O lema principal do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, vem sendo repetido aos cariocas desde a campanha que o levou a conquistar o cargo, no ano passado: “vamos cuidar das pessoas”. Nas últimas semanas, então, o bombardeio foi ainda mais intenso. Com anúncios em veículos da grande imprensa, como os jornais “O Globo” e “O Dia” e a TV Globo, o alcaide mostra que tem uma outra preocupação: cuidar da imagem de seu governo. E, apesar de um discurso de austeridade, os recursos para isso estão sendo retirados de serviços que interferem diretamente na qualidade de vida da população da cidade, que enfrentou, nesta terça-feira(20), intensos alagamentos.
Por meio de um decreto publicado no dia 30 de maio, Crivella turbinou de vez a propaganda de seu governo. Foram remanejados R$ 21,2 milhões da Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma) para o investimento em publicidade. As verbas saíram das seguintes ações: aquisição de matéria prima para a fabricação de massa asfáltica (R$ 10 milhões); conservação de logradouros (R$ 4,2 milhões); demolições e operações emergenciais (R$ 2 milhões); e conservação e revitalização das vias especiais (R$ 5 milhões). No dia 6 de abril, o prefeito já havia publicado outro decreto tirando R$ 1 milhão da conservação de logradouros para divulgar suas iniciativas de governo.Traduzindo, Crivella tirou R$ 22,2 milhões que poderiam ser usados, por exemplo, para tapar as esburacadas ruas cariocas – que prejudicam não só quem anda de carro, como quem usa transporte público – para abrir caminho para dizer mais e mais vezes que anda cuidando bem das pessoas.
Nesta quarta-feira, em entrevista concedida num dos locais atingidos pelas fortes chuvas que castigaram a cidade desde o fim da tarde do dia anterior, o prefeito admitiu que um corte total de 60% na verba de Seconserva pode ter agravado a situação. Mas tentou tirar o foco do uso dos recursos em publicidade. “O problema da crise financeira do Rio de Janeiro é prioridade. A prioridade é a saúde e a educação”, disse. E, apesar de todos os transtornos, afirmou que o Rio “passou no teste”.
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Chuva muito forte fecha vias do Rio e provoca acionamento de sirenes em comunidades pic.twitter.com/rirP20hcGW— Centro de Operações Rio (@OperacoesRio) June 20, 2017
Com o remanejamento das verbas, Crivella pôde começar a empenhar recursos em publicidade, cujos serviços estão, por enquanto, sendo tocados principalmente pelas agências Binder e Propeg, que já trabalhavam com a prefeitura desde a gestão de Eduardo Paes. O ex-prefeito, aliás, pode ter deixado uma espécie de “armadilha” para seu sucessor. Levantamento feito pelo gabinete do vereador Paulo Pinheiro (PSOL) mostra que não havia sido destinada nenhuma verba para propaganda no orçamento de 2017. Ou seja, para cuidar da imagem de seu governo, Crivella teve que remanejar o dinheiro.
O alto investimento em publicidade está longe de ser algo exclusivo da atual gestão. Muito pelo contrário. Também segundo dados levantados pelo gabinete de Paulo Pinheiro, Eduardo Paes gastou em média, por ano, ao longo de seus dois governos, cerca de R$ 82,5 milhões. O ex-prefeito também era generoso com o apoio à realização de eventos promovidos pela Infoglobo, empresa que administra o jornal “O Globo”. Somente de 2012 a 2016, no seu segundo mandato, foram R$ 21,6 milhões, sem licitação, para projetos como o Rio Gastronomia e o Veste Rio. Ainda que em tom de brincadeira, não era raro ver Paes chamando “O Globo” de Diário Oficial nos corredores do prédio administrativo da prefeitura.
Uma curiosidade em relação a essa verba de propaganda do Rio é que o seu conceito no orçamento acaba quase sempre sendo uma ficção. A descrição da rubrica é a seguinte: “Dar publicidade aos atos, programas e ações do governo municipal de modo a garantir ao cidadão participação e benefícios dela decorrentes, captar informações para o serviço público nos diversos meios de comunicação e coordenar, no âmbito da administração municipal, o sistema de ouvidoria, governo eletrônico e publicidade e propaganda”.
Marqueteiro “guru”
No caso de Crivella, além da publicidade em veículos de imprensa, outro foco são as redes sociais. Isso se intensificou principalmente a partir do segundo turno da campanha, em meio ao fogo cruzado de acusações com seu adversário Marcelo Freixo (PSOL). Nos últimos dias, têm aumentado, por exemplo, os posts patrocinados da prefeitura no Facebook.
A propaganda na internet remete ao site institucional “meu.rio”. Ironicamente, o nome é igual ao de uma das ONGs mais combativas na cobrança de políticas públicas na cidade: o Meu Rio, que está inclusive com duas campanhas no ar relacionadas ao Executivo. Uma pede auditorias nas contas das empresas de ônibus, e a outra a convocação de agentes especiais de educação.
Por trás das redes sociais de Crivella está o marqueteiro Marcelo Vitorino, figura que surgiu exatamente no segundo turno das eleições como o guru que faria o então candidato se popularizar na web. Na época da eleição, a empresa de Vitorino recebeu pouco mais de R$ 100 mil por seus serviços. E, quando o prefeito assumiu o cargo em janeiro, passou a ser um personagem que chamava a atenção nos bastidores.
Apesar de não ter cargo na prefeitura, Vitorino passou a andar para cima e para baixo com Crivella. Ao jornal “O Globo”, que fez um perfil de tom leve sobre o marqueteiro, foi dito que seu salário estaria sendo pago pelo PRB, partido do prefeito.
Em suas palestras, Vitorino tem usado a campanha de Crivella como o grande case de sua carreira. Fala inclusive sobre uma espécie de exército de jovens criado para disseminar informações nas redes sociais. Entre os problemas que surgiram às vésperas do segundo turno, o que gerou mais repercussão na web, segundo um livro online disponibilizado pelo marqueteiro a quem se cadastra em seu site, foi o “tchauzinho” irônico dado pela apresentadora da Rede TV! Mariana Godoy ao candidato, após um comentário machista num debate.Apesar do esforço para manter a imagem em alta, Crivella tem entrado em polêmicas que o distanciam cada vez mais de ser uma unanimidade. A mais recente foi o corte de metade da subvenção dada às escolas de samba do Grupo Especial para que o dinheiro fosse destinado a creches conveniadas. As agremiações ameaçam não desfilar caso a medida realmente se concretize.
Os R$ 12 milhões que devem ser cortados do carnaval representam pouco menos da metade de um total de R$ 25,4 milhões que Crivella remanejou para publicidade. Além dos R$ 22,2 milhões tirados da Secretaria de Conservação, houve outros R$ 3,2 milhões retirados em 19 de maio de “apoio a eventos e projetos diversos”.
A Secretaria Municipal de Fazenda informou, em nota, que “os valores referentes aos remanejamentos ordinários orçamentários deverão ser compensados à pasta de origem tão logo as finanças da administração sejam equilibradas”. A nota afirma ainda que “em função dos decretos publicados no início do exercício estabelecendo cortes de despesas, a Seconserma ficou com orçamento em 2017 disponível e liberado de R$ 536.662.830. Esses recursos continuam disponíveis e não foram afetados pelo crédito suplementar referente ao Decreto 43235. Do montante total, já foram liquidados R$ 153.417.105”.
The Intercept Brasil procurou Marcelo Vitorino, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
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