Mais um capítulo da surreal cena política de Brasília marcou a quarta-feira (5) no Congresso. Preso no mês passado sob a acusação de fraudar uma licitação para a construção de uma creche quando era prefeito de Três Rios (RJ), em 2003, o deputado Celso Jacob (PMDB) se sentou na cadeira de presidente da Comissão de Educação da Casa, após o titular, Caio Narcio (PSDB-MG) ceder o lugar de honra. Jacob, que atualmente cumpre a sentença de sete anos e dois meses de detenção determinada pelo STF em regime semiaberto, ainda recebeu o carinho de colegas.
“Você pode ter tido um erro administrativo, mas não justifica o que fizeram. A cada dia que passa essa Casa se acovarda. É uma alegria tê-lo conosco presidindo esta comissão”, afirmou o deputado Damião Feliciano (PDT/PB) durante a sessão.
Antes de Damião, o presidente da comissão, Caio Narcio, que convocou Jacob ao deixar o plenário, também fez questão de mostrar sua solidariedade: “Reafirmo o apoio à conduta do colega, que jamais atuou contra os interesses do povo de seu estado”.
Mesmo condenado, Jacob mantém os mesmos direitos do que os outros parlamentares não condenados. O congressista continua a receber os R$ 34 mil de salário e pode contratar até 25 servidores, mas sem estourar os R$ 101.971,94 da cota que é destinada a cada parlamentar. O pacote inclui carro oficial, TV por assinatura, internet, telefone fixo, transporte e alimentação, auxílio moradia e saúde. Todos pagos pela Câmara dos Deputados com dinheiro do contribuinte.
Da Câmara para a Papuda
Quando o relógio marca 18h30m de uma sexta-feira, enquanto o restante de seus pares costuma voltar para casa ou viajar a seus estados, Jacob precisa tomar o rumo da Complexo Penitenciário da Papuda, que fica a 13 quilômetros do Congresso, e tem capacidade para receber até 5 mil detentos.
Por lá já passaram outros políticos importantes do cenário brasileiro: o ex-ministro petista José Dirceu; o “homem da mala” de confiança de Michel Temer, Rocha Loures; e Geddel Vieira Lima, braço-direito do presidente, levado recentemente para uma cela do presídio. Todos são acusados de corrupção.
Em dias de sessões que ultrapassem o horário das 18h30m, como costuma ocorrer às terças e quartas, Jacob é obrigado a apresentar uma certidão, a ser emitida pela Câmara, atestando que esteve no plenário no período noturno. O descumprimento da ordem pode levar à revogação do benefício do regime semiaberto.Procurado pela reportagem e após mais de duas horas de espera, Jacob mostrou-se econômico nas palavras. “Só falo na presença do meu advogado”, adiantou, em tom intimidatório.
“Acho que estão usando vossa excelência como bode expiatório pra achincalhar esta casa”
The Intercept Brasil perguntou ao parlamentar sobre sua rotina de poder ir à Câmara só em dias úteis, das 9h às 12h, e de 13h30m às 18h30m. “Tudo normal, a vida tem que seguir, é algo desconfortável, mas irei mostrar minha inocência”. Talvez Jacob não tenha percebido que o último recurso já se esgotou e foi negado no STF.
Mas, se dependesse de seus colegas, Jacob seria absolvido. A sessão da Comissão de Educação teve uma carga intensa de solidariedade, recheada de frases de efeito. “Eu quando sou provocado fico mais valente”, proclamou o vigoroso Átila Lira (PSB/PI) em defesa de Jacob. Segundo Lira, a Câmara precisa aprimorar os mecanismos de “proteção” às investidas externas que visam unicamente constranger outros poderes. “Eu me sinto provocado e com muita mais coragem de enfrentar aquilo que é injusto quando vejo a justiça tentando nos constranger”, afirmou.
“Eu só confio na justiça divina.”
“Acho que estão usando vossa excelência como bode expiatório pra achincalhar esta casa”, esclareceu Sóstenes Cavalcanti (DEM/RJ), deputado com origem na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias (RJ), ligado ao pastor Silas Malafaia. O congressista classificou a decisão da justiça contra Jacob de um “erro”. “Eu só confio na justiça divina. A sua insegurança, deputado, é a insegurança de todos os brasileiros deste país”, disse.
Há entre parlamentares no Congresso uma espécie de rede de amparo quando um colega é preso ou levado para depor pela polícia. Outros tipos de autoproteção são vistas também quando um senador, por exemplo, usa os milhões de votos de Aécio Neves (PSDB/MG) para livrá-lo do processo de cassação no Conselho de Ética. A autoproteção coletiva é justificada na premissa que hoje foi a vez do Jacob. Amanhã, pode ser a vez de qualquer um.
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