Demonstrators take part in a national strike against a labour and social welfare reform bill that the government of President Michel Temer intends to pass, in Sao Paulo, Brazil, on April 28, 2017.Major transportation networks schools and banks were partially shut down across much of Brazil on Friday in what protesters called a general strike against austerity reforms in Latin America's biggest country. / AFP PHOTO / NELSON ALMEIDA (Photo credit should read NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

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Ford tenta driblar pagamento de horas extras e mostra o que esperar do pós-Reforma Trabalhista

Em acordo com funcionários, empresa tenta driblar pagamento de horas extras, resgatando acordo de 2012.

Demonstrators take part in a national strike against a labour and social welfare reform bill that the government of President Michel Temer intends to pass, in Sao Paulo, Brazil, on April 28, 2017.Major transportation networks schools and banks were partially shut down across much of Brazil on Friday in what protesters called a general strike against austerity reforms in Latin America's biggest country. / AFP PHOTO / NELSON ALMEIDA (Photo credit should read NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

Cerca de 1500 funcionários da fábrica da Ford em Taubaté (SP) tiveram uma pequena prova do que estará por vir caso a Reforma Trabalhista seja aprovada. A empresa está tentando recuperar um antigo acordo de trabalho que permitirá que ela drible o pagamento de horas extras trabalhadas aos sábados. O caso evoca um dois pontos polêmicos da reforma: o chamado “negociado sobre o legislado” e a limitação do poder da Justiça Trabalhista.

Segundo o texto, acordos firmados entre patrão e trabalhador serão superiores à lei, e o Judiciário deverá interferir o mínimo possível nestes contratos. Na teoria, seria um dos pontos da “modernização” que prometem “flexibilizar” os modelos de trabalho. Na vida prática — onde já se contam 13,7 milhões de desempregados —, a conclusão lógica é a de que terá vaga quem estiver disposto a aceitar empregos que só tiram benefícios dos trabalhadores.

A reforma mexe profundamente com o artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da convenção coletiva de trabalho. Vários subitens descrevem as situações nas quais “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.

Em audiências públicas na Câmara dos Deputados, juízes trabalhistas já criticaram especificamente esse ponto e afirmaram que a negociação entre patrão e trabalhador deve partir de princípios mínimos da lei. “Quem fará negociação para obter situação pior que a lei já lhe garante?”, provocou Hugo Melo Filho, do Tribunal Regional do Trabalho de Recife (PE).

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Funcionários da Ford em Taubaté (SP) fizeram 3 dias de greve.

Foto: divulgação Sindmetau

De volta a Taubaté, o acordo que a montadora está tentando resgatar foi assinado em 2012. Naquele ano, a indústria registrava altos índices de produção, motivados pelas isenções fiscais dadas pelo governo Dilma Rousseff ao mercado automobilístico. Em agosto de 2012, a produção nacional de automóveis chegou a cerca de 33 mil unidades. Em junho passado, caiu para aproximadamente 21 mil, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. No entanto, a demanda por exportações,uma das especialidades da fábrica do interior de São Paulo, tem aumentado e tem previsão de subir 7,2% no acumulado do ano. Ainda assim, não seria o suficiente para retomar o ritmo de 2012.

Motivada pelos ares otimistas do mercado e pelo fim do auxílio governamental que a empresa recebia via Programa de Proteção ao Emprego (encerrado em junho), a proposta feita aos trabalhadores era retornar ao acordo já vencido. Assim, a fábrica só pararia de funcionar aos domingos, aumentando sua produtividade.

https://twitter.com/HelenaTIB/status/884450827401932800

Os funcionários teriam de cumprir expediente de segunda a sábado, folgando obrigatoriamente aos domingos e em um dia de semana de sua escolha. Como as horas trabalhadas no fim de semana seriam compensadas em dias úteis, a CLT permite que não se pague mais por elas.

Na prática, também sabe-se que não é o mesmo quando se folga fim de semana ou durante um dia útil. A principal queixa dos funcionários foi não poderem estar a famílias nesses dias. Com esta motivação, eles entraram em greve na segunda, 3.

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Manifestante no ato da Greve Geral, no dia 28 de abril, protestando contra o desmonte da CLT.

Foto: Mídia Ninja

Três dias e uma decisão do Tribunal Regional de Trabalho de Campinas depois, o expediente voltou à normalidade. O TRT propôs o retorno da maioria dos metalúrgicos em jornada de segunda a sexta, sem descontar de seus salários os dias de greve. Ponto para os trabalhadores. O formato deve se manter enquanto sindicato e empresa tentam solucionar o impasse dos horários. Caso isso não ocorra, a decisão vai ser tomada pelo TRT. Um sinal de força da Justiça Trabalhista.

O acordo firmado em Taubaté respeita a CLT atual, como explica Renato Sabino, especialista em Direito do Trabalho e professor do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR). Ele conta que, se houver compensação da folga não retirada no sábado durante os dias úteis, não é necessário pagar horas-extras pelo tempo trabalhado no fim de semana. Os benefícios deste formato, no entanto, ficam apenas com a empresa, como descreve o próprio Sabino:

“Pela experiência prévia, os funcionários provavelmente notaram que, na prática, acabam perdendo um dia na semana. Devem ter percebido também que este é um formato que traz mais lucros para a empresa, aumentando sua produção, e pouco retorno para eles que, além da hora-extra, perderam um dia com suas famílias”.

O especialista também explica que, mesmo com a reforma aprovada, os acordos precisarão passar pelo crivo dos sindicatos antes de serem assinados. Resta saber que força as organizações trabalhistas conseguirão ter.

Em entrevista publicada por The Intercept Brasil, o juiz Luiz Colussi, diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), já explicou que outro ponto crítico da reforma é a limitação imposta à justiça do trabalho. De acordo com o texto, que deverá votado na próxima terça (11), todo juiz do trabalho deverá guiar sua ação “pelo princípio da intervenção mínima”.

Ou seja, se o caso da Ford de Taubaté acontecesse em um cenário de reforma aprovada, o TRT não poderia interferir tanto quanto pode hoje, o juiz teria de analisar “exclusivamente a conformidade”.

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Após 3 dias em greve, funcionários da Ford em Taubaté (SP) encerram a greve e voltam ao expediente.

Foto: Divulgação Sindmetau

Desemprego muda dinâmica de forças de negociação

“Queremos chegar a um equilíbrio com a empresa. Buscamos qualidade de vida, mas também entendemos que a Ford não pode fechar uma fábrica dessas, que emprega 1500 pessoas”, conta Cláudia Albertina, operadora de máquinas e diretora sindical da equipe. Ela conta que o desemprego latente do país fez muitos de seus colegas pensarem duas vezes antes de aderirem à greve e lutarem por seus direitos.

Em uma audiência pública realizada na Comissão Especial da Câmara sobre a reforma, o advogado e professor da Escola Superior da Advocacia do Distrito Federal José Augusto Lyra foi direto ao ponto sobre a relação entre “negociado sobre legislado” em o momento de altos índices de desemprego:

“A figura do negociado sobre o legislado pode ser exercida, mas não neste momento em que temos 13 milhões de desempregados. Urge gerar empregos. E ao, gerar empregos, não se pode deixar que essa heresia jurídica prolifere.”

A lógica é simples: em um cenário de alto desemprego sustentado por muito tempo, o trabalhador perde o poder de negociação. Levantamento do SPC Brasil mostrou que, no Brasil, a maior parte dos desempregados está fora do mercado há mais de um ano. Nesse cenário, é compreensível que o trabalhador passe a considerar vagas com menos garantias.

Tempos modernos

Em nota enviada ao jornal Estado de S. Paulo, a Ford afirma que o impasse atrasa um investimento de R$ 1,2 bilhão na produção está travado: “A confirmação desse investimento depende fundamentalmente de termos previamente negociados e acordados com o sindicato”. No mesmo texto, a empresa afirma que “a não implementação dessa jornada ameaça seriamente a competitividade da planta” e promete apelar à Justiça contra os grevistas. The Intercept Brasil tentou entrar em contato com a empresa, mas não obteve resposta.

Jorge Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP e juiz do trabalho, coloca o dedo na ferida e resume a situação em seu texto “A história do Direito do Trabalho no Brasil”:

“No exato momento em que se discute a reforma trabalhista, quando os trabalhadores anunciaram que fariam um dia de paralisação para que se manifestassem em defesa de seus direitos, certamente ameaçados, os empregadores que requerem a reforma trabalhista em nome da modernização, contra o ‘paternalismo’ do Estado, preconizando a livre negociação, recorreram à Justiça (Cível e do Trabalho), para impedir a ação dos trabalhadores e, claro, obtiveram decisões favoráveis à sua pretensão.”

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