Um dia após a aprovação de uma reforma trabalhista sem a participação dos trabalhadores, o juiz herói Sérgio Moro condenou a 9 anos e meio o maior líder sindical da história do país. O ex-presidente foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do Triplex, um desfecho óbvio de um roteiro manjado.
A sentença se debruçou longamente sobre as provas frágeis apresentadas pelo Ministério Público, mas ignorou completamente as provas da defesa. A imparcialidade de Moro vem sendo questionada durante o processo por parte significativa da opinião pública e o conteúdo da sentença contribui para reforçar essa percepção. Não é para menos. Desde o início do processo, o juiz foi visto em eventos públicos organizados por tucanos, pela Globo, pela Isto É, pelo Lide de Doria. Enfim, talvez seja mera coincidência, mas Moro só confraterniza com inimigos declarados de Lula.
Recheada de “poréns” e “entretantos”, a sentença mostra um Moro inseguro, vacilante, preocupado em justificar a ausência de provas materiais e em se defender das acusações de parcialidade — como se isso coubesse a um magistrado. No quesito surrealismo, alguns trechos deixam o powerpoint do Dallagnol no chinelo e demonstram o papel de acusador que o juiz assumiu para si:“Não se trata aqui de levantar indícios de que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa Marisa Letícia Lula da Silva eram os proprietários de fato do imóvel consistente no apartamento 164-A, triplex, do Condomínio Solaris, no Guarujá.”
Aqui temos um juiz explicando que não está levantando indícios, algo que seria absolutamente desnecessário, já que é algo que foge às suas atribuições. Há algo de errado quando um julgador precisa explicar na sentença que não está cumprindo o papel de promotor.
“Em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontra em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu Governo (…)Também não tem qualquer relevância suas eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos.”
A necessidade hercúlea de Moro em se defender das acusações de que pretende tirar Lula das próximas eleições é reveladora. Desde quando um juiz deve esse tipo de satisfação? Por que não se ater unicamente aos fatos que envolvem o processo? Se Lula faz política em cima do processo, Moro jamais poderia fazer. Os motivos são óbvios.
“Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever. Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade.”
Moro considera “tentativa de intimidação” o fato dos advogados de Lula recorrerem à Justiça contra ele por abuso de autoridade, uma ação absolutamente legítima. Não cabe a um juiz desqualificá-la dessa forma em uma sentença.
Moro ainda afirma que poderia cogitar a prisão de Lula tendo como base uma declaração de Léo Pinheiro em delação premiada em que afirma que teria sido orientado pelo ex-presidente a destruir provas. Essa declaração não foi sustentada com provas — fato fundamental para validação de uma delação premiada — e, sozinha, jamais poderia justificar a prisão por obstrução de justiça. Mas Moro escreveu na sentença que pretendeu evitar “certos traumas” que a prisão de um ex-presidente da República poderia causar. Eu pensei que todos fossem iguais perante a lei e que o juiz julgasse com base unicamente com base nas provas do processo, mas Moro confessa, ainda que indiretamente, que norteia seu trabalho a partir de cálculos políticos. Não podemos nos dizer surpresos.
“Por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável que um ex-Presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei. Prevalece, enfim, o ditado “não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você” (uma adaptação livre de “be you never so high the law is above you”).”
Agora esqueçamos a cafonice anglo-saxã entre parêntesis e nos concentremos na satisfação pessoal de Moro, que ele próprio considerou adequado trazer para a sentença. Quando um juiz precisa explicar que não está julgando com base na sua satisfação pessoal é porque está julgando com base na sua satisfação pessoal. Claro, eu não tenho provas materiais para afirmar isso, porém, entretanto, pelo conjunto de indícios dessa sentença e pelas manchetes e capas de revistas, acredito que a satisfação pessoal de Moro já não cabe dentro dele. Quando um juiz vê sua imparcialidade sendo questionada publicamente, ele deveria se considerar impedido de julgar para que dúvidas dessa natureza não prejudicassem o processo, e não ficar se explicando infantilmente em sentença.
Houvesse provas substanciais para a condenação de Lula, Moro mataria a cobra e mostraria, orgulhoso, o pau. Mas elas não aparecem na sentença. O interminável titubeio e a necessidade de se justificar revelam um juiz preocupado em se defender politicamente e provar sua imparcialidade. Bom, faltou combinar com a materialidade dos fatos.
Depois de ter uma presidenta eleita arrancada do poder, os brasileiros agora veem o candidato favorito para 2018 sendo expulso da disputa eleitoral após uma condenação sem nenhuma prova material. Por outro lado, grandes nomes governistas como Aécio e Temer gozam de liberdade e continuam ocupando seus cargos mesmo diante de uma pororoca de provas. Obviamente, as circunstâncias são diferentes, mas, na prática, é essa a aberração que o país vive.
Numa época em que se vive a judicialização da política, o que vemos é a balança da Justiça pendendo a favor da turma do Grande Acordo Nacional — aquela que pretendia tirar Dilma do poder e fazer um pacto com Supremo, com tudo. Políticos comprovadamente corruptos seguem no comando da nação, sendo julgados por aliados políticos, enquanto um ex-presidente sem cargo público há quase 8 anos pode ir para a cadeia com base num roteiro traçado por um juiz que claramente rivaliza com o réu e que baseou sua decisão apenas em delações e indícios. E há quem continue dizendo que as instituições estão funcionando normalmente. Funcionando pra quem?
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