Em agosto de 2015, policiais federais encontraram um manuscrito no escritório do irmão do ex-ministro José Dirceu, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, com nome e dados bancários de uma empresa: a Mediterranean Oil & Gas Consulting Limited. A firma, criada em Malta, pode representar mais uma ligação entre duas operações de combate à corrupção: a brasileira Lava Jato e a portuguesa Marquês. Como pano de fundo deste elo, está o bilionário negócio da compra de parte das ações da Oi/Telemar pela Portugal Telecom, em 2010.
Os dados dos registros públicos, que estão incluídos nos Malta Files, revelam que a Mediterranean Oil & Gas foi aberta em abril de 2013, então com o nome de Serra Consulting Limited, pelo advogado português João Fernando Abrantes Serra. Se nos documentos da Lava Jato, é um manuscrito que liga o irmão de Dirceu a Abrantes Serra, na Operação Marquês, os laços se mostram mais consistentes.
As investigações do Ministério Público português apontam que repasses de 30 mil euros mensais, feitos entre março de 2011 e julho de 2014, ao escritório de Abrantes Serra teriam, na verdade, como destino final Luiz Eduardo de Oliveira e Silva e seu irmão José Dirceu. O valor suspeito chega a 1,230 milhão de euros. As revelações foram feitas pelo jornal Observador, em março deste ano.
O dinheiro saiu do grupo ligado ao Banco Espírito Santo (BES), também investigado na Operação Marquês por interesses em negócios da Portugal Telecom. Segundo o Observador, para o MP de Portugal, “não há dúvida” de que os pagamentos para o advogado Abrantes Serra “reverteram em benefício de José Dirceu para alegadamente compensar as suas intervenções junto das autoridades brasileiras a propósito do negócio de compra de uma participação de 22,4% na Oi/Telemar”.
Ao todo, 25 pessoas estão na mira dos procuradores no processo, que já levou inclusive à prisão do ex-primeiro-ministro português José Sócrates por quase um ano.
Abrantes Serra teria sido a grande ponte entre o então executivo da Portugal Telecom Henrique Granadeiro e José Dirceu, graças à boa relação que o advogado português tinha com ele e seu irmão, como noticiou, em 2015, reportagem do jornal português Público. E o objetivo dos pagamentos seria uma retribuição pela ajuda no Brasil do ex-ministro – ainda influente nos bastidores do mundo político, mesmo tendo deixado o cargo em 2005 – na obtenção de apoio junto aos órgãos reguladores brasileiros e ao BNDES para a concretização do negócio entre a empresa portuguesa e a Oi/Telemar.
A reportagem enviou perguntas para a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Portugal a respeito do atual andamento das investigações envolvendo Abrantes Serra, mas o órgão informou que não pode se manifestar porque o processo está em segredo de Justiça. Em dezembro do ano passado, o advogado foi arguido pelo MP, acusado de fraude fiscal e tráfico de influência. Ser arguido é um termo do direito português que significa que há indícios de que aquela pessoa cometeu um delito. Nos próximos meses, a Justiça deverá analisar se há consistência para que seja aberto um julgamento ou se o caso deve ser arquivado.
Fechada em julho de 2010, a compra dos 22,4% de ações da Oi pela Portugal Telecom atingiu a cifra de 3,7 bilhões de euros. O negócio, porém, acabou sendo uma espécie de operação casada, envolvendo a venda pela empresa portuguesa de sua participação na Vivo para a espanhola Telefónica, por 7,5 bilhões. Ou seja, ao todo, foram movimentados 11,2 bilhões de euros.
Em 2013, firma especializada em esconder sócios assume empresa
Em relação à empresa aberta em Malta, os documentos dos registros públicos do país mostram que, em setembro de 2013, a Mediterranean Oil & Gas Consulting Limted teve todas as suas ações repassadas pelo advogado Abrantes Serra e por uma parente, Isabel Maria Pimentel Abrantes Serra, para uma empresa local chamada MGI Fiduciary Services Limited.
Em seu site, a MGI explica o diferencial do serviço que oferece: “apesar de a identidade dos sócios estar disponível no registro público de Malta, ações podem ser mantidas de forma confidencial em favor de nossa empresa de serviços fiduciários e de trust”. Ao todo, há 204 firmas no país europeu que têm a MGI como sócia.
Empresas como a que assumiu a Mediterranean Oil, chamadas de trustees, ficaram conhecidas no Brasil, graças ao caso envolvendo o ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba. Em 2015, ele afirmou à CPI da Petrobras não ter dinheiro no exterior, alegando que era apenas o beneficiário de um trust. Esse tipo de sistema funciona como uma espécie de cofre onde os recursos passam a ser administrados por terceiros. O instituidor, que é o verdadeiro dono, pode, porém, encerrar o contrato e fazer uso dos recursos quando quiser.
Os documentos que constam no registro de Malta mostram que a Mediterranean Oil está atualmente em processo de dissolução . O que não impediu a firma de, no ano passado, por exemplo, ter movimentado altas quantias. Somente em benefícios pagos aos sócios, foram 382.200 euros. A legislação do país europeu impõe uma taxa de 35% de impostos às empresas. A vantagem, porém, está na baixa taxação dos recursos que são distribuídos aos sócios, o que resulta num valor final que, na prática, chega a apenas 5%.
A reportagem entrou em contato com o advogado Roberto Podval, que representa José Dirceu e Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, e com o escritório de João Abrantes Serra, mas não obteve nenhum retorno até o momento da publicação.
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