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Julgamento da chapa Dilma-Temer começou como birra do PSDB e virou tábua de salvação da República

Mudanças na opinião pública e de conjuntura política geram questionamentos sobre independência do TSE.

Sessão plenária do TSE.

Eis que o país se une novamente. Afinal, todo mundo – ou quase – está insatisfeito com o governo de Michel Temer. As pesquisas mais recentes mostram que a porcentagem dos  que o apoiam está abaixo de 10%, talvez o mesmo número de cargos de confiança mantidos pelo PMDB.

Mas, como Conde Temer segue grudado na jugular da nação, a sociedade, a imprensa e juristas se ocupam em estudar as alternativas para arrancá-lo de lá. Há atualmente três opções além da renúncia.

A primeira é ele se tornar réu no Supremo, depois de a Procuradoria-Geral da República oferecer denúncia por um crime cometido durante o mandato. O problema: dois terços da Câmara e o Supremo precisam autorizar a coisa a ir adiante. Depois, existe a hipótese de um processo de impeachment. O problema: o pedido teria de ser acatado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é unha e carne com o presidente e está confortavelmente sentado em cima de pelo menos 18 pedidos de afastamento.

Por fim, há o julgamento da chapa Dilma-Temer, que recomeça nesta terça-feira (6) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O famigerado processo começou em 2014 com uma birra do PSDB, que, derrotado nas eleições, lançou mão do jus sperneandi, o direito de espernear, como costumam brincar os juristas em falso latim. Ou, no bom português do ainda senador Aécio Neves, do direito de “encher o saco”. As nobres intenções do tucano foram captadas em uma das conversas com o delator mor da República Joesley Batista, mas hoje pouco importam. Porque nos últimos três anos o processo tomou vida própria e ganhou músculo com uma enxurrada de novas provas.

“Nos preocupa muito o procurador-geral da República se valer de toda a estrutura que tem para tentar constranger um tribunal superior”.

A defesa do Conde também esperneia. Nesta segunda (5), saiu com a estratégia de atacar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “Temos indicativos de que virão movimentos e iniciativas de Janot às vésperas do julgamento do TSE na tentativa de constranger o tribunal a condenar o presidente”, afirmou o advogado Gustavo Guedes. “Nos preocupa muito o procurador-geral da República se valer de toda a estrutura que tem para tentar constranger um tribunal superior”.

Diante de declarações como essa, e dos altos e baixos que o julgamento sofreu através do tempo, The Intercept Brasil saiu à cata de juristas que respondessem a alguns questionamentos naturais. Se o que se está julgando é a campanha ocorrida em 2013, como pode a bolsa de apostas na decisão mudar tanto? Juízes de um tribunal da importância do TSE podem, de fato, ser “constrangidos” ou se deixarem levar por emoções políticas e manchetes de jornais?

“É muito árduo para um tribunal jurídico enfrentar uma questão desse tamanho, porque não estamos falando de uma cassação de governador ou de prefeito, estamos falando de um presidente”, disse a especialista em direito constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barboza. “Então, na época do impeachment, eles preferiam deixar a questão mais lenta, para que o órgão político, que era o Congresso, tomasse a decisão. Agora, com esse governo perdendo a credibilidade, o ato de se julgar um presidente se torna menos grave.”

Para a jurista é natural que magistrados mudem de ideia não apenas diante do que está acontecendo na sociedade, mas também diante do que, na visão deles, poderá decorrer de suas decisões. Caso contrário poderíamos simplesmente substituir juízes por programas de computador. “No direito, a questão argumentativa e interpretativa muitas vezes permite ir por um caminho ou por outro. E às vezes são dois caminhos juridicamente possíveis”, explicou Barboza.

Gente como a gente

“O juiz é uma pessoa que julga a sociedade em que ele está inserido” disse o professor de direito da Faculdade Getúlio Vargas Luciano Godoy. “E em todos os países, quando você chega a ponto de julgar um presidente, a fronteira entre política e o direito vira uma zona um tanto cinzenta.”

“E em todos os países, quando você chega a ponto de julgar um presidente, a fronteira entre política e o direito vira uma zona um tanto cinzenta.”

Isso, segundo o professor e ex-juiz federal, não é necessariamente ruim. Ele usou o exemplo de uma cidade fictícia, assolada por uma onda intensa de violência. Seria natural e até salutar, que os juízes aplicassem a lei de forma mais dura nesse contexto. Consequentemente, em um país em que a corrupção transborda pelas manchetes, é compreensível que as cortes sejam menos flexíveis com esse tipo de crime.

Claro que, no julgamento em questão, é tudo mais complexo. Por um lado, novas provas surgem a todo momento, o que se soma à opinião pública e aos impactos do resultado para pressionar juízes. Por outro, ao longo do tempo, os proponentes da ação meio que perderam o apetite.

Demonstrators protest against Brazilian President Michel Temer along Paulista Avenue in Sao Paulo, Brazil on May 18 2017. Temer faced growing pressure to resign Thursday after the Supreme Court gave the green light to an investigation over allegations that he authorized paying hush money to already jailed Eduardo Cunha, the disgraced former speaker of the lower house of Congress. / AFP PHOTO / NELSON ALMEIDA (Photo credit should read NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

Protesto contra o presidente Michel Temer, em São Paulo, no dia 18 de maio.

Foto: AFP/Getty Images

“Em dezembro de 2014, quando ingressou com a ação, o PSDB olhava a política como um partido de oposição. Depois de maio de 2016 [quando Temer assumiu interinamente], passou a olhar como situação. Então a própria vontade do requerente, de ganhar ou perder, mudou. E isso é uma situação que não acontece nos processos jurídicos normais”, afirmou o jurista da FGV. “É uma situação em que você pode perder um pouco o foco no caso.”

O ex-magistrado comentou também o argumento utilizado pela defesa de que deve-se descartar novos dados, surgidos após o protocolamento da ação, entre eles o depoimento do marqueteiro João Santana e de sua esposa, Mônica Moura. Ambos forneceram detalhes sobre o suposto esquema de financiamento ilegal da campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer, o que comprovaria o abuso de poder econômico, uma das bases do processo de cassação.

“Os fatos não são novos”, argumentou o jurista. “Os fatos são da época da eleição. Eles só não tinham aparecido antes. É justamente pra isso que existe uma fase para colher provas nos processos. Não se tem todas as provas quando se inicia um caso, e é normal que o juiz vá colhendo provas durante a continuidade do processo.”

Por outro lado, ainda segundo Godoy, a montanha russa da opinião pública tem um tanto de bolsa de apostas e outro tanto de manipulação para formar opiniões. “Acho que tem 99% de especulação. Em regra, um juiz não adianta o seu julgamento. Quantas vezes, nas decisões do Supremo, as pessoas falaram que ia sair de um jeito e saiu de outro? Tem muita especulação e também tem muita gente jogando verde pra colher maduro. Querendo ver isso saindo [na imprensa] para gerar algum resultado”, disse.

Aos amigos a lei?

Além da mudança de posição ao longo do tempo, há outra questão a sombrear o julgamento mais importante da história do TSE, uma que diz respeito à formação do tribunal.

O TSE é um colegiado rotativo, com ministros emprestados de outras cortes, além de dois advogados. Todos têm mandatos de dois anos e, nos últimos meses, Conde Temer nomeou dois novos ministros. Ou seja, o réu escolheu uma parte considerável do tribunal que irá julgá-lo. Não fica meio estranho?

“Eu acho mais perigoso o ministro Gilmar Mendes dentro do TSE do que, eu diria, qualquer outro ministro.”

Para Estefânia Barboza, sim, fica meio estranho. Mas, estudos feitos a partir de decisões do Supremo (cujos ministros também são escolhidos pelo presidente da República) mostram que a relação entre quem escolheu os magistrados e as decisões da corte não é automática. “A maioria das decisões do Supremo é governista. Não importa qual o governo e não importa o partido pelo qual o juiz foi escolhido. O tribunal acaba legitimando o governo da situação na maioria dos casos”, disse Estefânia. “A não ser, claro, que haja uma relação de amizade. Eu acho mais perigoso o ministro Gilmar Mendes dentro do TSE do que, eu diria, qualquer outro ministro”, concluiu.

De fato, Gilmar Mendes parece ter tanto desleixo nas declarações públicas quanto na escolha das amizades e há ao menos oito encontros não oficiais entre o magistrado e o Conde Temer.

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Ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE.

Foto: Rosinei Coutinho/ASCOM/TSE

Mendes, não custa lembrar, é o atual presidente do TSE e se absteve, como de costume, do direito de permanecer calado, opinando sobre a crescente celeuma em torno do caso. “Não cabe ao TSE resolver crise política. O julgamento será jurídico e judicial”, disse. Depois aproveitou para passar o pano nos colegas que, porventura, peçam vistas do processo, interrompendo o julgamento e fazendo a coisa se alongar o máximo possível, enquanto o zumbi Temer assombra o Jaburu e tira o sono dos futuros aposentados.

“Há muita especulação na mídia se haverá pedido de vista. Se houver pedido de vista, é algo absolutamente normal, ninguém fará por combinação com esse ou aquele”, afirmou Mendes em um congresso jurídico da Associação Brasileira de Planos de Saúde .

Para advogado Hélio Freitas de Carvalho da Silveira, membro consultor da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, o fato de o presidente indicar seus julgadores “é uma situação constrangedora, desagradável, mas é do sistema”. Ainda assim, ele afirmou ter convicção em um julgamento justo. “Se temos um julgamento desse porte, significa que estamos aprendendo a lidar com as instituições brasileiras. Estamos construindo uma democracia. Talvez a gente não esteja no melhor momento dessa democracia, mas democracia é um processo”, disse.

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