Enquanto a construção do gasoduto Sabal Trail, que vai transportar gás natural para a Flórida, entra em sua etapa final, o governo Trump ameaça acabar com os programas federais de restauração e proteção das águas de Everglades. A nova rede vai levar o gás de uma estação coletora no Alabama para outra na região central da Flórida. De lá, o gasoduto Southeast Connection, que deve ficar pronto em 2019, vai transportar o gás até novas usinas elétricas do sul da Flórida. A região de Everglades será, portanto, o ponto final do longo caminho a ser percorrido pelo gás extraído por fraturamento hidráulico na Pensilvânia.
“Nas horas difíceis, ela era nosso refúgio, nos dava abrigo e comida, nos protegia”, conta a The Intercept Betty Osceola, membro da tribo Miccosukee. “Ela” é a região de Everglades. “Agora é nossa vez de protegê-la. É por isso que nossa tribo está fazendo tudo isso”.
A fotógrafa Rose Marie Cromwell, de Miami, se interessa pelo que chama de “linha tênue entre o político e o espiritual”. Ela fotografou Osceola na reserva indígena de Tamiami Trail, durante o trabalho de levantamento da qualidade da água, que a tribo realiza duas vezes por ano. Cromwell também acompanhou um protesto contra o gasoduto Sabal Trail ao lado de Bobby C. Billie, membro do Council of the Original Miccosukee Simanolee Nation Aboriginal People, grupo indígena que rejeita a apelação federal de tribo.
No início do século XX, a parte sul da Flórida, que começa logo abaixo de Orlando, ainda era uma região tomada por pântanos tropicais, que a população Miccosukee costumava percorrer de canoa, de uma margem a outra. Após várias invasões por parte do exército americano, muitos membros da tribo Seminole, que, na época, ainda incluía os Miccosukee, foram forçados a se mudar para Oklahoma. Mas um grupo resistiu e se instalou mais ao sul, nas profundezas de Everglades, onde o exército não poderia alcançá-los.
No fim das contas, os colonizadores acabaram se instalando na região – e seus descendentes continuam o movimento até hoje. Só no ano passado, a população da Flórida teve um aumento de 367 mil habitantes, ou seja, mais de mil novos moradores por dia. O Corpo de Engenheiros do exército americano construiu um complexo sistema de canais e barragens para drenar o terreno e abrir caminho para a produção de cana-de-açúcar e o loteamento de terras. O Parque Nacional de Everglades foi instituído para preservar uma parcela do ecossistema. Só que a configuração da rede de canais fez com que todo o resíduo fosforoso acabasse sendo escoado para o território Miccosukee, que fica nas imediações do parque. Com isso, ervas daninhas e outras espécies invasoras proliferaram nas águas da tribo, e partes do território se tornaram inabitáveis por conta das frequentes inundações.
Frustrada com a atuação dos governos estadual e federal, a tribo de Osceola decidiu tomar as rédeas da proteção de Everglades. Anos atrás, conseguiram convencer a Agência de Proteção Ambiental (EPA) a atribuir um padrão de qualidade mais alto para as águas dos pântanos. Duas vezes por ano, Osceola põe sua frota de aerobarcos à disposição para o controle de qualidade. Os dados obtidos servem muitas vezes de argumento para combater as persistentes tentativas do governo de reduzir os esforços de restauração hídrica.
A desconfiança dos Miccosukee não é à toa. Sob o comando do governador Rick Scott, o estado da Flórida tem reduzido a fiscalização da qualidade da água, mas acelerado a emissão de licenças para empreendimentos. Agora, o governo Trump está propondo diminuir ainda mais o apoio federal a Everglades, acabando, por exemplo, com a South Florida Geographic Initiative, um projeto da EPA para coletar dados sobre os níveis de contaminação por fósforo e mercúrio na região. Em 2012, esses dados embasaram uma grande ação judicial contra o estado da Flórida, que ficou obrigado a pagar 880 milhões de dólares para limitar o escoamento de resíduos agrícolas.
Enquanto Osceola e muitos outros continuam o longo trabalho de restauração dos cursos d’água, um movimento itinerante contra o gasoduto de Sabal Trail vem tentando parar o projeto à base de ações jurídicas, acampamentos e manifestações organizadas. O combate ao oleoduto da Dakota Acess deu fôlego à batalha da Flórida. Para abrir caminho para a obra, que está quase pronta, trechos inteiros de florestas exuberantes foram derrubados e muitos cursos d’água, interrompidos.
Para Bobby C. Billie, lutar contra o gasoduto está profundamente ligado à identidade. “Ele entende a destruição do meio-ambiente como uma forma de autodestruição”, explica Cromwell.
Para Osceola, a batalha para impedir que os resíduos destruam Everglades e a luta contra o gasoduto de Sabal Trail são uma coisa só. No fim das contas, o projeto vai fornecer energia para sustentar as incríveis taxas de crescimento e desenvolvimento do estado, o que, por sua vez, significa mais destruição da região pantanosa. Significa também mais anos de dependência do gás natural, em vez de uma transição para uma política energética sustentável, com alternativas solares e renováveis.
O metano que se desprende da combustão do gás vai piorar o aquecimento e, consequentemente, a elevação do nível do mar na costa da Flórida. A água salgada, que já se infiltra pela terra porosa dos pântanos drenados, vai avançar ainda mais. É a mais nova invasora da ponta sudeste dos Estados Unidos.
O reverendo Houston R. Cypress, do Otter Clan, colaborou com esta reportagem fotográfica.
Tradução: Carla Camargo Fanha
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