“Houve tolerância demais com o extremismo”, declarou Theresa May, em frente a Downing Street na manhã desta segunda-feira (19), “… e isso significa todo e qualquer tipo de extremismo, incluindo a islamofobia”.
A primeira-ministra britânica estava falando após um brutal ataque terrorista perto de uma mesquita em Londres em que um homem jogou uma van contra um grupo de muçulmanos. O suposto agressor, de acordo com testemunhas, gritou: “Eu quero matar todos os muçulmanos”.
A declaração de May foi bem recebida por vários políticos liberais, bem como pelos principais líderes muçulmanos britânicos, assim como o anúncio da primeira-ministra sobre um reforço nas medidas de segurança nas mesquitas do Reino Unido.
Mas eu tenho quatro palavras para descrever a resposta da primeira-ministra Theresa May: muito pouco, muito tarde.
Por que foi necessário que houvesse um horrível ataque terrorista, resultando na morte de um homem muçulmano desarmado nas ruas de Londres no meio do Ramadã, para levar May a denunciar o ódio antimuçulmano como uma forma de “extremismo”? Por que sangue inocente precisou ser derramado para que a primeira-ministra pronunciasse pela primeira vez a palavra “islamofobia” em voz alta?
E onde estavam suas admoestações anteriores quando os muçulmanos do Reino Unido foram ameaçados por radicais de extrema-direita? May foi ministra do Interior por seis anos, em dois mandatos, sendo encarregada da polícia e dos serviços de segurança. No entanto, durante esse período, ela fez apenas uma referência ligeira às “centenas” de ataques antimuçulmanos no Reino Unido todos os anos, mas se mostrava obsessiva com a ameaça do “extremismo islâmico”. Por que ela não levou a sério uma reivindicação feita por um funcionário do Ministério do Interior, na BBC em 2014, de que a ênfase do governo na “agenda jihadista global” corria o risco de ignorar a crescente ameaça do terrorismo de extrema-direita? Esse funcionário anônimo emitiu um outro duro recado: “Eu não gostaria de chegar ao ponto de que acontecesse algo e, ao olharmos para trás, pensássemos: deveríamos ter olhado para isso aqui também”.
Por que, em 2014, ela se juntou a outros ministros conservadores, alegando de modo absurdo que os extremistas muçulmanos estavam tentando “tomar” as escolas de Birmingham como parte de uma chamada “operação cavalo de Troia”? Uma extensa investigação de um comitê de deputados concluiu que “fora um incidente isolado, nenhuma evidência de extremismo ou radicalização foi encontrada… sequer havia de um plano elaborado sobre essa invasão islâmica”.
Por que, como ministra do Interior, ela se recusou a se envolver ou se reunir formalmente com o Grupo de Trabalho Anti-Islamofobia do Governo? Os professores universitários Chris Allen e Matthew Goodwin, dois especialistas em islamofobia, abandonaram o grupo de trabalho reclamando da falta de apoio do governo conservador e de ministros como May. O grupo, escreveu Allen em 2014, “não teve nenhum espaço, nenhuma influência, nenhum impacto”. Em 2015, Goodwin foi além: “Durante quatro anos, quase sempre desagradáveis, a mensagem passada foi a de que o governo simplesmente não estava interessado em combater o ódio anti-islâmico”.
Por que ela não ofereceu apoio a sua colega ministra Sayeeda Warsi quando ela discursou em janeiro de 2011 sobre o desafio do ódio antimuçulmano no Reino Unido, ressaltando que a islamofobia tornou-se socialmente aceitável no país e “virou um assunto na mesa do jantar”? David Cameron, então primeiro-ministro, se “distanciou” do discurso, enquanto a imprensa de direita lançou ataques maliciosos contra Warsi por ela ter ousado abordar essa questão.
Em seu recente livro “The Enemy Within: A Tale of Muslim Britain“, Warsi – que, em 2010, se tornou a primeira mulher muçulmana a ser nomeada para um ministério no Reino Unido – observa como “seis anos depois do meu primeiro discurso sobre a islamofobia, o único a respeito do tema feito por um político britânico, a formulação de políticas governamentais sobre a islamofobia teve poucos progressos”. Segundo o ex-ministra, “houve pouco financiamento para o trabalho de combate à islamofobia, pouco interesse político na questão, pouco entusiasmo em tratá-la tão seriamente quanto o antissemitismo ou o racismo” enquanto “o discurso político contra os muçulmanos é inflamado”.
Perguntei a Warsi o que ela achava da aparente manobra de 180 graus de May na luta contra a islamofobia. “Fico contente com esta mudança de postura do governo”, me disse, “mas é trágico que tenha sido necessário que houvesse um ataque terrorista para que isso acontecesse”. Warsi acrescentou que ela estava “alertando sobre a ameaça do extremismo de extrema direita e sobre o aumento da islamofobia durante a última década e sempre foi frustrante ver que muitos dos meus colegas [conservadores] não conseguiam se envolver ou mesmo reconhecer a questão”.
Warsi está sendo educada. Muitos políticos do Partido Conservador não só ignoraram a questão da islamofobia, mas se tornaram ativos e interessados atiçadores desse preconceito. Nos últimos meses, enquanto May falou muito sobre o suposto antissemitismo dentro do Partido Trabalhista e dos Liberais Democratas, ela ficou vergonhosamente calada sobre a descarada islamofobia em seu próprio partido.
Por que ela contratou o estrategista político australiano Lynton Crosby – que exortou os conservadores a concentrarem sua campanha nos eleitores de sempre, em vez de tentar atrair “os malditos muçulmanos” – na eleição geral deste ano? Por que nomeou Boris Johnson – que disse certa vez que “o Islã é o problema” e chamou a islamofobia de “reação natural” à leitura do Alcorão – como ministro das Relações Exteriores no ano passado?
Por que a primeira-ministra permitiu que o ex-candidato conservador à prefeitura de Londres Zac Goldsmith saísse candidato a deputado apesar da escancarada campanha islamofóbica feita contra seu rival trabalhista Sadiq Khan no ano passado? O veterano conservador londrino Andrew Boff classificou a retórica anti-islâmica de Goldsmith como “ultrajante” e disse que causou “danos reais” à cidade. A irmã de Goldsmith Jemima – mãe de dois meninos muçulmanos – sugeriu que “a campanha de Zac à prefeitura não tinha integridade”.
Por que May também permitiu a reeleição de deputados conservadores que compararam a burca com um “saco de papel com… dois buracos para os olhos“, que sugeriram que cobrir o cabelo é “uma desculpa para a violência sexual contra as mulheres” e que convocaram as mesquitas no Reino Unido a hastear a bandeira britânica para provar que eles estão verdadeiramente integrados? Aquilo não incomodou a primeira-ministra?
Enquanto isso, os conservadores, sob a liderança de May, escolheram apenas três muçulmanos para concorrer ao Parlamento este ano; nas palavras do veterano comentarista conservador Peter Oborne, “eles desistiram há muito de políticas para atrair o voto muçulmano”. O Partido Conservador, concluiu Oborne, está se transformando lentamente em uma “área sem muçulmanos”.
Área. Sem. Muçulmanos. Como querem que acreditemos que esse mesmo Partido Conservador defenderá os muçulmanos britânicos que estão sendo atacados? Que Theresa May liderará a luta contra o crescimento da islamofobia? Você está achando graça? As observações da primeira-ministra na manhã de segunda-feira não foram apenas muito pouco e muito tarde. Eles foram a definição precisa da palavra hipocrisia.
Tradução: Charles Nisz
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