Eram 12h10m da quarta (12), quando Michel Temer ocupou o púlpito no Palácio do Planalto para fazer o anúncio de um repasse bilionário de recursos para investimentos em infraestrutura de estados e municípios.
“Esta ousadia vem dando certo. Vem sendo apadrinhada pela sociedade brasileira e, especialmente, pelo Congresso Nacional”, disse o presidente dos 7% de aprovação.
Uma hora antes, no mesmo dia, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara havia iniciado as discussões sobre o relatório de Sérgio Zveiter(PMDB/RJ), que recomendaria o prosseguimento da denúncia contra o presidente por corrupção passiva e que acabou derrubada pelos demais deputados. Entre inacreditáveis trechos de discussões na CCJ e os discursos de Temer em pelo menos três cerimônias no Planalto a pergunta que fica da semana que passou é: em que mundo vivem essas pessoas?
Para montar um cenário perfeito em que tudo parece bem, Temer contou com plateias lotadas. O auge foi na tarde de quinta (13), quando foi canetada a Reforma Trabalhista. Segundo o próprio presidente, pelas suas contas, foram quase 20 ministros presentes, que repetiram entusiasmadas “palmas de coração” ao ouvirem o presidente falar sobre uma “suposta crise”:
“Nessas últimas semanas, em função de uma ‘suposta crise’, o que tem acontecido é um entusiasmo extraordinário. Hoje de manhã, quando nós lançávamos um plano para a área de saúde, quando entregávamos 9 mil veículos para a Saúde, mais de R$ 1 bilhão em custeio, os aplausos que recebi do Ricardo Barros (ministro da Saúde) e dos que estavam presentes eram uma coisa entusiasmada. E eram palmas que, como digo eu de vez em quando, não eram cerimoniais e formosas. Eram verdadeiras. Na vida pública, aprendemos que há palmas que vêm do coração. Hoje de manhã e aqui encontrei palmas que vêm do coração.”
“O Brasil do amanhã não viverá mais com essa triste realidade que nós vivemos, a realidade do desemprego”
O primeiro a discursar no evento da reforma trabalhista havia sido o titular da pasta do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB), que, se não conseguiu cravar que o país vive um grande momento, garantiu que logo, logo, amanhã, tudo será diferente:
“O Brasil do amanhã não viverá mais com essa triste realidade que nós vivemos, a realidade do desemprego”, afirmou o ministro do governo que viu crescer em 2,6 milhões o número de desempregados em um ano de gestão.
Nas cerimônias, Temer teve ainda a companhia do fiel escudeiro e queridinho do mercado Henrique Meirelles que, como todo ministro da Fazenda sempre faz, acalmou a todos dizendo que está tudo bem com as nossas finanças:
“A economia brasileira, eu gostaria de enfatizar, com a recuperação da confiança dos consumidores e dos produtores, e o resultado do aumento da produção, do comércio, do consumo, que começa cada vez mais a apresentar resultados positivos, vem como consequência dessas reformas fundamentais”, comentou o homem forte da economia do país que amargou o último lugar num ranking de crescimento divulgado em junho.
Enquanto se cerca de gente que diz que tudo está bem, Temer também é o presidente denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR). Mas isso não interfere no cenário perfeito se olharmos para os discursos de deputados que deram os 40 votos necessários para derrubar o parecer de Zveiter a favor da continuidade do processo na CCJ. E não se limitou ao ultraprocessado Paulo Maluf (PP-SP), que chamou Temer de probo, honesto, pobre não só uma, mas várias vezes, até aos berros.
O “povo” sabe que a crise ficou para trás
O deputado Evandro Roman (PSD-PR), por exemplo, conseguiu até fazer uma “pesquisa” com o “povo” para chegar à conclusão de que o país está mesmo andando nos trilhos. Numa manobra do Planalto, ele havia entrado na comissão dias antes para votar a favor de Temer.
“Estive com produtores rurais, comerciantes… De 36 prefeitos, conversei com 23 pessoalmente, que me apoiam. Empresários, profissionais liberais, dirigentes de cooperativas… Enfim, o povo. Conversei com o povo. E todos foram muito seguros de que o sentimento da população de meu estado é que finalmente a crise e a depressão econômica, a mais profunda e longa da nossa história, vão ficando para trás”, disse, na quarta (12), ao resumir a opinião dos mais de 11 milhões de paranaenses.
Logo depois de Roman, tivemos ainda o Danilo Forte (PSB-CE). Convicto defensor de Temer, o deputado foi contra até o que, teoricamente, um partido mais à esquerda pensaria num momento como o de agora para defender o presidente. Não é nada, não é nada, ganhou de presente R$ 2,8 milhões em liberação de emendas às vésperas da votação.
“Não há paralelo entre uma pedalada fiscal (de Dilma), que criou uma instabilidade financeira no país, e uma ilação de que recursos adquiridos de forma ilícita possa provocar uma decisão desta Casa no que diz respeito ao presidente Michel Temer”, afirmou.
E, como Temer tem dificuldade em saber como Deus o colocou na presidência, ninguém melhor para fechar a sequência deste mundo paralelo com Aleluia. Ou melhor, com José Carlos Aleluia (DEM-BA) que, ao atacar o empresário Joesley Batista,pode ter definido bem o estado de espírito que ronda o presidente e suas companhias:
“Estamos tratando de um teatro. De um artista.”
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