(este texto contém atualizações)
Seis meses depois de o Congresso Nacional aprovar a emenda constitucional que estabelece um limite para os gastos públicos pelos próximos 20 anos, os mesmos parlamentares que aprovaram os cortes, agora, reclamam dos seus efeitos colaterais. O principal deles é a Reforma da Previdência. A incoerência salta aos olhos: 25% dos parlamentares que votaram “sim” pela PEC do Teto agora não querem assinar a reforma que obedece ao “teto” imposto por eles mesmos. Se defendiam tanto a “contenção de despesas”, será que eles não sabiam o que significava um corte de gastos?
Deputados como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) parecem não ter entendido a extensão de seus atos quando disseram “sim” ao “congelamento”. Em franca campanha pela “contenção dos gastos”, o parlamentar chegou a publicar vídeos no qual afirma ser a favor da PEC e diz que “a PEC preserva e consolida as conquistas sociais”:
Diferentemente das previsões do pastor, o limite orçamentário imposto pela PEC é o principal motivo da realização da Reforma da Previdência. Ou seja, a PEC não apenas não preserva as conquistas sociais, como é o principal motivo do ataque a elas.
“Filho feio não tem pai”
Incensada por veículos jornalísticos de grande circulação — “Entenda por que o Brasil precisa da PEC do Teto” e “Teto dos gastos é fundamental para ajuste” são apenas dois exemplos do que se viu circulando —, a PEC foi aprovada rapidamente e com apoio da grande maioria da Câmara (75,3%). Foram 359 deputados federais a favor e apenas 116 foram contrários.
Já Reforma da Previdência, por mais que conte com certo apoio midiático e silenciamento de críticos, não conquista tantos corações parlamentares: até a publicação desta matéria, o placar feito pelo jornal O Estado de S. Paulo marca apenas 83 votos a favor e 225 contra. The Intercept Brasil consultou os deputados para checar seus posicionamentos e dois deles pediram correção: Lázaro Botelho (PP-TO), registrado como “a favor” no placar afirma não declarar seu voto, e Roberto Alves (PRB-SP) também registrado como favorável, não se decidiu ainda.
O Jornal Nacional é quem menos ouviu fontes contrárias à Reforma da Previdência entre cinco veículos analisados: https://t.co/Lyi60riWPh pic.twitter.com/vV6MHb2Lgg
— Repórter Brasil (@reporterb) April 26, 2017
Os motivos da rejeição residem no fato de que os efeitos práticos da reforma são mais visíveis para o eleitorado. Isso porque ela deverá, entre outras coisas, diminuir a arrecadação, obrigar uma parcela da população a trabalhar até a morte e reduzir ainda mais o valor das aposentadorias. Aproximadamente 63% dos beneficiários recebem um salário mínimo (R$ 937,00).
Será que eles não sabiam o que significa um corte de gastos?
Não foi por falta de aviso ou de explicações sobre o orçamento, garante o economista Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Ele mesmo esteve no Congresso para uma audiência pública, em novembro, para explicar os impactos da PEC nos investimentos sociais e na Previdência. Sua experiência na Comissão de Assuntos Econômicos deixou claro o que estava por vir: “a maioria dos parlamentares não está aberta ao diálogo, eles já chegam de cabeça feita, representando os determinados interesses que os colocaram ali, os dos mais ricos, é uma questão de classe”.
Na última eleição para a Câmara, em 2014, 70% dos deputados eleitos receberam doações de campanha das mesmas 10 grandes empresas. Só uma delas, a JBS, distribuiu R$ 61,2 milhões para 162 deputados eleitos, montando uma bancada duas vezes maior que a do PT — então maior partido na Câmara.
Curiosamente, a JBS lidera outra lista: a de empresas devedoras da Previdência. Perdendo apenas para uma companhia falida (o que a coloca em primeiro lugar), a holding deve R$ 2,39 bilhões ao INSS. E não é por falta de condições, já que se trata de pouco menos de um quarto do quanto pagou em seu acordo de leniência.Miragaya explica que o posicionamento ambíguo dos deputados é um reflexo do conflito entre as duas forças que dão poder a eles: o eleitorado, que lhes dá votos, e a elite financeira, que banca suas campanhas pelos mesmos votos. O economista lembra que, quando o corte de gastos estava no centro do debate, uma parte da população chegou a aprovar a austeridade, adotando os argumentos apresentados em muitos jornais de grande circulação. Às vésperas da votação final no Senado, no entanto, o Datafolha indicava que 60% da população era contra a PEC do Teto.
Já na época da aprovação da PEC na Câmara, em outubro passado, o primeiro a aprender a lição sobre a relação entre seus votos no Congresso e os votos que recebe na urna foi o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A princípio, ele se dizia contra a PEC do Teto, mas mudou de ideia em uma reunião com o presidente Michel Temer poucas horas antes da votação. O posicionamento não passou incólume, e Bolsonaro foi duramente criticado por seus eleitores.
“Eles não votam por coerência, nem por ideologia ou consciência. É uma questão eleitoral.”
Com a Previdência e a Reforma Trabalhista, no entanto, esta relação se torna mais direta. O eleitor médio percebe as consequências de forma mais direta, o que eleva a reprovação das reformas: 71% dos brasileiros são contra a Reforma da Previdência, segundo o mesmo Datafolha, e 58% são contra a Reforma Trabalhista, segundo a Ipsos.
Na matemática eleitoral, aqueles parlamentares que disserem sim à Reforma da Previdência terão altas chances de rejeição nas eleições do ano que vem. Lição aprendida, Bolsonaro pai e filho (Eduardo também é deputado federal), registraram suas posições contrárias à Reforma da Previdência desta vez. Em entrevista à Folha de S. Paulo, em março, Jair Bolsonaro chamou a reforma de “remendo de aço numa calça podre” e disse que a proposta está “muito forte”.
É essa relação dinâmica entre votos que guia o caminho trilhado na Câmara, explica Miragaya:
“Infelizmente não se pode esperar coerência dos parlamentares, porque eles não votam por coerência, nem por ideologia ou consciência. É uma questão eleitoral. Temos deputados que votaram pelo corte e que com certeza vão votar contra a Reforma da Previdência porque sabem que, se votarem a favor, não vão se reeleger ano que vem. Quanto mais perto da eleição, mais alta a chance da população lembrar do voto desse parlamentar”.
Explicações?
The Intercept Brasil entrou em contato com a equipe dos deputados Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, bem como as dos demais deputados que votaram pela PEC do Teto e que agora, contraditoriamente, se posicionam contra a Reforma da Previdência. Questionamos como cada um deles espera que o limite orçamentário imposto pela PEC (e aprovado por eles mesmos) seja respeitado sem que a reforma seja feita, sabendo que a proporção de idosos deve dobrar nos próximos vinte anos e que os repasses à pasta da Previdência ficarão congelados nos níveis de 2016, reajustados apenas pela inflação.A assessoria de imprensa de Jair Bolsonaro respondeu, por telefone, que ele está com a agenda muito cheia para responder aos questionamentos enviados. A assessoria do pastor Marco Feliciano confirmou o recebimento da demanda, mas não respondeu até a publicação da reportagem.
As equipes dos deputados Cabo Sabino (PR-CE) e Hissa Abrahão (PDT-AM), ambos contrários à reforma, explicam que os parlamentares se posicionaram favoravelmente à PEC apenas no primeiro turno de votações, quando foram registrados sete votos a mais a favor da PEC. Na votação final, Cabo Sabino não esteve presente e Hissa Abrahão votou contra a emenda.
Até agora, apenas um dos parlamentares que diz “sim” à PEC e “não” à Reforma da Previdência respondeu aos questionamentos.
_Esta matéria será atualizada quando recebermos as demais respostas
Atualização: 20 de junho, 20h.
O deputado Jaime Martins (PSD-MG), que votou pela aprovação da PEC do Teto, informou que seu voto para a reforma será “não”. Assim, sobe para 89 o número de deputados a favor da PEC e contra a Reforma da Previdência.
Resposta enviada pelo deputado federal Jaime Martins:
Como explica seu comportamento contrário à Reforma da Previdência e a favor da PEC 241?
“A proposta de reforma enviado ao Congresso, dentro dos seus itens e sugestões de novas regras penaliza e muito nossa população. Entendo que o governo deve, prioritariamente, adotar sim medidas de contenção, como foi o caso da PEC 241. Mas entendo também que precisamos urgentemente, promover o enxugamento da máquina pública, com o corte de privilégios e redução de ministérios. Nesse momento de crise em que está havendo queda de receita, queda da atividade econômica, é imperioso que sejam realizados cortes nas despesas de manutenção da própria infraestrutura governamental”
Qual a alternativa que sugere para respeitar o teto orçamentário sem a reforma?
“Entendo como uma questão de gestão e prioridades e, novamente, defendo a diminuição da máquina pública como forma de compensação. Uma prática, por exemplo, que defendo é o fim da aposentadoria compulsória como punição de juízes (https://goo.gl/1tkLt5). É fundamental que sejam realizados cortes na máquina pública, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário. É preciso gastar menos com o Governo para garantir maior suporte para a ´população.”
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