(este texto contém correção)
Diante da reiterada negativa do presidente Michel Temer em renunciar em meio à grave crise política, um grupo de congressistas pressiona a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados para que seja votada o quanto antes a proposta que garante eleições diretas em caso de vacância da Presidência nos dois últimos anos do mandato. A Constituição determina que o Congresso faça uma eleição indireta caso o presidente deixe o poder neste período. Mas a Proposta de Emenda à Constituição 227/2016, do deputado Miro Teixeira, prevê que a escolha do novo presidente seja feita pelo povo. Há uma máxima antiga que não existe espaço vácuo na política. Uma vez ferido, Temer começa a perder apoio dentro de sua própria base aliada, o que pode abreviar em sua queda para antes de 2018.
A discussão da PEC 227/2016 vem ganhando força nos últimos dias após as revelações feitas pelos empresários da JBS e sobre o presidente. Desde a última quarta-feira, depois da divulgação do áudio gravado pelo empresário Joesley Batista, a Câmara recebeu pelo menos 8 pedidos de abertura de impeachment assinados por partidos políticos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pretende apresentar um novo pedido nos próximos dias.
O argumento usado por oposicionistas é que o Congresso Nacional não teria credibilidade junto à população para eleger indiretamente o presidente da República. Agentes políticos e econômicos observam com atenção o desenrolar da crise, temendo que uma paralisia do Congresso impeça a continuidade de votações como a das reformas da Previdência e Trabalhista.
The Intercept Brasil conversou com o professor Argemiro Martins, especialista em Direito Público da Universidade de Brasília, para entender os rumos dessa proposta. Segundo o professor apenas com eleições diretas o Brasil poderia sair da crise política. Ele ressalta que o atual Congresso, composto por dezenas de políticos investigados, não teria legitimidade para escolha do novo presidente e defende que o povo, principal afetado pela crise, decida sobre os rumos do país.
“Caso a escolha do novo presidente não se dê por via direta, seja qual for o nome que ocupar um mandato tampão até 2018, ele terá um problema sério de crise de legitimidade.”
The Intercept Brasil: Como o senhor avalia a proposta do deputado Miro Teixeira (PEC 227/2016) para eleições diretas no Brasil?
Argemiro Martins: A PEC busca uma adequação do artigo 81 da Constituição Federal para que preveja eleição direta em até 90 dias, no caso de vacância do cargo nos dois últimos anos do mandato.
A legislação eleitoral, modificada em 2015, estipulou a seguinte regra: no caso de decisão da Justiça Eleitoral para cassar uma chapa eleita, o que pode vir a ocorrer com Temer, teria que haver eleição direta. Essa modificação na legislação é questionada em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN’s) no Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, a PEC visa constitucionalizar isso [a eleição direta], até para acabar com qualquer dúvida de que possa haver eleição direta na hipótese bastante plausível de que Michel Temer venha a cair.
TIB: Eleições diretas ou indiretas para sair da crise, qual o melhor caminho?
Martins: Do ponto de vista político e institucional, considero as eleições diretas a melhor saída para a crise. Para tentarmos estancar essa crise, penso que a melhor alternativa sejam eleições gerais tanto do Congresso quanto do chefe do Poder Executivo. Caso a escolha do novo presidente não se dê por via direta, seja qual for o nome que ocupar um mandato tampão até 2018, ele terá um problema sério de crise de legitimidade. Isso seria um prolongamento da crise. Com eleição direta, pode ocorrer uma tentativa de solução. Mas isso é tudo no campo das hipóteses, porque os riscos que estão sendo colocados no campo político são grandes, os desafios são enormes.
TIB: O sr. vê no julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral uma saída para a atual crise política?
Martins: Pelo que se começa a projetar, talvez o desfecho da atual crise possa ocorrer no julgamento no TSE. Ali há a possibilidade de ocorrer a cassação da chapa e, por consequência, do mandato do presidente Michel Temer.
No entanto, algo que me preocupa é que tudo isso ainda tenha que passar pelo STF, o que caracteriza um aspecto meio preocupante da nossa política atualmente. Estou falando da judicialização da política e seu inverso, que é a politização do Judiciário, que nunca esteve tão poderoso para decidir questões cruciais da esfera política quanto hoje.
Isso me causa preocupação, porque a ideia de uma solução de uma crise política desta gravidade passar por um esfera que não é a política, mas o poder judiciário, ou o TSE em especial.
TIB: Há legitimidade no atual Congresso para conduzir um processo de eleição indireta?
Martins: Quando é falado que precisamos aplicar a literalidade do artigo 81 da Constituição, realmente o que se diz é que [em caso de vacância da Presidência] nos dois últimos anos se faz eleição indireta. Isso é uma norma constitucional que tem que ser vista sob o ponto de vista da legitimidade. E a legitimidade é o que falta neste Congresso como um todo.
“Precisamos de um novo Congresso e um novo presidente com respaldo e legitimidade eleitoral do povo brasileiro.”Nessa atual conjuntura reafirmar a Constituição sem uma análise de conteúdo ou de legitimidade dos agentes políticos é falacioso. Justamente nessa condição, quem deve decidir sobre essa crise são os afetados por ela, ou seja o povo brasileiro.
A Constituição não deveria ser vista apenas como aplicação de regras, pura e simplesmente. Ela se apóia em um contexto político, inclusive bastante grave, que estamos passando hoje. Para superarmos essa crise que estamos vivenciando hoje, precisamos de um novo Congresso e um novo presidente com respaldo e legitimidade eleitoral do povo brasileiro.
TIB: Em caso de novas eleições o senhor vislumbra algum nome forte para assumir e unificar o país?
Martins: Com a iminente queda do governo Temer, o bloco de poder que o sustentava rachou. Então começam a surgir os mais variados nomes. Em tempos de crise não faltam soluções das mais estapafúrdias possíveis.
Em qualquer eleição os candidatos serão identificados com algum grupo político ou econômico, por isso acho que uma eleição direta seja o melhor caminho. Seja qual for a identificação desse candidato, caberia ao povo referendar o nome, e não uma elite político/empresarial, ainda mais num contexto de crise política como o nosso.
CORREÇÃO:
Diferentemente do citado anteriormente na reportagem, o número da PEC que prevê eleição direta é 227, não 277.
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