Ó, Sean Duffy, onde estás tu, Sean Duffy?
Em fevereiro, o deputado republicano do Wisconsin disse a Alysyn Camerota, da CNN, que os terroristas brancos de extrema-direita não eram uma ameaça tão grande aos americanos quanto os “islamistas” e “jihadistas”. Por quê? “Não sei, mas eu diria que há uma diferença”, afirmou Duffy. Em seguida, o deputado classificou como “fato isolado” o ataque a uma mesquita no Quebec, praticado por um nacionalista branco partidário de Donald Trump, no qual seis muçulmanos morreram.
“Fato isolado”? Sério? Será que Duffy não tem acompanhado o noticiário ultimamente? No dia 20 de maio, Richard Collins III, segundo-tenente do exército americano, negro de 23 anos, foi assassinado durante uma visita à Universidade de Maryland por um membro de um grupo do Facebook autodenominado “Alt-Reich: Nation”. De acordo com o chefe de polícia da universidade, David Mitchell, o grupo promove uma “abominável discriminação” contra minorias, “principalmente afro-americanos”.
No dia 26 de maio, o veterano do exército dos EUA Rick Best, de 53 anos, e o recém-formado Taliesin Myrddin Namkai-Meche, de 23, morreram esfaqueados por um supremacista branco ao tentarem defender uma muçulmana que estava sendo hostilizada em um trem na cidade de Portland. No mesmo ataque, o poeta de 21 anos Micah David-Cole Fletcher ficou gravemente ferido.
Por que Duffy não voltou à CNN para denunciar esses terríveis atos de terrorismo doméstico? Por que o Partido Republicano e a imprensa conservadora não estão alertando o eleitorado contra a ameaça do terrorismo de pele branca e ideias de extrema-direita?
Imaginem a enxurrada de tuítes de Donald Trump se dois soldados dos EUA – um da ativa, outro da reserva – tivessem sido mortos em território americano por terroristas islâmicos em apenas uma semana. Qual não seria a cobertura da Fox News se um fanático muçulmano tivesse cortado a garganta de três bons samaritanos que tentavam proteger duas mulheres indefesas no trem de Portland?
Já chega de acusar aqueles que denunciam a ameaça dos supremacistas brancos de extrema-direita de desviar a atenção do público do Estado Islâmico e da Al Qaeda. Não podemos ser acusados de apologia ao islamismo.
Essa verdadeira máquina de políticos, comentaristas e autodenominados “especialistas em segurança” não pode mais minimizar a ameaça terrorista que vem de grupos americanos de extrema-direta, ao mesmo tempo em que exagera o perigo representado pelo jihadismo internacional.
Façamos uma comparação: os terroristas islâmicos são caracterizados como fanáticos de olhar feroz que matam em nome de sua religião ou ideologia. Já os terroristas de extrema-direita – como o assassino de nove fiéis de uma igreja em Charleston, no estado da Carolina do Sul, em 2015, ou o homem que matou, em 2012, seis sikhs em um templo no Wisconsin, o estado do próprio Duffy – são quase sempre descritos como “desequilibrados mentais”. Após o duplo homicídio de Portland, o porta-voz da polícia local, Pete Simpson, logo declarou: “Não sabemos se o suspeito tem problemas mentais”. Não é incrível como nós, muçulmanos, parecemos ser imunes aos tais “problemas mentais”? Graças a Alá!
Atualmente, o terrorismo dos grupos supremacistas brancos é uma ameaça da qual não se ousa falar. Líderes conservadores – e até certos liberais – tendem a minimizar o perigo e desviar a nossa atenção para o que o presidente Trump chama de “terrorismo islâmico radical”.
Porém, os números não mentem – ao contrário dos islamofóbicos. Um recente relatório encomendado pelo Congresso americano ao Government Accountability Office (órgão equivalente à Controladoria Geral da União, no Brasil), afirma: “Desde 12 de setembro de 2001, o número de mortes causadas por extremistas domésticos variou entre 1 e 49 a cada ano. (…) O número de mortes causadas por terroristas de extrema-direita foi superior às provocadas por extremistas islâmicos em 10 dos 15 anos analisados e igual em três”. Ora, vejam só.
O relatório prossegue: “Dos 85 incidentes de violência terrorista com vítimas fatais desde 12 de setembro de 2001, 62 (73%) foram causados por grupos de extrema-direita; grupos extremistas islâmicos radicais foram responsáveis por 23 (27%)”. A proporção é de quase três para um.
O documento observa que “o total de mortes provocadas por grupos de extrema-direita e islamistas radicais nos últimos 15 anos foi praticamente o mesmo”. O terrorismo islâmico causou 119 mortes, contra 106 dos grupos de extrema-direita. No entanto, o relatório também reconhece que “41% das mortes atribuídas ao terrorismo islâmico ocorreram em apenas um ataque – o atentado a uma boate em Orlando, na Flórida, em 2016”.
Aparentemente, os terroristas islâmicos são mais letais em seus ataques, mas os terroristas de extrema-direita cometem atentados nos EUA com muito mais frequência. Diversos estudos e relatórios – da New America Foundation ao Centro de Combate ao Terror de West Point – corroboram o relatório da Controladoria americana. Um grupo de pesquisadores chegou até a afirmar que “comparados aos islamistas, os radicais de extrema-direita têm muito mais chances (…) de desenvolver uma maior devoção à sua ideologia”.
Seguindo a mesma lógica, as agências de segurança americana, de acordo com uma pesquisa do Centro Triangle de Estudos de Terrorismo e Segurança Nacional, “consideram os extremistas antigoverno – e não os muçulmanos radicais – como a mais grave ameaça de violência politicamente motivada nos EUA”.
Mas isso não importa para o deputado Duffy, e tampouco para o nosso novo presidente republicano. Como fomos informados pela Reuters em fevereiro, menos de duas semanas depois da posse de Donald Trump, a Casa Branca declarou que iria “reformular e renomear um programa do governo criado para enfrentar todo tipo de ideologia violenta, direcionando-o exclusivamente ao combate ao extremismo islâmico (…), deixando de visar grupos como os supremacistas brancos, que também já realizaram atentados nos Estados Unidos”.
A notícia foi recebida com festa pela extrema-direita. “Donald Trump está nos libertando”, escreveu Andrew Anglin, editor do website neonazista Daily Stormer.
O presidente americano cita repetidamente páginas de supremacistas brancos, como a conta de Twitter “WhiteGenocideTM” (“Genocídio Branco”, em português); nomeou um nacionalista branco como um de seus delegados na Califórnia; aceitou doações de campanha de líderes nacionalistas brancos; designou um deles como chefe de estratégia da Casa Branca; e recebeu o apoio oficial da Ku Klux Klan. Então por que ele faria vista grossa ao terrorismo doméstico cometido por supremacistas brancos e nacionalistas que colocam a vida de americanos em perigo?
Por que será?
Tradução: Bernardo Tonasse
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