Bem longe dos holofotes nacionais voltados para a corrosão política de Brasília, mais de 2,3 milhões de eleitores vão voltar às urnas neste domingo no Amazonas para escolher um novo governador. Mas o presente e o futuro do estado mais extenso do Brasil não são muito auspiciosos. O resultado da eleição fora de época, que só está acontecendo graças a práticas corruptas, não deverá trazer nenhuma renovação. Pelo contrário, serve de símbolo da capacidade da velha política brasileira de seguir prosperando, mesmo levando a reboque acusações criminais graves.
A eleição é especialmente importante em meio ao caos político e econômico por que passa o Brasil. Serve como espécie de termômetro do comportamento do eleitor para as eleições de 2018 – a primeira depois do grosso dos estragos feitos pela Operação Lava Jato. O futuro governador ou governadora terá de lidar com um estado gravemente afetado pela crise econômica, o terceiro maior índice de desemprego do país e uma grave crise carcerária que mobilizou o país no começo do ano e ainda está longe de ser resolvida.
O vácuo político no estado começou quando a campanha de José Melo (PROS) foi acusada de comprar votos de eleitores, e com apoio de dinheiro desviado de contratos relacionados à Copa do Mundo (Manaus foi uma das sedes da competição). A empresária Nair Blair, dona de uma empresa de segurança contratada na Copa, é acusada de distribuir o dinheiro em um comitê eleitoral de Melo. O ex-governador foi cassado em janeiro de 2016, mas se manteve no cargo até maio deste ano, quando o TSE confirmou a decisão do tribunal local e determinou o afastamento imediato do cargo.
A costura política para estas eleições suplementares é evidência da gelatinosa política de alianças do Brasil.
Com a saída de Melo e de seu vice do jogo, a partir da decisão do TSE, quem assumiu o governo foi o presidente da Assembléia Legislativa, David Almeida (PSD). Para manter o deputado no cargo, a Assembleia entrou na Justiça pedindo eleição indireta. E, durante alguns dias, a eleição direta foi mesmo suspensa pelo STF, mas depois foi confirmada, em decisão do ministro Celso de Mello.
A costura política para estas eleições suplementares é evidência da gelatinosa política de alianças do Brasil.
Almeida até tentou ser candidato agora, mas teve as asas cortadas pelo cacique do partido, o senador Omar Aziz, que tinha José Melo como vice quando governou o Estado entre 2010 e 2014. Aziz agora apoia o veterano Amazonino Mendes, do PDT. Fora da disputa, o governador interino apóia Rebecca Garcia, do PP – um dos partidos mais fieis a Michel Temer na votação que barrou denúncia contra o presidente. Rebecca, por sinal, foi vice de Eduardo Braga nas eleições de três anos atrás, e agora rivaliza com o senador peemedebista pelo comando do Estado.
Não há pesquisa de institutos nacionalmente conhecidos para a disputa. Mas as sondagens disponíveis, do Pesquisa365 e Diário do Amazonas, colocam, a depender do levantamento, Amazonino e Eduardo Braga na frente, mas ambos sem força suficiente para garantir vitória no primeiro turno. Também disputa uma vaga no segundo turno a candidata Rebecca Garcia. Outros seis “cumprem tabela”. Mas esses números devem ser bem relativizados. Como não há um clima geral de eleição no país, as expectativas são de abstenção acima da média.
Outro fator é que a campanha também foi bem curta. Da definição oficial das candidaturas, em 20 de junho, até aqui, foram apenas 45 dias. Como a tendência é de segundo turno, a campanha pode ganhar mais fôlego até o dia 27 deste mês, quando os amazonenses voltarão às urnas.
Eduardo Braga, o representante da Lava Jato nas eleições
Entre os favoritos na disputa, não falta telhado de vidro. Eduardo Braga é o nome que alcançou maior projeção nacional. Em 2010, ganhou vaga no Senado e logo se aliou ao governo Dilma Rousseff. Virou líder do governo e, mais tarde, ministro de Minas e Energia. Braga é empresário e tem ações em gigantes como Ambev, Vale e Petrobras. É um dos candidatos mais ricos do país, com patrimônio declarado de R$ 31 milhões.
Braga é o “representante” da Lava Jato na disputa pelo governo-tampão. O senador é alvo de inquérito no STF por suspeita de receber R$ 1 milhão em propina da Odebrecht quando ainda era governador. O político ainda aparece em outras delações da operação. De acordo com ex-diretores da construtora Andrade Gutierrez, Braga teria cobrado propina na construção da Arena da Amazônia. A PGR ainda não apresentou pedido de abertura de inquérito sobre este caso.
O histórico de Braga com a Justiça vai além da Lava Jato. Em 2013, o STF já tinha aberto outro inquérito contra o senador, ainda em andamento. Ele é suspeito de desvio e fraude em desapropriação de um terreno em Manaus por valor acima do real. Segundo a denúncia, seu governo pagou R$ 13 milhões pela desapropriação de um terreno que, dois meses antes, tinha sido comprado por particulares por R$ 400 mil. “Uma valorização de 3.100%”, disse o então procurador-geral da República Roberto Gurgel no pedido de abertura do inquérito. O envolvimento de Eduardo Braga no caso foi arquivado em decisão do ministro Gilmar Mendes no ano seguinte.
O vice em sua chapa é Marcelo Ramos (PR), que estava bem cotado como pré-candidato. Mas às vésperas do prazo legal aceitou recomendação de seu partido e se uniu a Braga. O acerto veio por orientação e com as bênçãos do deputado federal Alfredo Nascimento, principal nome do PR no Estado e que se notabilizou por ter sido o alvo inaugural da “faxina” promovida por Dilma Rousseff em seu primeiro ano de governo, quando tentou depurar seu governo de ministros envolvidos em suspeitas de corrupção. Nascimento era o ministros dos Transportes.
Amazonino Mendes, um clássico da velha política
O principal rival de Braga é Amazonino Mendes, que tem um leve favoritismo na disputa, conforme as sondagens feitas até aqui. Um dos mais longevos políticos locais, Amazonino carrega o Estado no nome. Já governou o Amazonas três vezes (1987-1990; 1995-1998;1999-2002), além de ter sido prefeito de Manaus nas décadas de 80, 90 e, mais recentemente, entre 2009 e 2012. Ele mesmo já teve a cassação determinada pela Justiça quando administrava Manaus. Mas a decisão foi derrubada posteriormente.
Em 2015, teve bens bloqueados juntamente com outras 10 pessoas em ação movida pelo Ministério Público por suspeita de fraude em contratos de implantação do sistema de engenharia de trânsito em Manaus com a empresa Consladel que somaram R$ 40 milhões. O contrato foi firmado em 2011, quando Amazonino era prefeito de Manaus.
Entre as polêmicas de Amazonino está uma visita a uma comunidade pobre de Manaus em 2011 que resistia para não ser removida. Na ocasião, discutiu com uma moradora e chegou a dizer “Então morra!” para ela. Ao saber que ela era paraense, respondeu com menosprezo. No mesmo ano, os vereadores de Belém declararam Amazonino persona non grata na capital do Pará.
Rebecca Garcia, a que teve um (quase) vice formador de cartel
Rebecca Garcia, à primeira vista, poderia representar um sopro de renovação no Estado. Mais jovem entre os favoritos, tem 44 anos, é formada em Economia pela Universidade de Boston, nos Estados Unidos, e presidiu a Zona Franca de Manaus. Foi demitida como retaliação ao ex-aliado Eduardo Braga, pela postura oposicionista em relação a Michel Temer.
Rebecca é de uma uma família ligada ao setor de comunicações, proprietária da TV Rio Negro, afiliada da Band em Manaus, e do extinto jornal “O Estado do Amazonas”, onde ela já ocupou o cargo de diretora-presidente.
Para essa disputa, ela escolheu como vice Abdala Fraxe (PODE), deputado estadual e atualmente na cadeira de presidente da Assembleia Legislativa, enquanto David Almeida exerce a função de governador-tampão. Teve de arrumar outro, o vice-presidente da Câmara Municipal de Manaus, Felipe Souza ( para o lugar depois que a Justiça Eleitoral barrou a candidatura do deputado. Ele estava enquadrado como ficha suja, por ter sido condenado em segunda instância por formação de cartel. Fraxe esteve envolvido em um esquema de combinação de preços de combustíveis em Manaus. Ela já sabia do problema, mas a chapa acreditava que a Justiça consideraria que formação de cartel não contaria para a Lei da Ficha Limpa. Não funcionou.
Os deputados estaduais Zé Ricardo (PT) e Luiz Castro (Rede), os vereadores Wilker Barreto (PHS) e Marcelo Serafim (PSB), Liliane Araújo (PPS) e o cabeleireiro Jardel (PPL) também concorrem. Entre os azarões, o cabeleireiro Jardel (PPL), um desconhecido até aqui, apareceu após se esgotar o prazo para convenções partidárias. Sem chances de vencer, eles podem se beneficiar da exposição que estão obtendo este ano para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa no ano que vem.
Vencedor precisará lidar com crises econômica e de segurança
O novo governador terá uma série de desafios para aquele que historicamente é dos mais desafiadores estados brasileiros: apesar de quase a metade dos 4 milhões de amazonenses estarem em Manaus, cidades como Carauari, na região do Alto Juruá, com 28 mil habitantes, estão acessíveis apenas após duas semanas de barco.
A infraestrutura do Estado sempre foi precária. Mesmo com um desenvolvido sistemas de hidrovias na bacia do rio Amazonas, responsável pela maior parte do transporte local, o Estado tem apenas 970 km de rodovias – e 96% delas em péssimo estado de conservação.
A maior ameaça à estabilidade do governo é a questão carcerária, que chegou próximo do colapso em 2017: a chacina dentro do Compaj, presídio no norte de Manaus, resultou em 56 mortos e 119 foragidos no primeiro dia do ano e marcou a perda de controle do governo sobre a violência dentro dos presídios e nas ruas da capital. Depois do estopim caótico em janeiro (e outra rebelião em abril, com sete mortos), o número de mortes violentas no estado aumentou, chegando a 506 nos cinco primeiros meses de 2017. Mais de sete meses depois do primeiro incidente, que desencadeou uma onda de violência em penitenciárias no Norte e Nordeste do país, o governo ainda não concluiu as investigações.
Até maio, de acordo com dados fornecidos pelo Conselho Estadual dos Direitos Humanos, a população carcerária do Estado era de 9.127 presos (6.780 em Manaus). De acordo com o conselho, a superlotação na capital é de 97% e no interior de 373%. No interior, apenas cinco municípios possuem prisões. Em 56 cidades, os presos ficam em celas de delegacias.
O Amazonas é ainda um dos Estados mais afetados pela crise econômica. O impacto se dá especialmente sobre o Pólo Industrial de Manaus, que afeta o número de empregos e a arrecadação do Estado. Embora o polo esteja aos poucos recuperando o fôlego, o Amazonas tem hoje, de acordo com as pesquisas trimestrais do IBGE, a terceira maior taxa de desemprego entre as 27 unidades da Federação, com 17,7% da população economicamente ativa sem ocupação. O índice está bem acima da média nacional calculada pelo IBGE, de 13,7%, abaixo apenas de Bahia e Amapá.
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