O Brasil permanece em suspenso enquanto Bruno Araújo (PSDB-PE) se aproxima do microfone. Ao redor, políticos das mais diversas legendas se espremem e se acotovelam, segurando cartazes de apoio. Querem estar o mais perto possível daquele pedacinho da história que se desenrola. O discurso, produzido por cordas vocais amplificadas pela energia do momento, é curto, direto e inflamado:
“Quanta honra o destino me reservou de poder, da minha voz, sair o grito de esperança de milhões de brasileiros”, o deputado berra a plenos pulmões. “Carrego comigo nossas histórias de luta pela liberdade e pela democracia, por isso eu digo ao Brasil: sim pelo futurooooo!”
Ele sustenta o final da palavra até ficar sem voz, enquanto é efusivamente aplaudido e abraçado. Com o voto, de número 342 pelo sim, está garantido o prosseguimento do processo que afastou a líder da nação. Ao redor, deputados entoam o coro da vitória: “eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor-o-o-ooor”…
O momento apoteótico, que ainda hoje ilustra a foto de capa da página de Facebook de Araújo, ocorreu no dia 17 de abril de 2016, quando ele ocupava a cadeira de deputado federal e se destacava entre seus pares batendo panela na tribuna do plenário. Menos de um mês depois, no dia 12 de maio, o Senado destituiu a presidente do cargo e Michel Temer demorou apenas algumas horas para anunciar 22 ministros. O homem do voto 342 estava entre eles, incumbido da pasta de Cidades.
Brilha uma estrela
Ao ser escolhido como um dos três ministros do PSDB a participar do governo de salvação nacional, Bruno Araújo se consolidava como uma estrela tucana em ascensão. O problema é que os executivos da Odebrecht aparentemente já tinham percebido isso havia algum tempo. E, de acordo com delações de ex-executivos da empreiteira, trataram de cevar a presa no caixa dois.
“Conheço ele desde quando ele era adolescente, tenho relações com a família dele, conheço o pai dele, conheço irmão e portanto foi uma contribuição que me foi pedida, e eu consegui aprovar perante a companhia”, disse João Pacífico Ferreira, ex-diretor superintendente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste da Odebrecht. Segundo ele, foram pagas duas parcelas de R$ 300 mil – uma em 2010, outra em 2012. “Isso era em função também da relação e também de uma aposta que nós fazíamos, que ele viria a ser um político de destaque. E tanto que ele foi. Hoje, ele é hoje ministro de estado”, concluiu Ferreira.
Araújo, o batedor de panela, tinha até apelido no sistema da empreiteira: “Jujuba”. E a relação com Pacífico Ferreira não era a única no mundo das delações. O lobista Cláudio Melo Filho, nas 82 páginas em que detalhou como comprava os homens públicos da nação, dedicou quatro parágrafos ao político pernambucano:
“Desenvolvi uma boa relação profissional e pessoal com ele, especialmente na época em que ele foi líder do PSDB na Câmara. A relação de amizade se desenvolveu a ponto de ele ter me indicado para receber a Medalha do Mérito Legislativo (…)”.
Por conta das delações ligadas à Odebrecht, Araújo se tornou um dos oito ministros do Conde a terem abertura de inquérito autorizada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo, e está sendo investigado por corrupção e lavagem de dinheiro.
De Brasília a Sanharó
As colaborações premiadas, essas ervas daninhas que minam a seiva da política brasileira, não figuram como as únicas zonas cinzentas no passado de Araújo. Quando ainda era deputado estadual por Pernambuco, ele foi flagrado em conversas telefônicas com o ex-prefeito de Sanharó Ranieri Aquino de Freitas (PMDB), acusado de desvio de verbas e fraudes em leilões. Numa das gravações, o investigado pergunta a Araújo se o delegado encarregado da investigação já havia sido transferido.
“A gente vai ter que aguentar esse rojão [investigações] até estar publicado isso, viu? Eles garantiram que até sexta-feira, o decreto [de transferência] está publicado”, o deputado respondeu. O delegado de fato foi transferido alguns dias depois. E Araújo, como costuma acontecer com seus correligionários, acabou inocentado de qualquer tentativa de manipulação da Justiça.
O atual ministro também negou irregularidades no caso da Odebrecht. “De acordo com a legislação eleitoral, solicitei doações para diversas empresas, inclusive a Odebrecht. Mantive uma relação institucional com todas essas empresas. Atuei de acordo com a minha consciência”, afirmou em nota, no começo de abril.
Desembarque do governo? Melhor, não
Essa mesma consciência, ao que parece, fez com que ele fosse o primeiro ministro tucano a anunciar o desembarque do governo Temer, depois que a fatídica conversa entre o Conde e Joesley “Açougueiro” Batista veio à tona. A decisão, que veio a público no dia 18 de maio, não seria a primeira exoneração do cargo. Em abril, por exemplo, Araújo havia sido apeado do ministério por um dia, por ordem do Conde, para reassumir o mandato na Câmara e votar a favor da reforma trabalhista, manobra que se repetiu também no caso da PEC do teto dos gastos.
Quando partiu do ministro e não do presidente, contudo, o abandono do cargo não chegou a se concretizar. Araújo voltou atrás algumas horas depois do anunciado, alegando um pedido especial dos amiguinhos tucanos que, de olho na aliança com o PMDB para 2018 relutam em deixar o governo moribundo. Existe, contudo, a possibilidade de essa decisão ter raízes um tanto mais profundas.
No dia seguinte ao anúncio do desembarque, a imprensa pernambucana reproduziu um trecho da delação do lobista da JBS Ricardo Saud dizendo que a empresa pagou R$ 200 mil a Araújo. O dinheiro, usado para financiar campanha, teria sido entregue em espécie, na cidade de Recife. À época, por meio de sua assessoria, Araújo afirmou que tratava-se de financiamento oficial, mas não explicou por que o valor não estava nas prestações de conta da campanha. De qualquer forma, talvez ficasse meio chato sair do governo por conta de uma conversa do presidente com o dono da JBS e aparecer como beneficiário de caixa dois em uma delação da?… JBS.
Na agenda oficial do ministério, em todo o mês de julho existem apenas dez compromissos externos.
Por via das dúvidas, Araújo garantiu que ficaria com Temer até o fim, e não se falou mais em desembarque ou em delação. O silêncio, aliás, parece ter se tornado regra. Quando o Ministério das Cidades foi apontado como um dos maiores afetados pelos recentes cortes no orçamento, por exemplo, não se viu nenhuma declaração de Araújo. Na agenda oficial do ministério, em todo o mês de julho existem apenas dez compromissos externos. Desde a manhã de segunda-feira, (31), a reportagem tentou diversas vezes entrar em contato com a assessoria do ministro, mas as ligações caíram direto na caixa postal.
Enquanto o ministro lança mão da estratégia avestruz, novas provas não param de aparecer, e confirmam boa parte do que disseram os alcaguetes da JBS. Apesar disso, o governo tenta se mostrar confiante na previsão de que Araújo continuará ministro e Temer, com seus 5% de aprovação, continuará presidente, apesar da denúncia de corrupção, cuja rejeição será votada pela Câmara nesta quarta (2). Se esse quadro se confirmar, restará aos 83% dos brasileiros que desaprovam o estilo Conde de governar o alento de que a cantoria da tragédia do impeachment dificilmente se repetirá na farsa da denúncia.
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