Este artigo contém imagens fortes.
Nesta semana, três anos após o Estado Islâmico tomar Mossul, no Iraque, o primeiro-ministro do país, Haider al-Abadi foi à cidade para proclamar a libertação do território e declarar vitória depois de um cerco de nove meses, apesar de ainda haver confrontos nas últimas áreas sob domínio do EI.
“Anuncio daqui o fim, o fracasso e o colapso do Estado terrorista de falsidade e terror”, declarou al-Abadi na segunda-feira.
Mas o custo do combate ao Estado Islâmico tem sido altíssimo para o Iraque. Áreas inteiras de grandes cidades como Mossul e Fallujah estão em ruínas. Dezenas de milhares de iraquianos foram mortos ou feridos. Minorias, como os yazidis e os cristãos, sofreram genocídio. Apesar de Mossul ter sido retomada pelo governo central, cidades como Tal Afar e Hawija continuam sob domínio do EI. Enquanto isso, centenas de milhares de iraquianos estão confinados em campos de refugiados espalhados pelo país, à espera de um futuro incerto.
Homem entrega a um paramédico seu irmão mais novo, morto por uma bomba caseira, em uma instalação médica do bairro de Samah, Mossul, Iraque (18/11/2016).
Cengiz Yar, fotojornalista norte-americano baseado no Iraque, montou um arquivo visual desse tormentoso período da história do país para mostrar as operações militares de retomada de Mossul, o impacto da guerra na vida dos civis e a resiliência do povo iraquiano, mesmo após anos sendo massacrado por um poder totalitário. “Eu vi pessoas atravessarem correndo áreas de fogo cruzado [em direção às regiões controladas pelo governo] para escapar do EI”, conta Yar. “Quando conseguiam atravessar, eram acolhidas pelos soldados, que elas abraçavam, beijavam e agradeciam por terem vindo salvá-las”.
Hoje, cidadãos comuns iraquianos sentem de tudo, “do júbilo ao desespero”, afirma o fotógrafo. “Muitos estão simplesmente felizes por terem sido libertados do EI, enquanto outros, que perderam seus lares e suas famílias, se perguntam o que ainda restou depois disso tudo”.
Mulher dá água ao filho enquanto espera para entrar no campo de deslocados internos de Hasansham (04/11/2016).
As Forças Especiais Iraquianas, o Exército Iraquiano, a Polícia Federal e a Unidade de Resposta Rápida integram a coalizão que combate o EI. Os Estados Unidos e outros parceiros dão apoio aéreo. Milhares de pessoas perderam a vida ou ficaram feridas no confronto, descrito por comandantes norte-americanos como “o conflito urbano mais letal desde a Segunda Guerra Mundial”.
“As forças iraquianas estão pagando um preço muito caro. Todos os soldados com quem conversei perderam amigos ou familiares. Muitos deles foram feridos em combate, três ou quatro vezes”, afirma Yar. “Ao longo de todo o conflito, muitos desses caras ficavam feridos, eram tratados e voltavam para o campo de batalha assim que podiam”.
A guerra ao EI é o capítulo mais recente de uma série de conflitos que vem dilacerando a sociedade iraquiana, da guerra contra o Irã nos anos oitenta à invasão norte-americana em 2003, passando pela Guerra do Golfo. Vivendo em um estado de guerra quase permanente, o povo desenvolveu um profundo pessimismo.
“Soldados iraquianos com quem conversei acham que o conflito nunca vai acabar e que o Iraque nunca vai conseguir estabilidade”, conta Yar. “Muita gente acredita que, depois que o EI for derrotado, vai surgir algo como um ‘EI2’. Sempre vai ter alguma coisa”.
Espantar esse fatalismo será uma das principais tarefas para os líderes iraquianos e para a comunidade internacional. Se não derem segurança e senso de esperança aos tantos iraquianos que perderam suas casas, suas famílias e seu sustento, uma nova onda de conflitos civis pode ser inevitável.
“Muita gente que está nos campos de refugiados simplesmente não tem ideia de quando vai conseguir ir para casa. E, se conseguir, acredita que suas famílias não estarão mais em segurança”, afirma Yar. “Essa guerra começou, em parte, por conta da falta de confiança no governo e da capacidade das células [do EI] de explorar essa situação e dominar o território usando táticas de gangue”.
“É bem possível que isso venha a se repetir no futuro se não for resolvido direito”.
À esquerda: Mulher chora sobre o corpo do marido numa clínica ao sul de Mossul, Iraque (23/02/2017). À direita: Confronto na zona oeste de Mossul deixa rastro de fumaça (11/04/2017)
Menino ferido no rosto e na virilha por estilhaços recebe tratamento numa clínica do bairro de Samah, Mossul (01/12/2016). Antes de ser levado por uma ambulância, a gaze e as ataduras continuavam a pingar sangue.
À esquerda: Civis fazem fila para receber comida doada por uma ONG local perto do condomínio Al Karama Al Khadhra, na zona leste de Mossul. Esse local ficava a apenas 300 metros da linha de frente, perto demais da área de conflito para que organizações internacionais de ajuda humanitária pudessem estar presentes. A comida acabou rapidamente. À direita: Menino come doces enquanto espera sua família obter autorização para passar pela barreira militar de Qavyarah, Iraque (26/10/2016).
Civis que tinham acabado de deixar a cidade de Hawija fazem fila para interrogatório numa base da Asayish, as forças de segurança do Governo Regional Curdo, em Dibis, Iraque (12/12/2016).
Fugindo do conflito entre as forças iraquianas e o EI, pessoas fazem fila para subir em um caminhão que iria levá-los a um campo para deslocados internos no sudeste de Mossul (01/03/2017).
Um agente do Serviço de Segurança Nacional do Iraque (NSS) rende civis durante uma batida para prender suspeitos de ligação com o EI na zona leste de Mossul (21/02/2017). O adolescente de costas para a câmera foi preso; o homem à direita, olhando para a câmera, não foi preso, mas chegou a ser imobilizado para não interferir na operação.
À esquerda: Paramédicos carregam Mohammed, de 12 anos, até uma ambulância em uma instalação médica do bairro de Samah, Mossul (13/11/2016). Mohammed ficou gravemente ferido após um ataque de morteiro que matou seu vizinho Matham Tarek, de 15 anos. Ambos eram refugiados internos que fugiam da guerra em Mossul. À direita: A maca usada para carregar Mohammed (13/11/2016).
Civis que fugiam da guerra entre o exército iraquiano e o EI chegam a um ponto de encontro para deslocados internos ao norte do bairro de Gogjali, Mossul (04/11/2016).
O pai de Matham Tarek chora ao lado do corpo do filho em uma instalação médica do bairro de Samah, Mossul (03/11/2016). Matham morreu em um ataque de morteiro.
Foto em destaque: Menino olha para o fotógrafo pela janela de um Humvee do exército iraquiano no bairro de Karkukli, Mossul (17/11/2016)
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