O empresário Ricardo Saud já era conhecido como o “homem da mala” da Friboi por causa de sua atuação como lobista do grupo JBS em Brasília. Na semana passada, a imagem vastamente repetida no noticiário de Saud levando uma mala que teria R$ 500 mil a um encontro com o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB) reforçou a alcunha. O dinheiro teria sido entregue a pedido de Joesley Batista, um dos donos do grupo, ao parlamentar, agora afastado, que confiou a missão ao seu braço-direito. Citado em diversos escândalos ao lado da família Batista, Saud aparece no Malta Files como um dos proprietários de duas empresas na ilha mediterrânea: a 4GB Holdings Ltd e a Bichostars Ltd., ambas abertas em 7 de abril de 2010.
Ele é um dos empresários da JBS que negociaram acordos de delação premiada com o Ministério Público. Logo após prestar depoimento, viajou com Joesley para os Estados Unidos e já estava no país no dia 12 de maio, quando foi deflagrada a Operação Bullish, um desdobramento da Lava Jato que investiga os aportes do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para expansão do grupo comandado pelos irmãos Wesley e Joesley Batista.
Tanto o crescimento no exterior do grupo J&F como as duas empresas maltesas unem Saud a outra família comumente presente nos noticiários, pelo menos no Paraguai: os Wasmosy, encabeçados por Juan Carlos Maria Wasmosy, ex-presidente do país.
Em Malta, um dos filhos de Wasmony, Diego Ricardo, é sócio de Saud nas empresas– que ainda têm como terceiro acionista Hermany Andrade Júnior, empresário do ramo imobiliário. De acordo com os registros públicos do país, a 4GB Holdings detém 99% do capital votante da Bichostars – empresa de jogo do bicho online, que recebeu licença da Lotteries and Gaming Authority, órgão governamental de Malta responsável pelo controle de toda atividade de jogos no país, para operar. Os documentos não permitem identificar quais eram os objetivos da sociedade entre os três empresários.
A URL Bichostars.com foi registrado em outubro de 2008. Um vídeo no YouTube, postado em 9 de setembro de 2010, demonstra como o site funciona. O primeiro registro em que o site aparece como operacional é de 20 de novembro de 2010, conforme o Internet Archive, mas não está claro quando ele entrou no ar e se a Bichostars acabou de fato recebendo apostas e pagando prêmios. Na mesma época em que a empresa foi lançada, houve uma tentativa em Brasília para legalizar certos jogos de azar. No entanto, a proposta foi derrubada em votação no dia 14 de dezembro. Na época, um dos principais argumentos contra o texto era que o projeto facilitaria a lavagem de dinheiro.
Declarações financeiras da 4GB e da Bichostars de 2011 registram déficits de 69.646 euros e 19.360 euros, respetivamente. Não há declarações subsequentes. As contas das empresas nas redes sociais pararam de publicar regularmente em 2013, a última postagem é de 1 de julho de 2014. Em 2016, a firma maltesa que administrava as duas empresas notificou às autoridades que estava se desvinculando do negócio, uma vez que tinha perdido o contato com seu cliente em 2015.
O avanço do grupo no exterior é um dos focos de investigação da Lava Jato, especialmente por conta da participação do BNDES e seus vultosos investimentos.
Mas a associação mais rentável de Saud com Wasmony aparentemente ocorre mesmo no Brasil. O lobista é sócio do ex-presidente do Paraguai na Goya Agropecuária Comercial, empresa de criação de bovinos para corte, aberta em Uberaba (MG) em 1989. A sociedade se completa com outro filho de Wasmony, Alvaro (o “Lalo”), e Antonio Esteban Vasconsellos Portas, membro da Associação Coordenadora Nacional de Saúde Animal do Paraguai (Aconasa) e um dos responsáveis pelas ações de combate à febre aftosa no país.
A expansão do J&S no país vizinho começou em 2009 e hoje inclui três frigoríficos que respondem pela absorção de boa parte do rebanho dos criadores locais, como os Wasmosy. O avanço do grupo no exterior é um dos focos de investigação da Lava Jato, especialmente por conta da participação do BNDES e seus vultosos investimentos. Entre 2007 e 2011, os aportes do banco de desenvolvimento para o crescimento do grupo fora do país somaram R$ 8,1 bilhões.
O homem que fazia o meio de campo
Além de receber dinheiro do BNDES, a JBS historicamente faz uma significativa ofensiva no Congresso Nacional. O grupo era um doador costumaz de campanhas eleitorais até 2014, última eleição em que pessoas jurídicas podiam doar. Naquele ano, ficou à frente das empreiteiras e foi o maior doador, com R$ 366,8 milhões repassados a candidatos e partidos políticos em todos os níveis de disputa. No noticiário, Ricardo Saud é apontado como o homem que fazia o meio de campo entre o grupo de Joesley Batista e os políticos.
Os laços com o grupo não param por aqui. Além de diretor de relações institucionais do J&F – cargo comumente ocupado por lobistas –, Saud é vice-presidente também de relações institucionais do Banco Original, que pertence ao J&F. O banco era comandado por Henrique Meirelles, que era também presidente do Conselho da J&F até 2016, quando assumiu o Ministério da Fazenda no governo Michel Temer.
Espécie de braço direito de Joesley, Saud aparece até mesmo como seu suplente na “Assembleia Geral Ordinária” da Eldorado Brasil Celulose de 27 de abril de 2012. A empresa faz parte do J&F e foi um dos focos de outro desdobramento da Lava Jato, a Operação Sépsis. Segundo a Polícia Federal, a Eldorado pagou cerca de R$ 33 milhões em contratos de consultoria e empresas do doleiro Lúcio Funaro, preso desde julho de 2016.
Funaro é apontado como o operador do ex-deputado Eduardo Cunha. Mais do que isso, como um dos responsáveis pelo esquema de corrupção e lavagem de dinheiro das grandes empresas que recebiam aportes dos órgãos públicos. As empresas do doleiro seriam usadas para lavar dinheiro e, de acordo com o Coaf, (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão da Receita Federal), boa parte dos créditos de uma delas, a Viscaya, vinha do grupo J&F e da Eldorado.
Ricardo Saud também exerceu o papel de suplente de Joesley no conselho de administração da Carnaúba I Eólica S.A., que tem como acionistas Furnas e o Fundo de Investimentos em Participações (FIP) Caixa Milão, administrado pela Caixa Econômica Federal. Os aportes de capital da J&F na empresa ocorreram por meio de fundo de investimento da Caixa. Em 2015, quando a Lava Jato avançou no setor elétrico e nos fundos de investimento da Caixa, a J&F deixou o negócio.
“Agir de forma a legalizar a sociedade junto aos órgãos municipais, estaduais, federais e autarquias”
O currículo de Saud também traz passagens surpreendentes além da sua movimentada folha na iniciativa privada. Sem sinais de ter se afastado das empresas, o empresário foi nomeado, em 21 de janeiro de 2011, diretor do Departamento de Cooperativismo e Associativismo (Denacoop), do Ministério da Agricultura.
A passagem do lobista pelo ministério é curta, mas nem por isso pouco barulhenta. Enquanto ele estava na pasta, o então ministro Wagner Rossi (PMDB-SP) admitiu que ele e seu filho, o deputado Baleia Rossi (PMDB-SP) viajavam em jatinho da empresa Ourofino Agronegócios, que produzia medicações para a campanha de vacinação contra a febre aftosa. Iniciada em novembro de 2010, a campanha resultaria em crescimento de 81% da empresa, saltando de R$ 16,4 milhões para R$ 29,7 milhões.
À época, Ricardo Saud tinha 15% de participação na filial de Uberaba da Ethika Suplementos e Bem Estar, controlada pela Ourofino. Sua função na empresa, de acordo com reportagem do Correio Braziliense era: “agir de forma a legalizar a sociedade junto aos órgãos municipais, estaduais, federais e autarquias”. Nos registros da Ethika, o endereço constante de Saud é o mesmo com o qual se inscreveu no equivalente à junta comercial de Malta, com a 4GB e a Bichostars.
Em nota para a imprensa na ocasião, a Ourofino afirmou que a autorização para a produção da vacina, obtida em 17 de outubro de 2010, era anterior à passagem do ministro na pasta e que Ricardo Saud não possuía participação societária no grupo, sem negar entretanto a sociedade com pessoas físicas da empresa.
Outros sócios
A passagem de Saud pelo ministério, de janeiro a agosto de 2011, também dá pistas de sua relação com o Paraguai, de onde é cônsul honorário em Uberaba. Enquanto atuava na pasta, ele tinha como função elaborar políticas e liberar recursos para cooperativas agrícolas. Foi nesse período que, segundo o Correio Braziliense, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, da qual a Goya – empresa de Saud e Wasmosy – participa por meio de concursos de gado da raça Nelore, foi beneficiada com R$ 900 mil em convênios com a pasta da Agricultura.
Outro sócio de Saud em Malta também tem escândalos em sua biografia. Hermany Andrade Júnior, presidente do PTB de Uberaba, é empresário do ramo imobiliário e atuante nos bastidores da vida partidária política do município mineiro. Ao longo dos anos, ele passou por PSDC e PMN até desembarcar na presidência do PTB local, onde ensaiou uma pré-candidatura a prefeito em 2016 que não foi levada adiante.
Nessa mesma eleição, ele foi flagrado em uma gravação em vídeo tentando comprar votos de dois vereadores para que deixassem o páreo em favor do candidato que apoiava. Andrade Júnior ofereceu a eles emprego a parentes e terreno na cidade, mas a proposta culminou em uma condenação na Justiça Eleitoral por abuso de poder econômico.
Atualmente, a maior parte dos negócios de Hermany Andrade Júnior é no setor de loteamentos e construção de moradias populares, com parceria pública nos financiamentos.
Ter uma offshore não é ilegal pela legislação brasileira, desde que declarada à Receita Federal, assim como seus bens e valores tributados. A Receita não responde a questionamentos sobre uma empresa estar ou não declarada.
A reportagem entrou em contato com todos os citados, mas apenas a JBS respondeu e dizendo que não iria se manifestar.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO
Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.
A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.
Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.
A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, precisamos arrecadar R$ 500 mil até a véspera do Ano Novo.
Você está pronto para combater a máquina bilionária da extrema direita ao nosso lado? Faça uma doação hoje mesmo.