“Se continuar assim, eu vou dizer a você, para continuar 7%, 8% de popularidade, de fato fica difícil passar três anos e meio”. A frase é menos irônica do que profética. Foi proferida pelo então vice-presidente da República, em setembro de 2015, em um encontro com empresários em São Paulo, sobre a aprovação de Dilma Rousseff, divulgada dias antes pelo Datafolha. A então presidente acabava de atravessar o mês de agosto, época de maus agouros na política brasileira, com sua pior avaliação.
O impeachment, já em gestação, era defendido por 66% dos eleitores, e mobilizava uma multidão às ruas contra o governo.
Seu governo era considerado ruim ou péssimo por 71% dos entrevistados, enquanto 8% o avaliavam como ótimo/bom. O impeachment, já em gestação, era defendido por 66% dos eleitores, e mobilizava uma multidão às ruas contra o governo. O PIB recuava 1,9% no 2º trimestre, e o país acabava de entrar em recessão técnica. Era difícil, de fato, concluir o mandato, mas os então aliados resolveram (não) colaborar. Na frente da Fiesp, a poderosa federação da indústria de São Paulo, um pato amarelo gigante simbolizava o divórcio entre a classe empresarial e a presidenta reeleita.
As esperanças de um novo dia, de um novo tempo que começava foram logo depositadas em Michel Temer, sobre quem pairava a aura de político habilidoso, atento e “sensível” às demandas do Congresso e do empresariado (o que, no Brasil, é quase a mesma coisa).
Temer chegou à Presidência com amplo apoio parlamentar. Contava com a boa vontade da imprensa e dos empresários sedentos por mudanças na condução da política econômica, logo interpretadas como reformas na legislação trabalhista e do sistema previdenciário.
Faltou combinar com os eleitores
Quem votou em Dilma passou a acusar o golpe e a conspiração do antigo aliado, e quem não votou nela também mostraria dificuldade em engolir seu vice na mesma chapa. Isso apesar de a antiga oposição, encabeçada pelo Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado à Presidência – e candidato favorito de parte dos manifestantes – tenha se tornado aliada de primeira hora do novo velho governo.
Em setembro de 2016, já presidente, Temer era aprovado por 14% dos brasileiros, segundo outro instituto de pesquisa, o Ibope. Não era muito, mas em menos de um um ano o peemedebista conseguiu reduzir o apoio para menos da metade (5%), segundo o levantamento do mesmo instituto, encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e divulgado no último dia 27, enquanto sua reprovação disparou de 39% para 70%.
Sua maneira de governar é hoje desaprovada por 83% dos eleitores, e 87% dizem não confiar em Temer. Mais da metade (52%) considera sua administração pior do que a da antecessora. Não é preciso ser nenhuma raposa política nem ocupar a linha de sucessão para concluir que “se continuar assim, eu vou dizer a você…”
Equipe minada por acusações
Conservador, deslocado do próprio mundo e com uma equipe afundada em suspeitas, Temer, ainda assim, parecia capaz de atravessar a pinguela graças à maioria do Congresso, o único local do Planeta onde, em meados de 2017, parecia superar os 5% de apoio. Era o que precisava para fazer rodar o trator das reformas.
Ele, que prometia afastar do governo quem fosse formalmente denunciado, viu aos poucos uma parte considerável de sua equipe de notáveis, como Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Rocha Loures, ser detida ou deixar o governo para se defender de acusações.
Até que, flagrado em uma conversa às escuras com Joesley Batista, da JBS, ele se tornou também um integrante do governo formalmente acusado. Denunciado por corrupção pela Procuradoria Geral da República, Temer terá o futuro político julgado agora pelo mesmo Congresso que pavimentou sua chegada à Presidência sob o comando do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A dois dias da votação do futuro do peemedebista na Câmara, 81% dos eleitores defendiam, segundo o Ibope Inteligência, que os deputados deveriam aceitar a denúncia contra ele. Para 79%, os deputados que votarem contra a denúncia serão “cúmplices da corrupção” e 73% concordam que eles não deveriam ser reeleitos.
Na balança dos parlamentares está um cálculo político entre a sobrevivência e a sobrevida política. Um diz respeito a acordos e alianças até 2018, outro, à opinião pública.
Isso, em Brasília, é imperdoável, mas vira objeto de “dilema” quando outras variáveis entram em jogo.
Os deputados que há pouco mais de um ano proferiam discursos em defesa da família, da moral e dos bons costumes na sessão do impeachment, sabiam quem estavam ajudando a conduzir ao Planalto. O peemedebista, porém, não caiu em desgraça por manter uma conversa pouco republicana com um delator que lhe confidenciava a compra de silêncio de procurador, juiz e deputado, mas porque se deixou flagrar.
O “erro” atingia não a imagem de um político incorruptível que ninguém, àquela altura, chegava a imaginar, e sim a da raposa política, escaldada e cuidadosa, incapaz de deixar as digitais em qualquer falcatrua.
Isso, em Brasília, é imperdoável, mas vira objeto de “dilema” quando outras variáveis entram em jogo.
No jogo pela sobrevivência, no qual integrantes de comissões que vão julgar o presidente são trocados à luz do dia e apoio é negociado com verbas e cargos e perdão de dívidas (os pecados inaceitáveis do governo deposto), parece não ter sobrado qualquer apreço à discrição. Com Aécio Neves, do antes combativo PSDB, igualmente atingido pela Lava Jato, os investigados do PMDB ganharam uma premissa na qual uma mão suja a outra.
Aos demais, hoje relativamente distante do centro das denúncias, restará o risco de salvar em plenário um governo mal avaliado e marcado por investigações e medidas impopulares, como o recém-anunciado aumento da gasolina (alguém precisa pagar o pato), garantir a travessia da pinguela ou se estourar na próxima eleição. O juízo final promete ser implacável em 2018 – se houver juízo ou eleições até lá.
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