Para variar, Donald Trump tem razão. “Nós não podemos deixar um louco com acesso a armas nucleares livre desse jeito”, ele disse ao presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, de acordo com a transcrição de sua bizarra conversa telefônica que foi vazada ao The Intercept em maio.
O homem louco ao qual o presidente americano estava se referindo, é claro, era o ditador norte-coreano Kim Jong-un. No entanto, o insano que deve nos preocupar é o próprio Trump, que – antes que nos esqueçamos – tem acesso exclusivo e irrestrito para lançar quase mil ogivas nucleares em uma questão de minutos, caso queira.
A maioria dos especialistas em não proliferação nuclear – assim como o ex-presidente Jimmy Carter e vários ex-oficiais do Pentágono e Departamento de Estado, tanto republicanos quanto democratas – concorda que o brutal e assassino Kim, por mais que se gabe, não chega a ser irracional ou suicida e tende a querer defender seu regime e evitar um ataque americano. Armas nucleares são para fins defensivos, e não ofensivos, além de serem uma ferramenta para a liderança norte-coreana – a qual William Perry, secretário de Defesa de Bill Clinton, avaliou na Fox News, em abril, como “brutal e descuidada”, mas “não maluca”.
Entendeu? Kim é mau, não maluco.
O mesmo não pode ser dito em relação a Donald, no entanto. Acha que eu estou sendo injusto? Em fevereiro, um grupo de psiquiatras, psicólogos e agentes sociais escreveram para o New York Times dizendo que “a severa instabilidade emocional indicava que o discurso e as ações do sr. Trump o faziam incapaz de atuar, com segurança, como presidente”. Em abril, outro grupo de especialistas em saúde mental disse, em uma conferência na Faculdade de Medicina de Yale, que Trump estava “paranoico” e “delirando”, além de dizer que o presidente sofre de uma “séria doença mental”.
Seria então surpreendente que tantos relatos recentes sugiram que os sul-coreanos estão mais preocupados com Trump do que com a ameaça representada por seu hostil e paranoico vizinho?
Levem em consideração a reação de Trump, esta semana, a um relatório confidencial da inteligência dos EUA – publicado pelo Washington Post –, que dizia que a República Popular Democrática da Coreia agora é capaz de construir uma ogiva nuclear pequena o suficiente para caber em um míssil. “É melhor a Coreia do Norte não fazer mais ameaças aos Estados Unidos”, comentou o presidente em resposta a um repórter no Bedminster Golf Club, na terça-feira. “Eles vão se deparar com fogo e fúria, de uma forma inédita no mundo. Ele foi além do normal em suas ameaças. E, como eu disse, eles vão ser combatidos com fogo, fúria e, francamente, com uma força maior do que qualquer outra já vista neste planeta.”
Como dizer que essa reação do líder do Mundo Livre não é desmedida? Em maio, ele disse que se sentiria “honrado” em conhecer Kim e o chamou de “um cara sagaz”. Em agosto, ele tirou uma folga das suas férias no clube de golfe para casualmente fazer uma ameaça de aniquilação nuclear ao país de Kim (não com base em nenhuma ação agressiva da Coreia do Norte, e sim de suas ameaças).
Será que Trump entende a diferença entre agravar e desagravar uma crise nuclear? Vejam o que disse o senador republicano John McCain, que nunca abriu mão de bombardear, invadir e ocupar um “Estado vilão”. “Discordo das palavras do presidente”, McCain disse, na terça (8), quando ainda completou: “Esse tipo de retórica não é muito benéfica.”
Quão maluco você precisa ser para antecipar um ataque nuclear que nem McCain consegue apoiar?
Trump até que leva jeito para falar livremente sobre armas nucleares. Durante a campanha presidencial, em agosto de 2016, o apresentador da MSNBC e ex-congressista republicano Joe Scarborough revelou que Trump, ao longo de uma conversa de uma hora com um conselheiro sênior sobre política internacional, perguntou três vezes sobre o uso de armas nucleares. Em dado momento durante o encontro, de acordo com Scarborough, o então candidato republicano perguntou ao conselheiro o seguinte: “Se nós as temos, por que não devemos usá-las?”
A atitude blasé e eufórica em relação à utilização da maior arma de destruição em massa já feita é um forte indicador da imaturidade, ignorância, beligerência e, sim, loucura de Trump. Diante de nós está um presidente impulsivo, inconstante e instável, cujas vida e carreira foram definidas pela falta de empatia. Vocês se lembrar da sua estratégia para derrotar o ISIS? “Bombardeá-los até a morte” e “acabar com suas famílias”.
Então, você realmente acha que ele se preocupou com a possível morte de civis quando deu seu aviso sobre “fogo e fúria”? Nem pensar.
Vejam o que disse o suprassumo republicano, senador e colega de McCain, Lindsay Graham. “Se houver uma guerra a ser detida [Kim], vai ser por lá”, Graham disse a Matt Lauer, da NBC, na semana passada, em relação à recente conversa que teve com o presidente. “Se mil morrerem, vão morrer lá. Ninguém vai morrer por aqui – e ele falou isso na minha cara.”
“Isso é loucura”, disse Kingston Reif, especialista em desarmamento nuclear da Associação de Controle de Armas, em um tuíte em resposta ao relato de Graham sobre sua conversa com Trump. “Loucura pura.”
Lembrem-se de que, há 72 anos, os Estados Unidos lançaram a segunda bomba atômica no Japão, matando 39 mil pessoas em Nagasaki. Três dias antes disso, a primeira bomba atômica matou cerca de 66 mil pessoas em Hiroshima. No entanto, uma guerra nuclear na Coreia faria os ataques a Hiroshima e Nagasaki parecerem brincadeira de criança. Especialistas dizem que, mesmo que a guerra entre os EUA e a Coreia do Norte não envolva armas nucleares, ela mataria mais de 1 milhão de pessoas. Em caso de guerra nuclear, o número saltaria para dezenas de milhões de mortes. O conselheiro de segurança nacional de Trump, H.R. McMaster, admitiu que um ataque precoce por parte dos EUA seria uma “catástrofe humatinária”.
Mas o presidente se importa? Graham acha que não. O ex-escritor-fantasma de Trump, Tony Schwartz, que passou 18 meses em sua companhia trabalhando em “Trump: A Arte da Negociação”, chamou o presidente de “sociopata”. Na verdade, há uma frase que se destacou no popular relato de Schwartz em entrevista ao New Yorker, em julho de 2016, e que é aterrorizante. “Eu genuinamente acredito que, se Trump vencer e tiver acesso aos códigos nucleares, isso vai significar o fim da nossa civilização”, disse Schwartz.
Não podemos dizer que não fomos avisados.
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