O juiz Sergio Moro poderia ter seguido o exemplo de nosso líder supremo – Trump, não Temer – e usado o Twitter para espalhar o caos. Em vez disso preferiu gastar 218 páginas na sentença que, tendo como prova basicamente um documento rasurado e o depoimento de um criminoso, condenou um ex-presidente da República à prisão pela primeira vez na história do Brasil. Sim, tivemos Sarney, tivemos Collor, temos Temer, mas coube ao companheiro Lula a honra de ser o primeiro.
A notícia dos nove anos e meio de condenação não foi exatamente uma novidade. Quem assistiu ao juiz agindo como promotor no famigerado depoimento de Lula em Curitiba não poderia esperar outra decisão. Mas, ainda assim, foi um fuzuê danado. Manchete nos jornais, urgência nas redes, vídeo de Jean Wyllys dando munição ao MBL ao afirmar que Moro usa ternos “cafonas” e que os nove anos de encarceramento são uma piada sórdida com os nove dedos de Lula.
Verdade que, nas ruas, a comoção não foi muito mais do que um muxoxo, o que é compreensível. Afinal, se toda vez que a CUT convocasse uma manifestação, o povo obedecesse, nos últimos meses ninguém ia fazer nada além de zanzar pela Paulista de bandeira vermelha em punho.
Lula, por sua vez, resignou-se a assistir ao jogo do Corinthians que, segundo diversos especialistas do Facebook, é a única instituição nacional funcionando plenamente. Só deu as caras aos microfones na hora do almoço de quinta (13), ao lado da fina-flor petista, além de lideranças de esquerda, como Guilherme Boulos (MTST), Vagner Freitas (CUT) e do escritor Raduan Nassar, que parece ter se enjoado da criação de coelhos e resolvido dedicar-se a arreliar os coxinhas.
Lula parecia bem-humorado. Fez piadas de futebol, com Moro, com o Jornal Nacional, passou pelo discurso da falta de provas para a condenação, falou da amizade com seu algoz Leo Pinheiro, do perigo dos depoimentos extraídos após prisões prolongadas, deu uma piscadela para o mercado, mencionando a necessidade de mandar os mais pobres às compras novamente, e tangenciou o luto por Dona Marisa.
Depois, deu uma boa olhada nas cartas sobre a mesa e resolveu aumentar a aposta. Pediu seis em cima do truco de Moro e se lançou pré-candidato para as eleições presidenciais do ano que vem. A pré-candidatura após a sentença foi, ao lado da aprovação da reforma trabalhista que jogou a CLT na lona, a notícia política mais importante da semana.
A assustadora e improvável mistura de autoritarismo e caos que está aí, aí permanecerá até 2019.
Porque, convenhamos, aceita ou rejeitada a denúncia contra Temer, fique ele ou entre Maia, isso pouco importa. A assustadora e improvável mistura de autoritarismo e caos que está aí, aí permanecerá até que outro filho de Deus (ou não), vista a faixa presidencial em 2019. Mas existe também a possibilidade de que o caos permaneça depois de 2019. Uma possibilidade um tanto palpável num país que tem, como segundo colocado na corrida eleitoral, um militar da reserva de extrema-direita cujo nome é melhor não pronunciar. E que, com a decisão do companheiro Lula, torna-se ainda mais palpável.
As chances de o ex-presidente ser de fato mandado para o xilindró diminuem quando ele se torna oficialmente o candidato favorito e, portanto, virtual próximo presidente. Se Moro já ficou com medinho de causar “certos traumas”, e se absteve de colocar um dos políticos mais populares da história atrás das grades, imagine o certo trauma dos desembargadores do Tribunal Regional Federal quando o primeiro lugar na corrida ao planalto se somar na fatura. Portanto, para Lula, a decisão parece acertada. Mas apenas para Lula, em detrimento do povo que ele tanto diz amar. E em prol do caos.
Caos, caos e mais caos
Afinal, haverá um longo período de incertezas. Porque o TRF4 já informou que dará a sentença antes das eleições, mas não disse o quanto antes. A defesa do ex-presidente também pode pedir revisões na decisão de Moro (os embargos declaratórios) além de recorrer a liminares de outros tribunais para manter os direitos políticos do ex-presidente condenado. Mas a dúvida estará sempre à espreita. Teremos uma campanha eleitoral em que, a qualquer momento, o principal candidato pode ser arrancado do palanque direto para a cadeia.
E se isso de fato acontecer? E se o tribunal pedir nove no truco e cassar os direitos políticos do primeiro colocado nas pesquisas? E, pior, se isso for feito poucos meses antes da ida às urnas?
Caos, caos e mais caos. O PT ficará mais perdido do que cachorro em dia de mudança, sem tempo para tirar outro nome da cartola. A esquerda não estará em condição muito diferente, mais dependente do lulismo do que Trump da Fox News. E o pobre PSDB, atônito em cima do muro, tendo de digerir a vergonhosa derrocada de seu menino de ouro Aécio Neves, perderá também o arqui-inimigo que é basicamente sua atual razão de viver.
Há, contudo, um segundo beneficiado pela decisão de Lula. Sim, ele, o inominável militar da reserva de extrema direita que faz a cabeça de cada vez mais abilolados da nação. O “inominável”, usando sua oratória truncada recendente à mofo da caserna, comemorou a sentença nas redes sociais, bateu continência a Moro e se deu como certeza no segundo turno com uma possível ausência forçada do petista. Então, como diria o nobre deputado Tiririca: pior que está, fica. E, graças a Lula, talvez já tenha ficado.
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