rateio de propina em contratos da Petrobras. Isso inclui suas passagens nos cargos estratégicos de ministra de Minas e Energia (2003-2005) e chefe da Casa Civil (2005-2010).
Mas, embora nada tenha sido dito contra a ex-presidente em relação a esses aspectos pelas dezenas dos mais altos funcionários e executivos da Odebrecht, pesa contra ela a grave acusação de que sabia e, conforme delatores, “orientava” pagamentos para sua campanha. O tema também é tratado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no processo que pede a cassação da chapa presidencial formada por ela e Michel Temer.
Na Lava Jato, ela agora é alvo de dois pedidos de inquéritos, encaminhados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin para instâncias inferiores. Caso seja oferecida denúncia pelo Ministério Público e o teor das delações se confirmem, ela pode ser condenada não apenas por crime eleitoral, mas também por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.Esse é o cenário desenhado pelo Ministério Público, e agora reforçado pela confissão de João Santana – marqueteiro e espécie de conselheiro político informal de Dilma – de que recebeu recursos de origem ilegal e que foi “cúmplice de um sistema eleitoral corrupto”. Ele fechou, há duas semanas, delação premiada com a Procuradoria-Geral da República. Seus depoimentos tendem a complicar Dilma, ao menos na questão eleitoral.
Por ora, boa parte da peça do MP contra a ex-presidente da República se baseia em declarações de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora.
Pagamentos a João Santana e aliados
O que mais implica Dilma nos depoimentos é uma suposta orientação dada por ela para que seu então ministro da Fazenda, Guido Mantega, cuidasse de uma conta mantida ilegalmente pela Odebrecht para bancar campanhas do PT e de aliados – entre elas a sua própria campanha à reeleição, com gordos pagamentos no exterior para João Santana.
Marcelo Odebrecht detalhou aos procuradores e disse de maneira resumida ao TSE que, sob a orientação de Dilma, Mantega assumiu o posto de interlocutor com a Odebrecht após a saída de Antônio Palocci do comando da Casa Civil, em julho de 2011. Em seus depoimentos de delação, no entanto, ele não diz especificamente se os pagamentos aos quais se referiu nas conversas com Dilma eram doações ilegais.
Caixa 2 em 2014
Com relação à eleição de 2014 Marcelo afirma que o tesoureiro da campanha da reeleição de Dilma, Edinho Silva, atual prefeito de Araraquara (SP), sabia do acordo para pagamentos diretamente para contas indicadas por João Santana no exterior. E que as contribuições eram um acerto entre a empreiteira, Dilma e Guido Mantega – o que indicaria que Dilma sabia que o dinheiro para João Santana trabalhar em sua campanha era pago fora do país, numa operação irregular.
Além dessa passagem, Marcelo Odebrecht ainda declarou em seu depoimento ao ministro Herman Benjamin, relator da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, que Dilma sabia que boa parte dos recursos repassados para João Santana não vinha do “caixa 1” do partido. “Ela nunca me disse que ela sabia que era caixa 2, mas é natural, (…) ela sabia que toda aquela dimensão de pagamentos não estava na prestação do partido”, disse Marcelo.
Outro ex-executivo da Odebrecht, Alexandrino Alencar, também cita contribuições da empreiteira nas eleições de 2014. Ele fala de um pedido feito por Edinho Silva, que depois virou ministro da Comunicação Social da Presidência da República, para que a empresa abastecesse partidos da coligação de Dilma com R$ 35 milhões.
Alencar conta que Edinho se encontrou com ele e Marcelo Odebrecht para pedir doações tanto legais como via caixa 2 para cinco partidos que dariam mais de 3 minutos na propaganda eleitoral da coligação. PROS, PC do B, PRB, PDT e PP receberiam R$ 7 milhões cada um para garantir apoio à chapa Dilma-Temer, disse o delator.
“Eu perguntei pra ele [Edinho] de onde é que vinha essa orientação e ele disse que vinha do comitê eleitoral, que depois eu soube que era: João Santana, Rui Falcão, Aloízio Mercadante, Giles Azevedo e ela – ela, a presidenta. Essa negociação dos partidos veio do comitê”, afirmou Alencar.
Em uma declaração que parece ser uma ponta solta em sua delação, Marcelo conta que tentou avisar Dilma, já com a Operação Lava Jato em curso, que sua campanha à reeleição poderia estar contaminada com os pagamentos feitos a João Santana via caixa 2.
A questão é: se Dilma fazia parte do comitê que teria pedido verbas de caixa 2 para a campanha, e se ela sabia da conta “pós Itália”, por que motivo Marcelo precisaria avisar a presidente desses pagamentos tempos depois?
“Las Vegas” e sua relação com a Odebrecht
Uma outra ponta que era uma aposta de adversários de Dilma como “bala de prata” contra ela era a atuação desenvolta de seu assessor de confiança, Anderson Dorneles. Marcelo Odebrecht explica que conhecia Anderson desde “2003 ou 2004”, quando era assessor da então ministra Dilma Rousseff – uma espécie de “carregador de malas”. A proximidade era necessária para que o presidente da companhia tivesse um canal mais direto de comunicação com Dilma.
Por anos, segundo o executivo, Anderson só havia lhe solicitado convites para camarotes dos carnavais de Salvador e Rio de Janeiro. O pedido de dinheiro vivo surgiu em 2012, quando “Las Vegas”, codinome do assessor na lista de pagamentos do setor de operações estruturadas da empresa, pediu uma ajuda a um amigo.
O delator e ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht Claudio Melo Filho disse aos promotores que Marcelo o apresentou a Anderson e, posteriormente, o orientou a fazer pagamentos a ele. Melo conta que os três primeiros repasses de R$ 50 mil foram feitos a Fábio Veras. Depois, o amigo que recebeu as últimas quatro parcelas passou a ser Douglas Rodrigues.
Marcelo Odebrecht explica que aceitou fazer os pagamentos porque ficou receoso de que sua relação com Anderson e, respectivamente, com Dilma, ficasse pior. Para deixar mais claro seu ponto, deu um exemplo de como a proximidade com com Anderson o ajudou:
“Uma vez saiu na Folha de S.Paulo uma nota que dizia que meu pai [Emílio Odebrecht] havia falado mal da Dilma em uma festa. Rapidamente eu mandei um email para o Anderson dizendo que aquilo era mentira, e a presidenta foi informada disso. Se eu não tivesse feito esses pagamentos, talvez meus e-mails poderiam começar a não chegar.”
Apesar desses fortes indícios de relação imprópria entre uma construtora e um assessor palaciano, com acesso livre ao gabinete presidencial, não há nas delações menção de que Dilma tinha conhecimento desses pagamentos ou que tenha feito alguma contrapartida direta ou indiretamente.
“É mentira”
Em nota divulgada após a revelação das delações premiadas da Odebrecht, Dilma diz que “nunca pediu recursos para a campanha” ao empresário Marcelo Odebrecht.
“É mentira que Dilma Rousseff tivesse conhecimento de quaisquer situações ilegais que pudessem envolver a Odebrecht e seus dirigentes, além dos integrantes do próprio governo ou mesmo daqueles que atuaram na campanha da reeleição. Ele não consegue demonstrar tais insinuações em seu depoimento. E por um simples motivo: isso nunca ocorreu. Ou seja: o senhor Marcelo Odebrecht faltou com a verdade”, diz trecho da nota.
Edinho Silva, também em nota divulgada nos últimos dias, afirma que seu trabalho como coordenador financeiro da campanha “foi realizado dentro da legalidade e que todas as doações estão declaradas ao TSE, sendo elas analisadas e aprovadas por unanimidade pelo órgão”.
Em nota divulgada em dezembro, Anderson Dorneles já se defendia das acusações. “Nunca solicitei ou recebi qualquer ajuda financeira, nem tão pouco autorizei terceiro que o fizesse em meu nome”, escreveu, ressaltando que nunca foi responsável pela agenda da ex-presidente Dilma.
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