On Saturday, August 12, 2017, a veritable who's who of white supremacist groups clashed with hundreds of counter-protesters during the "Unite The Right" rally in Charlottesville, Va. Dozens were injured in skirmishes and many others after a white nationalist plowed his sports car into a throng of protesters. One counter-protester died after being struck by the vehicle. The driver of the car was caught fleeing the scene and the Governor of Virginia issued a state of emergency. (Photos by Michael Nigro) *** Please Use Credit from Credit Field ***(Sipa via AP Images)

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Longe de Charlottesville, São Paulo também celebra o "lado errado da história"

Cidades do interior de São Paulo celebram a herança histórica dos separatistas sulistas que queriam manter a escravidão.

On Saturday, August 12, 2017, a veritable who's who of white supremacist groups clashed with hundreds of counter-protesters during the "Unite The Right" rally in Charlottesville, Va. Dozens were injured in skirmishes and many others after a white nationalist plowed his sports car into a throng of protesters. One counter-protester died after being struck by the vehicle. The driver of the car was caught fleeing the scene and the Governor of Virginia issued a state of emergency. (Photos by Michael Nigro) *** Please Use Credit from Credit Field ***(Sipa via AP Images)

A manifestação neonazista e o atentado ocorridos na semana passada em Charlottesville giram em torno da disputa simbólica da herança representada pelos monumentos confederados. A cidade da Virgínia, seguindo o exemplo de algumas outras cidades do sul dos Estados Unidos, pretende remover a estátua do general Robert E. Lee, e os supremacistas brancos estavam por lá para defendê-la.

Lee foi o militar que comandou o exército da Virgínia contra a União, numa guerra separatista que queria manter a escravidão no Sul do país. A discussão tomou fôlego em 2015, depois que um supremacista branco matou nove pessoas negras em um atentado a uma igreja em Charleston, na Carolina do Sul. A cidade de New Orleans, por exemplo, comemorou, em maio passado, a remoção do último dos quatro monumentos confederados, exatamente uma estátua do general Lee.

O prefeito Mitch Landrieu, que é branco, reconheceu que tais monumentos celebram a supremacia branca, e disse que tal ato poderia fazer com que o estado da Louisiana finalmente começasse a se curar [dos males da escravidão], pois “não é bom continuar reverenciando uma falsa versão da história e colocar a Confederação em um pedestal”, completando que há que se reconhecer que os confederados estavam no lado errado da história.

“Não é bom continuar reverenciando uma falsa versão da história e colocar a Confederação em um pedestal”

Por “lado errado da história”, por mais que se tente amenizar ou mesmo mascarar a intenção dos estados do sul durante a Guerra da Secessão, deve-se entender:o lado que defendia a manutenção de uma economia baseada na escravidão.

Não é apenas nos Estados Unidos que o “lado errado da história” é celebrado e mascarado. Aqui no Brasil, em Santa Bárbara D´Oeste (SP), há mais de 30 anos acontece a Festa Confederada. Com patrocínio estatal e incluída no calendário oficial do Estado de São Paulo, a festa, segundo os organizadores, foi organizada para “manter viva a memória dos nossos ancestrais” – ou seja, os confederados que, depois de derrotados nos sul dos Estados Unidos, vieram procurar abrigo no Brasil, onde ainda havia escravidão.

A história desses ancestrais e de como chegaram a esta região do estado de São Paulo pode ser lida no livro “Brazil: the Home for Southerners” (“Brasil, lar dos sulistas”, em tradução livre), do reverendo Ballard S. Dunn. Na festa dos descendentes dos confederados brasileiros, assim como nas casas e nas manifestações dos supremacistas estadunidenses, a bandeira confederada está em todos os lugares: nas roupas, na decoração, nos uniformes, pintada no palco onde acontecem shows e apresentações.

O contexto dessa imigração

Um dos grandes problemas deixados por séculos de escravidão foi o que fazer com o enorme contingente de negros libertos ou libertados, que nunca seriam totalmente integrados à sociedade. Aos olhos dos ex-senhores e das autoridades, representavam tanto uma ameaça à ordem pública, em locais onde eram muito numerosos, como uma ameaça à composição étnica, por serem considerados inferiores.

Os Estados Unidos fundaram uma colônia na África (Libéria), para onde enviaram todos os negros que se dispunham a deixar o país, com todas as despesas pagas. A ideia de uma colônia de negros norte-americanos no Brasil, mais especificamente na região amazônica, também era bastante atraente, por ser mais perto e por acreditarem que tínhamos aqui um modelo de sociedade menos racista.

O governo brasileiro chegou a ser consultado em algumas ocasiões, abortando a ideia porque, na época, mesmo antes da Abolição por aqui, já se pensava em um processo de branqueamento da população. Havia leis que proibiam a entrada de africanos livres no país e, ainda em 1945, imigrantes deveriam ser selecionados de acordo com a “necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes de sua ascendência européia.” A política de incentivos para atrair imigrantes europeus brancos acabou atraindo também os brancos norte-americanos.

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Descendentes de sulistas americanos na Festa Confederada de 2017

Reprodução: Festa Confederada / Facebook

Com o fim da Guerra Civil, alguns sulistas brancos escravocratas se sentiram humilhados com a derrota imposta pelo norte abolicionista, acreditando que não havia mais condições de permanecerem no país. Na década de 1860, o reverendo Ballard S. Dunn fez uma longa expedição pelo Brasil e acabou escolhendo, com o aval do Imperador, uma região no interior do estado de São Paulo. Mudando-se para lá junto com várias famílias, fundou os povoamentos que dariam origem às cidades de Americana e Santa Bárbara D´Oeste. A ligação com o passado é tão forte que até 1998, o brasão de Americana ainda fazia alusões à bandeira confederada.

Nenhum problema que os descendentes de confederados brasileiros queiram continuar reverenciando seus antepassados, mas que o façam com a verdade, em respeito à História e aos descendentes de escravizados.

Os descendentes dos confederados de Santa Bárbara D´Oeste, representados por uma associação chamada Fraternidade Descendência Americana, soltaram uma nota condenando e lamentando o atentado em Charlottesville. A nota contém trechos de uma mesma nota emitida em 2015, quando do atentado na igreja de Charleston, como podemos ver reportagem, e  pode ser lida na íntegra aqui , mas da qual destaco:

“A Fraternidade Descendência Americana representa milhares de descendentes de imigrantes Americanos que escolheram o Brasil como novo lar após sofrerem os horrores da guerra da secessão. Este conflito resolveu todas as divergências filosóficas, políticas, econômicas e sociais, onde o lado vencedor ditou as regras para todos daquele país, cujos efeitos refletem no atual sistema de vida dos Norte Americanos. Nossos ancestrais encontraram no Brasil o abraço acolhedor e a paz para recomeçarem suas vidas, sendo seus descendentes os maiores demonstradores da integração entre raças e povos frutos dos casamentos inter-raciais que ocorrem desde das primeiras gerações de descendentes.”

E:

“Aproveitamos para ressaltar que o General Robert E. Lee é considerado um dos melhores generais da história dos EUA e que ele não possuía escravos e entendia que a escravidão era um grande mal. Ele liderou as tropas confederadas na sua luta pela independência. Desta forma, o General Robert E. Lee não representa os grupos extremistas de direita estadunidense.”

Há tantos problemas nestes dois parágrafos acima que fica difícil começar, mas vou me ater ao que se refere ao general Lee. Nenhum problema que os descendentes de confederados brasileiros queiram continuar reverenciando seus antepassados, mas que o façam com a verdade, em respeito à História e aos descendentes de escravizados.

Longe de Charlottesville, São Paulo também celebra o “lado errado da história”

O palco da Festa Confederada é uma bandeira da Confederação, um símbolo da luta para manter escravidão no sul dos Estados Unidos.

Divulgação: Festa dos Confederados / Facebook

“Informações sobre a vida de Lee foram editadas para apresentá-lo sob uma luz favorável, começando imediatamente após sua morte – até mesmo no Norte”, diz este artigo, que ainda traz a seguinte declaração do ex-escravo, escritor e abolicionista Frederick Douglass: “Dificilmente podemos pegar um jornal que não esteja cheio de bajulações nauseantes” acerca de Lee, sobre quem “parece que o soldado que mais matou homens em batalhas, até mesmo por má causa, é o maior dos cristãos, qualificado por um lugar no paraíso.”

O artigo também dá conta de que Lee teve escravos sim, ao contrário do que muitos tentam negar: “Lee possuía escravos próprios antes da Guerra Civil, até 1852 [sua esposa continuou possuindo depois disto], e considerou comprar mais depois desta data, de acordo do a biografia escrita por Elizabeth Brown Pryor, que se baseia nas correspondências de Lee.” Em carta para a esposa, o general diz o que acha da escravidão:  “A escravidão, como instituição, é um mal moral e político em qualquer país”.

A Guerra Civil foi, sim, uma luta pela manutenção da escravidão

Deve ser daqui que a Fraternidade Descendência Americana tirou a declaração sobre Lee, esquecendo-se, no entanto, do que complementa essa sua declaração. Lee afirma que a escravidão era pior para os brancos do que para os negros, e que era necessário que os negros a suportassem, para que fossem civilizados:

“A dolorosa disciplina pela qual estão passando é para a instrução de sua raça… Por quanto tempo esta instituição será necessária é sabido e ordenado por uma sábia Providência Misericordiosa.”

Ou seja: só Deus sabia, e não cabia aos homens libertá-los. Aqui se confirma o argumento de que a Guerra Civil foi, sim, uma luta pela manutenção da escravidão,  na qual a religião foi forte componente. O que pode ser confirmado neste artigo, que a coloca no centro das declarações dos vários estados confederados.

Ou seja, naquele tempo e agora, os símbolos confederados, como a bandeira e as estátuas do general Lee, representam um ideal defendido tanto por Trump quanto pelos supremacistas brancos: a américa para os americanos –  e apenas os brancos protestantes. Os mesmos que migraram para o Brasil e deram origem às cidades de Americana e Santa Bárbara D`Oeste. Que seus descendentes queiram honrar sua memória é completamente entendível, mas que também assumam a verdade histórica da herança que trouxeram com eles.

Foto em destaque: Polícia protege estátua em Charlottesville, no último sábado, dia 12. Michael Nigro/ AP

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